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39ª ART BASEL SEGUNDO CAPíTULO AS METÁFORAS NA ARTESÍLVIA GUERRA2008-06-09“Passo a minha vida a evitar metáforas, porque usar metáforas implica aceitar os valores da estrutura que cria a metáfora. Eu não aceito a metáfora” Laurence Weiner em conversa com Jorge Pardo na Art Basel Conversations (4/6/08) Estas palavras foram proferidas por um dos maiores artistas conceptuais vivos, que utiliza a linguagem como media. É o reiterar de uma declaração de intenções (que data de 1968) deste escultor de palavras: “ART IS NOT A METAPHOR UPON THE RELATIONSHIP OF HUMAN BEINGS TO OBJECTS & OBJECTS TO OBJECTS IN RELATION TO HUMAN BEINGS BUT A REPRESENTATION OF AN EMPIRICAL EXISTING FACT” e acrescenta “IT DOES NOT TELL THE POTENTIAL & CAPABILITIES OF AN OBJECT (MATERIAL) BUT PRESENTS A REALITY CONCERNING THAT RELATIONSHIP.” São 10 horas da manhã e estou dentro do segundo enorme edifício da Art Basel, onde se expõe a Art Unlimited (Arte sem Limites …) com obras de grande escala, de cerca 60 artistas, vindos de 28 países (Portugal está representado por João Onofre com “Box sized Die featuring (band to be announced)” e Carlos Bunga com “Ruin” (representado pela galeria espanhola Benitez). Além das criações mais recentes encontramos clássicos como o “penetrável” de Jesús Rafael Soto (“BBL bleu” 1999-2007), a imensa pintura de Tom Wesselman (“Still Life”, 1976) ou o “Andy Warhol and Members of the Factory, New York City, october 30”; e todo o espaço é vigiado pelo “Oval Buddha” ( 2007), uma gigantesca escultura com a altura de uma torre de Takashi Murakami. É sob os olhos fechados deste Buda japonês que é apresentado o programa de conversas da manhã (o que demontra que definitivamente não estamos em Portugal) e da tarde, com o Art Lobby. O espaço é aqui muito mais amplo do que no outro edifício onde cada stand se encontra sobrelotado de obras. Aqui a ocupação do espaço é irregular e encontram-se representados alguns dos artistas com a mais alta cotação nos últimos anos. O Zeitgeit ou o famoso espírito do tempo está presente nas obras expostas. E se o diálogo pretendido pelos organizadores da feira, entre pares de obras, talvez não seja evidente, as peças reflectem as questões com que a arte se debate hoje. As galerias continuam a ser o primeiro destinatário da actualidade artística, e essa energia sente-se nesta amostragem do mercado, a mais importante a nível internacional. Para além do Buda-troféu de Murakami que, parece fazer eco à recente exposição patente no Centre Pompidou em Paris “Les traces du sacré” e ser o símbolo do poder do capital, para mim, o símbolo da Art Basel deste ano é a obra que foi a sensação do ano passado nos cinemas europeus e americanos, “Zidane, a 21st Century Portrait”, de Douglas Gordon e Philippe Parreno ( 2006). Estamos em pleno campeonato europeu de futebol e apesar do entuasismo dos suíços ser menos generalizado do que o dos portugueses, na cidade, os slogans de “Força Suiços!” é mais evidente do que a publicidade à Art Basel, sobretudo nas instituições hoteleiras. O filme da dupla de artistas é projectado em dois ecrãs gigantes, com dois filmes diferentes, e constitui realmente o retrato do herói do nosso tempo; a reflexão que o visionamento dos 90 minutos nos permite fazer, da política, da tentativa de equiparar as diferentes sociedades europeias pelo desporto, do retorno a um certo pós-autoritarismo político é incrível. Todas estas imagens circulam na nossa mente enquanto observamos Zidane e a sua epopeia em campo. Pergunto-me se não será esta uma metáfora artística? Outra obra que reflecte a sociedade urbana europeia e oriental é o último vídeo de Emanuelle Antille. Projectado em 12 ecrãs de televisão, intitula-se “Editing Rooms/ Editing Territories” (2008). Com som criado pelas duas personagens neo-punks (?), esta obra conta-nos a vida nas cidades onde o amor deixou de ser reprodutivo. Peter Coffin, conta-nos a vida animal através dos 30 ecrãs de “Untitled” (2008). Na sala ao lado temos mais uma obra vídeo, poética, de Apichapong Weerasethakul que continua a trabalhar a imagem invadida pela voz off de personagens que contam lendas e histórias tradicionais tailandesas em “Morakot” (Esmeralda). Na área do vídeo estava ainda presente Karen Kilimnik com “Heathers” (1993/1993), ou a vida no tempo que um afterword de soap opera americana nos traz. Eu passei um óptimo momento dentro da instalação vídeo e sonora de Diana Thater & Kelly Mason, “Relay” (2007) que embora pareça ter uma filiação na obra de Christian Marclay entra em relação com a reflexão de Laurence Weiner sobre o objecto artístico, mas na forma mais anti-conceptual que existe, num concerto de guitarra eléctrica amplificado por fortes colunas Marshall, e onde se projectam frases como “an ideia in 3 dimensions is an object”. Outro dos meus pequenos fetiches pessoais, que encontrei exposto na Art Unlimited, é a série “The blue period” (2007) de Jon Kessler. Pelo azul Klein? Pela manicure? Pela peruca de pai natal da rapariga? Porque gostamos de uma obra de arte, é claro que a resposta não existe, mas eu compraria uma destas instalações de Kessler para minha casa, sobretudo se morasse numa montanha suíça. Nota-se um certo revival pop em toda a feira deste ano, pontuado pelo reaparecimento de Warhol, de Wesselman entre outros. Mas os best-sellers em popularidade foram duas obras vindas da China: O hipnótico comboio fantasma de Qui Anxiong, “Staring into amnesia” (2007), uma instalação dentro de uma carruagem de comboio da antiga República Chinesa onde em cada janela encontramos uma projecção que conta a narrativa e o sentimento de uma história que atravessou um país; e o rio dos panfletos revolucionórios do colectivo Yangjiang Group. Mais um reflexo dos tempos… E falta-me ainda ver a secção dedicada aos livros de artistas e às produções discográficas, onde disponho de 10 minutos para ouvir a música de Malcolm McLaren. Fora da feira as obras de arte pública, não passavam despercebidas aos visitantes, entre um Dan Graham situado ao lado da cafetaria e um Sol Lewitt, que posicionado na entrada para as conversas no Lobby, não permitia o desvio do olhar. Tive ainda tempo de ouvir falar o novo director da próxima Bienal de Veneza, o crítico Daniel Birmbaum a fazer a apologia das escolas de curadores na primeira conversa da tarde; embora o próprio afirme ser um académico falhado e ter sido esse o facto que o levou à profissão. De manhã, Weiner acusava as mesmas instituições dizendo não acreditar no ensino artístico e de gostar mais de galerias do que de museus. Em Basileia há arte e contradições para todos os gostos, e são raras as presenças fracas neste evento que propõe cada vez mais secções: no Cinema da cidade, o Stadtkino eram apresentados filmes de artistas ao longo dos dias da feira. É impossível ver tudo em dois dias, mas resta-me dizer que mesmo as crianças tem o seu espaço no 3º andar do Art Unlimited, onde 3 ou 4 jovens se ocupam gratuitamente dos infelizes submetidos a demasiado calor e a demasiadas conversas sobre preços. As vendas foram boas segundo os galeristas o que demonstra que a arte se vende e, como diria Robert Musil antes da Segunda Guerra Mundial, “hoje se todo o mundo se encontra habilitado a agir como comerciante, uma velha tradição exige que se discuta como idealista”. Será esta uma metáfora do mercado de arte? Sílvia Guerra |