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JOÃO FONTE SANTA, SANTA FONTE!PEDRO CABRAL SANTO2021-09-27
Entrar em contacto com o labor artístico de João Fonte Santa faz com que algo de perturbador aconteça. Podemos mesmo afirmar, sem mácula, que um doce torpor parece emergir e expandir-se entre o deslumbre e o assombro, com o mágico e o inefável a impor-se face àquilo que estamos a percecionar. Trata-se efetivamente de algo poderoso, capaz de nos elevar inexoravelmente a atenção, para além também de nos aguçar o alento, ou a falta dele. As formas perentórias e autoritárias, que o autor permanentemente evoca, encontram-se vincadas, raspadas e espaçadas/plasmadas em incríveis pinturas, numa espécie de combate frontal, e ruidoso, entre cores vibrantes e formas fortes, contrastantes entre si. Tudo se encontra perfilado num extraordinário bailado de finos e grossos traços de tinta preta, presentes na maioria das suas obras, outras vezes num implacável jogo de tons pardacentos, sempre perturbadores, com a gama cromática entrelaçada com as formas, é certo, mas sem deixar de subjugar o próprio lado literal que as mesmas contêm. Seja como for, é na diversidade expressiva, empregue por João Fonte Santa, que temos acesso a um ponto de vista que foi construído e depositado na organização de verdadeiras “fortalezas” plásticas, puros bastiões, castelos inabaláveis, que nos conseguem pôr em sentido. Se, num primeiro momento, o acesso às obras parece fácil com as linhas, as texturas e as massas a enlearem-se num maravilhoso menu sensorial, e com as cores a embevecerem-nos literalmente a mente, logo depois – espantosamente, e de uma forma quase fria – tudo parece recair/ir ao encontro de outra finalidade na qual tudo se complica maravilhosamente. Indiscutivelmente, somos obrigados (compelidos) a uma releitura permanente das temáticas que o autor convoca, temáticas que nos põem a pensar nisto e naquilo, a indagar o Mundo através dos seus ataques e das suas defesas. E tudo, mas tudo, a par das ironias e sarcasmos que o próprio constrói – demarcando, alinhavando, delineando. Deste alento, surgem – produzidas ou regurgitadas – poderosas imagens visuais, imagens cuidadas sob um gracioso “pano pensante”, capaz de nos envolver num deleite essencial, que preside àquelas imagens. E, então – urge perguntar – de que falam verdadeiramente as imagens do artista João Fonte Santa? Debrucemo-nos por um breve momento sobre a vernaculidade destas imagens. Aristóteles, sempre ele, ensinou-nos, entre muitos assuntos deveras importantes, que é tarefa árdua, difícil, quase impossível, pensarmos seja no que for, sem termos imediatamente a “aparição” de uma imagem, quer seja a sua natureza visual, sonora, táctil ou de uma outra essência [1]. Em concomitância com o pensamento do eterno filósofo, parece-nos plausível que quando pensamos em algo de natureza “Epifânica” – uma simples “ideia” – isso pode significar que esse ato está intimamente ligado à necessidade de produzir uma determinada imagem, como dissemos, independentemente da sua natureza. Ou seja, as imagens assemelham-se a algo que é natural em nós, e cujos ensejos se entendem como resultado da nossa necessidade em representar determinadas coisas que, momento a momento, são ou parecem ser o alvo da nossa particular atenção. Deste modo, quando evocamos o termo “Representar” – do qual resulta uma complexa equação, um “problema bom” – percebemos que esse ato advém (solitariamente) de uma realidade interior, onde, sem dúvida, num primeiro momento, está presente a realidade do artista, que é singular, única e intransponível. Neste tremendo exercício, entre o seu interior e o imanente contacto com o exterior – que, apesar de, muitas vezes, se nos afigurar quase de uma forma banal, não se explica ou disponibiliza facilmente –intromete-se uma espiral misteriosa, rumo a uma dimensão enigmática, quase inacessível. Desde logo, pensamos que esta singularidade reside justamente na possibilidade que temos em cogitar em imagens em relação às quais muitas vezes nem sequer dispomos de uma pequena pista, um singelo traço, mas que surgem emprenhadas, de uma força inaudita, por aquilo que não conhecemos, ou do que não entendemos na sua totalidade. Tudo parece ser capaz de despoletar imagens em nós, algo que nos alerta para o facto de que a fabricação imagética é muito mais, por isso, do que um mero mecanismo fisiológico [2]. Neste sentido, podemos afirmar “temerariamente” que a perceção funciona também, e antes de mais, como uma “pura” Representação, processo no qual as imagens surgem como algo de natural. Portanto, em resultado de uma poderosa alquimia, que é necessariamente fruto de uma subtil e hábil combinação entre as forças puramente fisiológicas presentes no corpo e aquelas que atuam a partir de uma diversidade de faculdades capazes de reconfigurar vezes sem conta o manancial de informação que intermitentemente nos chega. Algo que excede o fisiológico, tendo em conta as componentes que envolvem determinadas regiões ou áreas determinantes do nosso córtex cerebral. Neste intrincado processo eletroquímico, que ajuda à produção da imagem, e da imagem visual em particular, temos um misterioso caminho, onde o sistema da Visão desempenha um papel fundamental, nomeadamente no contributo seu inestimável para a sobrevivência do organismo. Sobreviver (supervivere), uma palavra curiosa, um verbo regular intransitivo que se refere àquilo que nos permite “permanecer vivo apesar de algo” ou “continuar a viver depois de uma situação desastrosa”, e se afigura, simultaneamente, como uma das ferramentas que nos permite observar e admirar as imagens artísticas [3]. Um mecanismo concebido pela mãe natureza como uma poderosa arma de autodefesa e que é também aquele com o qual analisamos determinadas imagens visuais – e não só. Como vimos, estamos a movimentar-nos num ambiente denso, misterioso e, acima de tudo, fascinante, pois, se é verdade que tudo começa, no que concerne à imagem, no centro das nossas perceções, também não deixa de ser verdade que procuramos torná-las visíveis, materializadas, seja com a ajuda da razão e do entendimento ou através da simples aplicação de um modelo próximo, por exemplo, da ciência [4]. O mundo das imagens artísticas não foge a esta premissa, pois elas, mesmo sendo em parte construídas pelas incríveis faculdades do nosso córtex cerebral (Balle, 2007) [5], cujo substrato se encaixa entre a troca ativa de informações variadas, contemplam sempre fatores exteriores, como a experiência que possuímos do mundo ou a forma como nos vemos – onde está presente a ideia que fazemos de nós mesmos, na nossa integração social. Voltemos então à questão inicial. Verdadeiramente, de que tratam as imagens que emanam da arte de João Fonte Santa? Na série A 2000 Anos Luz de Casa, realizada entre 2013 e 2015, um conjunto de aguarelas s/papel que – na sua maioria oscilando em tons que vão do preto ao branco, passando pelos castanhos e cinzentos – nos contam uma extraordinária história disposta, como nos Movies, fotograma a fotograma. As imagens são ambíguas, flutuantes, enigmáticas. Por entre elas, o autor dá-nos a ver o que parece ser, à primeira vista, uma banda Rock em pose, em variados e vastos tons de cinzento. Nesta imagem, tudo parece, num primeiro momento, obedecer a uma tratamento cénico comum às imagens que habitam as capas dos álbuns, dos EPs, aderindo ao ritual urbano usado para a identificação destas lógicas expressivas. Assim, os elementos gráficos estão todos lá – e a disposição (ou pose) do grupo surge como tremendamente teatral. No local, observa-se uma sala pequena, mas suficiente para os elementos da banda poderem usar os seus instrumentos – teclados, microfones, tripés, guitarras, etc. Ao mesmo tempo os quatro artistas encontram-se também eles dispersos pela imagem, sentados e encostados aos instrumentos. Enfim, por norma, estas imagens legam-nos também, e sempre, a ideia do controle, do à-vontade, e não sabemos se vão tocar ou se já lograram fazê-lo. Por trás dos elementos da banda, um logótipo ou um símbolo do seu projeto. Um círculo “rasgado” por um raio. No final, temos ainda uma outra ideia: a imagem parece anacrónica, não pelo que é, mas pelo que transmite – um tempo já perdido, irremediavelmente suspenso. Tudo aquilo é passado, e remete-nos para uma espécie de sortilégio existencial, como se algo estivesse perdido em torno do seu próprio significado. A imagem, no seu todo, é triste, e os cinzentos reforçam isso. Mas, ao mesmo tempo, Fonte Santa é capaz de nos envolver com imagens de uma cidade, uma cidade “fantasma”, dividida por uma impossibilidade edílica – o caloroso troço de um porão junto à deflagração de deliciosas ondas, ou de um tsunami a caminho, tudo inexoravelmente forjado pela lei da Mãe Natureza. Ao fundo, lá longe na imagem, somos confrontados com um céu conturbado pelas ofuscantes manchas de poluição provocadas de forma visível por um skyline industrial. Esta maravilhosa imagem é de tal forma intrusiva que lembra o trabalho de outros artistas. Por exemplo, o Naufrágio de um Cargueiro (1881) [9], de William Turner, onde a força da natureza acaba por afundar um grande navio. As pessoas que lá estão podem morrer, provavelmente vão morrer, nada se pode fazer. Esta angústia põe-nos a pensar. Nomeadamente na inevitabilidade dos acontecimentos, aqui com Turner, ali com Fonte Santa. Estes dois momentos da imagem, entre o fluir sensorial e o “agreste” puramente retiniano, arrastam-nos para outras imagens do artista. Uma delas mostra-nos esta (ou outra) cidade em chamas. Estas cenas, ao estarem juntas, seguidas, e apesar de entre as mesmas existir uma ligação obvia, precisam uma da outra, porque necessitam de uma imagem alternativa, uma realidade outra que interfira com o que é representado diretamente por elas. É através destas disparidades que nos conseguimos aperceber de coisas que, estando no meio, aparentemente são impercetíveis, uma vez que todas estas representações nos remetem para uma outra, uma só, que funciona de forma muito parecida. Evocando outra pintura, uma extraordinária imagem da autoria de Poussin, denominada Polifemo [10], possibilita-nos também o vislumbre de uma paisagem magnífica. Uma pequena montanha ergue-se ao fundo. Uma enorme planície toma conta da composição, no centro da qual se veem jovens espraiados, aparentemente sob o jugo de uma música que ecoa da montanha. Discretamente, reparamos que no cimo da montanha se encontra um ciclope, que maneja uma flauta. Os jovens não parecem temer o Ciclope, o gigante que Ulisses cegou, ele mesmo portador de grandes desventuras para a humanidade. E, por momentos, pensamos (exatamente como acontece nas pinturas de João Fonte Santa): e se, por absurdo, tirássemos o Ciclope da pintura de Poussin, ou as fábricas poluentes do skyline de Fonte Santa? No caso do gigante, ser que a mitologia grega irremediavelmente “algemou” com a superintendência da bestialidade, da força bruta, do imponderável, a imagem mantinha-se, é certo, mas o sentido que acabamos de descrever ter-se-ia perdido para sempre. Mas, ainda assim, põe-se ainda uma outra questão: e se não tivéssemos acesso à imagem original? Mesmo sem o legado histórico que envolve as obras em questão, existiria igualmente algo de que não conseguiríamos fugir: o contexto. As outrora imagens vivas e apelativas ter-se-iam tornado lugares sem assunto ou, algo pior, imagens desabitadas e cuja natureza nos abalança à passividade e à cegueira, que por vezes, também é acentuada/provocada pelo deslumbre técnico. Estas questões alertam-nos para a evidência de que as imagens parecem ocupar um lugar especial, que nos orienta desde sempre, e apenas através do qual parece ser-lhes possível manterem-se atuais, continuarem a produzir significado. Outra série extraordinariamente pertinente, Amor Cego/Amor Verdadeiro, sequência que deve o nome ao título da exposição realizada pelo artista na Casa Bernardo (Caldas da Rainha), volta a convocar-nos para uma estranha aventura, com pinturas em jeito de predelas, onde uma história supostamente nos é narrada. Uma cena, um enorme desenho, dá-nos a possibilidade de ver dois personagens que parecem cuidar da sua ou, pelo menos, de uma casa. Uma casa que toma de assalto toda a composição e que nos aparece, visualmente, incrivelmente baixa. A casa é extensa mas baixa, muito baixa, e surge como que “instalada” numa pequena colina, a que temos um acesso a 3/4, no cimo da qual surge um outro edifício, este bem mais alto. À volta destas casas, pequenas árvores vão pontuando o desenho. Tudo, mas tudo, parece sugerir uma enorme maqueta. E, nesse sentido, “tudo” parece ser falso. Os dois personagens, um masculino e outro feminino, surgem como que a praticarem uma ação em concreto: o “destapar” da casa e também de toda a paisagem. Ideia tremenda, enigmática. Quem são aqueles personagens, e porque fazem aquilo que parecem estar a fazer, se é realmente isso que fazem? Esta dinâmica empreendida pelo autor propaga-se para a obra seguinte. Aqui, e também por via de um grande desenho, em tons que alternam entre o cinzento claro e o (muito) escuro, temos também acesso a outro cenário estranho, bizarro. No interior da casa, ou de uma casa, surge num canto uma misteriosa mulher, sentada e que denota uma pose aristocrática. No seu regaço um(a) menino(a). Em princípio parece tratar-se de mãe e filho, do amor incondicional entre a progenitora e a cria. Do lado esquerdo da mulher temos uma mesa que está em frente a uma enorme vidraça. Atrás da mesa, e em cada ponta da divisão, temos dois outros elementos que parecem ser também meninos ou bonecos. As suas poses estáticas, os seus perfis e olhares, sugerem pura artificialidade – seres mecânicos. E, mais uma vez, tudo se adensa numa encriptada representação, capaz de refletir toda a atividade que está presente no plano/espaço daquela representação. A vidraça, por sua vez, apresenta um doce e estável plano de natureza, mas também esta parece artificial. Artificial é, afinal de contas, a ressonância que nos chega de toda a obra de João Fonte Santa. Algo que nos alerta para uma situação específica, onde as suas imagens parecem aparências de uma ideia simples, mas ao mesmo tempo inaudita: o mundo em que nós vivemos é radicalmente artificial, sendo que a sofisticação do Artificial permite a Simulação do Natural. Ou seja, no caso particular da casa e dos seus elementos arquitetónicos, o que o artista patenteia parece ostensivamente “gritar” que a realidade, seja aquela que surge através da Representação ou a que resulta do simples consumo fisiológico, não se apresenta de forma independente de tudo aquilo que “acontece” à nossa volta. Vejamos, na contínua viagem acarretada pela aventura do autor, um outro enigma. Uma mulher jovem ocupa parte substancial de uma outra cena, desce uma colina, seminua, transportando em cada mão um utensílio. Por trás de si, um pouco mais longe, um pilar impõe-se, um fragmento de urbe, mas agora tratado como um pedaço isolado. Na cabeça, um lenço compõe-lhe o rosto, “recortado” por um ar pungente, austero, compenetrado. No chão, agora sim, vemos uma silhueta negar toda aquela artificialidade. Trata-se da sombra do corpo, é certo, mas parecendo algo quase à parte. Toda a cena emana um doce sépia, que se vai transvazando de acordo com as necessidades expressivas. Voltemos ao início. Estas casas, estes espaços e estas personagens estão sobre duas poderosas estratégias, paralela e firmemente prosseguidas pelo artista. Por um lado, a construção de mundos, no sentido literal da palavra. Mundos nos quais se manifestam desideratos e ensejos que, no fundo, fazem parte dos nossos sonhos, mas também do nosso medo e pavor. A felicidade, este almejo longínquo que a politica e os políticos sempre oferecem de acordo com os seus intentos, ou ainda a possibilidade de se fabricar fisicamente o Mundo, acreditando que parte dessa construção é irrevogavelmente ficcionada em toda essa atitude. Acreditamos naquilo que se aparenta com a realidade e desconfiamos daquilo que achamos que é a realidade. A Arte trabalha nesta fissura. As imagens do artista fazem-nos lembrar, às vezes, imagens da propaganda marxista-leninista, aquela “velha” ideologia que nos fazia sentir que a vida, tal como a conhecemos, pode ser melhor, muito melhor, bastando para isso invertermos parte substancial da vivência quotidiana do designado dia-a-dia. Outras vezes, imagens publicitárias do mundo neo-liberal, dos seus estereótipos que, como as imagens comunistas, artísticas ou não, têm quase sempre a virtude de anunciar uma novidade, um evento futuro que se resume, ou tem enfoque, no bem estar coletivo. Esta direção que algumas das imagens possuem, e que Fonte Santa nos dá a ver, vai também ao encontro desta mesma vertente: estamos necessariamente a falar de um outro ponto de vista, de uma doutrina ou, se quisermos, de algo que nos diz que toda a manifestação artística é fruto da Arte pela Arte, da obra entendida como uma entidade independente, que nada deve, exceto às suas próprias idiossincrasias. Este aparente estado de pureza, que muitas vezes povoa a imagem artística, dotando-a de uma espécie de inocência formal – que se reflete mesmo na obra de grandes artistas, sobretudo daqueles que trabalharam a abstração, como é o caso de Ad Reinhardt ou Pollock – é também (por vezes) portadora de um tremendo equívoco, nomeadamente aquele que a oposição abstração versus figuração provoca, fazendo que a primeira supere a segunda, porque não é trivial, superficial, etc. Mas, convenhamos, o mesmo se pode ilustrar através da figuração e, nesse sentido, aquilo que interessa a este “estado” continua a ser o mesmo – a ideia de que a Arte se Representa a si mesma, e de que esse ato é uma “dádiva universal”. Na figuração, ao invés das cores e formas que, grosso modo, assolam a totalidade da imagem, a ressonância e a força do trabalho passam pela necessidade de olhar para lá dos elementos que reconhecemos ou identificamos, tarefa que é, sem duvida, mais complexa do que quando estamos perante a obra abstrata. É assim que, nas imagens de Fonte Santa, nada do que parece é. E pode-se mesmo dizer que esse “imaculado carácter abstrato” também está presente na figuração que o artista usa, pois tudo aquilo só faz sentido através de uma releitura que olha para a composição por via de “proveniências emotivas”, onde a cor, ou a sua ausência, por exemplo, conseguem valer mais que o ícone lá instalado [11]. É aí que já se imiscui a outra estratégia. Desde logo, no olhar mais cru, ou menos dotado, ou ainda menos atento. Esta estratégia é sobretudo válida a partir de toda a aproximação ao lado mais emotivo das cores, na sua relação com as formas, e por isso mesmo denunciando o lado racional das mesmas. O artista confronta-nos com esta dualidade: entre o tautológico, o reconhecível e o personificável e, por outro, uma mistura esbatida de tons entre os cinzentos e os sépias, produzindo um cenário quase “sujo”, quase desfocado, de modo a que o espectador, o observador ou o interator, possam viver estes acontecimentos como se de um filme se tratasse. Isto é, o trabalho, a série, no seu todo, apresenta-se como o resultado de uma interessante intersecção entre dois pensamentos concomitantes, através dos quais as temáticas, os valores e os objetos são transformados em essências, que revelam não a sua verdade oculta mas o seu carácter precário, problemático, e nisso mesmo estranhamente vivo: na cena da jovem mulher seminua impera a sua altivez, o seu orgulho, mas no fundo é uma sábia mancha de cor arquitetada face ao fundo, e assim transformada numa fábrica de emoções. As casas, que parecem ser parte dos temas do artista, são-no de facto, mas tresmalhadas, empoeiradas pela excelência da imagem artística, cuja originalidade nos transmite muito mais do que aparenta, do risível que desponta, ou do misterioso que aponta. João Fonte Santa é Mágico.
Pedro Cabral Santo
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Notas [1] A Visão, o Olfato, a Audição o Gosto e o Tato eram entendidos como puras ferramentas interpretativas do mundo físico, um prolongamento dos nervos que afetavam assim o “Sentimento”. Ver Aristóteles, Da Alma, 412a-424b.
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Bibliografia ARISTÓTELES – Da Alma. Lisboa: Edições 70, 2001. GOMBRICH – L´Art et L´Illusion: Psychologie de la Representation Pictural. Paris: Gallimard, 1996.
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