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ANDREA BRANDãO E DANIEL BARROCA

LIZ VAHIA


 

Andrea Brandão e Daniel Barroca dividem um atelier integrado no espaço Hangar - Centro de Investigação Artística. Artistas visuais com trabalhos em várias áreas, desde o desenho à instalação, conversaram com a Artecapital sobre a partilha de espaço, os workshops que organizaram e o carácter processual do seu trabalho.


por Liz Vahia

 

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LV: Em primeiro lugar, como é que surgiu a ideia ou a oportunidade de partilharem um mesmo espaço de trabalho? Já o tinham feito antes com outros artistas (sem ser em contexto de residências)?

AB: Surgiu a oportunidade, fazendo uso das tuas palavras. Integro o Hangar desde o inicio do projecto e por contingências dos espaços disponíveis de atelier para os artistas, concordamos em partilhar renda e ficar com este espaço de trabalho.
Já tinha partilhado atelier com outros artistas inclusive no Arco a escola onde estudei. Não tive muitos ateliers...este é o terceiro atelier partilhado por onde passo em Lisboa.

DB: Não tínhamos planeado partilhar um atelier. Foi uma contingência da chegada ao Hangar. Decidimos partilhar para amenizar o custo da renda. Eu já tinha partilhado atelier com outros artistas noutras ocasiões. Mas não tem nada a ver com esta, cada caso é um caso.


LV: Partilhar espaço de criação artística pode não ser para todos. Medo da contaminação visual, sensação de julgamento, embaraço... são coisas que vos passam pela cabeça?

AB: Nem por isso. Temos tempos de trabalho e de uso do atelier muito distintos, pelo menos até agora. No entanto, pela ocupação que temos vindo a fazer do espaço, parece-me que a coisa é bastante orgânica. Não há limites definidos de ocupação física, esta vai a acontecendo simplesmente. Sobre os medos que dás como exemplo quero comentar apenas a contaminação visual (medo esse que na verdade tráz os outros). O trabalho apenas é contaminado com aquilo que é necessário para o trabalho, nem mais nem menos. Essas alterações que possam surgir, que são bem vindas, acontecem em qualquer espaço ou momento dentro ou fora do atelier.

DB: Não sei se temos medo da contaminação visual, acho que não... nada é neutro. O que é que define as condições do neutro? O espaço de produção do trabalho é muito mais neutro do que o espaço de exposição. O cubo branco é das coisas mais pesadas e carregadas de ideologia que eu conheço.


LV: Como é que estão a viver a integração do vosso espaço de trabalho num local multifacetado como o Hangar?

DB: Bastante bem.

AB: Bem! No que respeita ao trabalho (fora do espaço de atelier) integrado no projecto do Hangar, igualmente bem. Em Outubro vou orientar um workshop com o título “O corpo cria o espaço cria o corpo”, onde abordo questões da minha prática actual e proponho exercícios para se pensar como faz o corpo o espaço e o seu contrário. Numa abordagem performática e relacional com o espaço.


LV: O Daniel vai orientar no espaço Hangar um workshop intitulado “Fieldwork Notebooks” sobre o desenho como ferramenta de observação. O desenho é uma prática comum aos dois. Há ainda uma potencialidade no desenho que não encontram noutros formatos?

AB: O desenho é uma forma de fazer uma ligação efectiva com algo que não está visível para em nós se tornar visível. O desenho opera nessa ideia de aparecimento... de revelar “formas sem forma”, de gestos... é uma forma de questionar e entender as coisas. No workshop que vou dar utilizo muitos exercícios de desenho e de escrita como instrumentos de leitura do espaço e de entendimento no nosso corpo. Tanto um como o outro existem em acção, é isso que os caracteriza e que me interessa.

DB: Não sei se o desenho é um formato. Ou melhor, é tanto um formato como o texto é um formato. É uma forma de usar a cabeça, de pensar, de organizar o pensamento, de organizar as coisas, de ordenar o mundo. Podíamos crescer a usar o desenho para compreender as nossas vidas como crescemos a usar a escrita. É uma forma de organizar o conhecimento, de entender e incorporar as interações sensíveis entre as coisas.


LV: Na vossa obra há uma espécie de esbatimento entre a forma da imagem e o seu conteúdo e uma expansão do seu valor imagético e documental. A imagem deixa de ser uma superfície para ser um todo resultante de uma agencialidade concreta. Concordam com esta visão?

DB: Uma imagem pode não ser uma superfície. Como é que um texto nos faz ver coisas? Imaginar? Podemos materializar imagens de muitas maneiras e a imagem de facto agencia. Há alguma imagem que não o faça? Pode ser que em certos momentos esse agenciamento não apareça claramente mas as imagens agenciam sempre alguma coisa. O discurso das imagens tem inúmeras camadas, tem muito de meta-discursivo. Esta questão é muito volátil abordada assim no geral. Talvez dê para ser mais concreto perante casos concretos. Mas no mínimo uma imagem é uma coisa que agencia a própria imaginação como uma espécie de sentido que vê o que os olhos não vêm. Que agencia o invisível. ‘Agenciamento’ também me parece um termo com uma conotação algo política. Uma imagem carrega uma mensagem? Se for isso então estamos a meio caminho da propaganda que é uma das coisas que o artistas vieram a este mundo para desmontar...

AB: Uma imagem de uma coisa está associada a uma ideia de uma coisa. Talvez não tenha entendido ou não concorde com a proposição e por isso é-me difícil responder directamente. Uma imagem pode ser revelada de muitas maneiras. Uma imagem é também, ou talvez em primeiro lugar, uma coisa mental ou do espírito. Portanto uma imagem é um agente que pode operar além do sentido da visão. Ela é apenas a superfície de algo com mais ou menos espessura, mais ou menos profundo...


LV: Um certo carácter documental e performativo está presente na vossa prática artística e têm o cuidado de o ressalvar.
É uma ênfase em mostrar esse lado construído da obra em vez da ideia de aparição, algo que se revela inexplicavelmente?

DB: Qual aparição? Não sei se percebi a pergunta mas vou arriscar uma resposta:
As aparições divinas são muito importantes e interessantes. E quando acontecem, acontecem. Só que não são do domínio daquilo que as pessoas podem articular numa conversa sobre desenhos, artes e coisas da vida.
As aparições da arte são construções feitas para parecerem que são divinas. Como se o objeto não fosse tangível, deste mundo. Enredar em mistério é uma arte. À qual, as pessoas que trabalham neste ramo, no da arte contemporânea, se dedicam exemplarmente.
No meu caso: já passei por momentos mais enredados em mistério e por outros menos. O jogo dos mistérios traz o verdadeiro perigo de cairmos no obscurantismo. No entanto, uma forma oblíqua pode ser incrivelmente abrangente! Ser oblíquo lucidamente, sem ficar obscuro, constitui um enorme desafio.
Na tua pergunta fica a sensação de que um processo artístico só tem a obra como horizonte - a mim parece-me que a arte será uma coisa inquieta e com inúmeras ramificações. Uma coisa que muitas vezes escapa à própria noção de obra de arte.

AB: O lado processual e a abordagem performativa presente no meu trabalho, procura testar os limites de definição e materialização da obra final, podendo mesmo esta atingir uma qualidade efémera e transitória. Na tua pergunta opões construção e aparição e leva-me a pensar que tudo se revela inexplicavelmente e simultaneamente todas as revelações têm uma explicação. Ainda que essa explicação não seja do nosso conhecimento ou esteja ao nosso alcance. O mundo é constituído do visível e do invisível. Uma aparição pode ser o “nascer” do sol na “linha” do horizonte e que se poderá manifestar em nós de um modo tal que nos impressione de determinada forma. No sentido filosófico e existencial. Mas não há nascer nem linhas... Ou seja, qualquer coisa pode ser percebida como um aparecimento. Agora depende se queremos constituí-lo de uma aura divina ou não. Considero que ludibriar não é para mim. As coisas são como são e são misteriosas por si. É o espanto que determina a qualidade da experiência. Um gesto de prestidigitador é altamente construído e no entanto a sua ilusão é que faz a magia.