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ARQUITETURA E DESIGN




Yurt da Mongólia. Estrutura de madeira empenada a vapor e revestimento de feltro de lã de ovelha. Fotografia: Lyn Rivers.


Vernacular contemporâneo. Slum dos arredores de Tóquio, Japão. Fotografia: Matias Echanove


Restaurante mexicano em Ebisu, Tóquio, Japão. Chapa ondulada no seu esplendor. Fotografia: Sytse de Maat


Shotgun houses, Alabama, EUA, 1925. Exemplo do vernacular industrial original [1]. Fotografia: Jeffrey Reed


Cabana vernacular contemporânea junto a um allotment. Cais De Loods Westerdok, Amsterdão, Holanda. Fotografia: David Carr-Smith


Cabana na Costa da Caparica. As coberturas em fibrocimento são de comercialização proibida em Portugal desde 1994 e de aplicação proibida na UE desde 2005 mas esta mantém-se. Fotografia: Luísa Ferreira


Meta-materiais, materiais ocultos, materiais de carácter industrial e embalagens. António Coxito

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O VERNACULAR CONTEMPORÂNEO

ANTÓNIO COXITO




Vernacular contemporâneo é um neologismo e um aparente oxímoro que convém esclarecer desde logo.
O vernacular, na arquitectura ou no desenho de equipamento, refere-se àqueles materiais e formas de os trabalhar mais acessíveis e menos eruditas. O clima local e a disponibilidade de matéria-prima levou a que em algumas regiões a cultura vernacular tivesse dado origem e se refira à construção em pedra com junta seca, noutros à madeira e feltro no caso dos yurts, ao adobe em diversas latitudes ou ao gelo para lá do Círculo Polar Árctico.

Mas o vernacular adquiriu novas características com a contemporaneidade. Os materiais mais disponíveis, mais baratos, mais inteligíveis e mais apropriáveis da actualidade são aqueles com os quais são construídas as favelas, os musseques, as bidonvilles, as barracas, os slums e as shanty towns.
Independentemente de se esses meios são ou não são terrenos da arquitectura e do design, estas implantações representam uma parcela muito significativa da construção e consumo de artefactos global.
Apesar da sua variedade geográfica e cultural, une-as a materialidade: chapas, cartões, andaimes, tijolo não rebocado, supra-estruturas e soluções avulsas.
A única característica do vernacular que se alterou hoje foi, à semelhança de muitos outros hábitos e materiais, o ter deixado de ser específico de um local. Hoje, este vernacular é global e recorre à redundância de sistemas e artefactos multinacionais que lhe são próximos.

Estes materiais foram organizados em quatro grupos: os meta-materiais, os materiais ocultos, os materiais de carácter industrial e as embalagens.
O primeiro grupo refere-se àqueles que são de apoio às obras convencionais de arquitectura mas que saem da obra quando esta está concluída. Engloba andaimes e cofragens mas estende-se a todo o estaleiro e suas estruturas efémeras, incluindo casas de banho portáteis e contentores.
Encontram-se fundamentalmente (mas não exclusivamente, como qualquer um dos outros grupos) em países desenvolvidos, onde circulam nas sucatas vendidos a peso ou em mercado de usados. Nos yards e nos squats londrinos e de Amsterdão são aplicados de forma diversa que nos trailer parks norte-americanos.
O segundo grupo refere-se àqueles que integram a obra mas que raramente afloram, normalmente exclusivamente estruturais, como as vigotas de betão ou os ferros de armação mas também as peças de canalização. O tijolo perfurado, quando não revestido, faz parte deste grupo.
Estes são mais frequentes entre os Trópicos, especialmente na periferia das metrópoles da América do Sul e do Sul Asiático.
Em terceiro, aqueles que se tornaram de utilização convencional por parte de arquitectos e designers na cidade e na própria habitação mas que têm uma origem e um propósito industrial, rude e pragmático, como as chapas, ferragens, redes ou o cimento à vista. Estes, são já vulgarmente referidos como vernaculares industriais [1].
A presença dos materiais deste grupo é transversal a todas estas implantações, em qualquer parte do globo. A ferrugem nas chapas e alguns planos pintados de cores vivas conferem a esta manta o seu padrão mais característico.
Finalmente as embalagens, responsáveis por mais de quarenta por cento dos resíduos mundiais e frequentemente recicladas para estas construções. Referimo-nos aos cartões, toldos e plásticos, vasilhames e invólucros de peças industriais e ao seu habitual suporte, as palettes.
Os materiais deste quarto grupo têm apropriações muito diversas, desde os acampamentos ciganos da Europa ao design reciclável de autor, passando pelos mais insalubres bairros de respigadores de lixo das cidades costeiras do Golfo da Guiné, estimulando toda a tradição bricoleur da actividade humana.
Em Portugal, as embalagens de peças para a industria automóvel são muito procuradas para construções ad-hoc, tanto para fins de habitação na periferia das cidades como para barracões agrícolas.

No entanto, esta materialidade não é dissociável dos seus programas e dos seus processos, como é comum ver-se em soluções epidérmicas.
Os seus programas não pressupõem um conforto estanque e os processos não são representados cartesianamente. A diversidade cultural que albergam impede as soluções hegemónicas. A reflexão não procura a solução final mas apenas o passo seguinte, intuitivamente seguindo a linha de Prigogine e jogando com a criatividade não determinística da natureza.
Os materiais não são escolhidos no procurar mas no encontrar, na disponibilidade sustentável de um processo de serendipidade. Aqui, o engenho liga-se ao bricoleur e não ao engenheiro, contrapondo à lógica estruturalista uma outra sem necessidade de cunho e avessa a ser historiografada.
Todo um ponto de partida, um sistema e um objectivo é alterado neste modus operandi em relação à praxis do arquitecto ou do designer.

Suponhamos que um camião de entulho de obra é despejado na margem de uma estrada secundária peri-urbana próxima de nós. Por entre os cacos conseguimos recuperar mais de trezentos mosaicos de pavimento ainda com a sua forma quadrada preservada, mas com cimento agarrado na sua face inferior. Tinham obviamente sido arrancados de um páteo qualquer. Depois de coleccionados verifica-se que existem cinco padrões distintos. São sessenta e cinco mosaicos amarelo custarda planos, cinquenta e dois vermelho vinho planos, cento e um com um ponto no centro, quarenta e nove com uma linha transversal ornamentada e trinta e seis com uma linha diagonal simples.
Em casa, no espaço onde se faz o fogo, o chão é em terra que cobrimos de areão no ano passado. O Zé Gato tinha aproveitado um atrelado que lhe tinham emprestado para ir buscar uma carrada a um sítio que ele sabia.
Os mosaicos vinham mesmo a calhar mas não chegam para o chão todo. A reflexão desenvolvida para aferir da zona a cobrir e da disposição dos mosaicos vis-a-vis a sua disponibilidade e os seus padrões inverteu o processo de desenho/construção para o de disponibilidade/desenho e renovou o campo das possibilidades.

No paradigma demográfico e ecológico em que o planeta se encontra, estes processos que recorrem ao disponível em lugar de conceberem autocraticamente o desenho final ganham sentido.
Estes materiais, tais como um Lego ou um Meccano, colocam nas mãos do utilizador a possibilidade da sua autonomia em relação às vicissitudes da marginalidade intrínseca ao processo capitalista.
São as ferramentas vernaculares contemporâneas que permitem configurar os programas segundo a idiossincrasia de cada cultura, de cada comunidade, de cada indivíduo.

É incontornável a realidade dos problemas sociais, nas suas facetas laboral, alimentar e sanitária, que se encontram frequentemente associados a estes lugares. Esta abordagem daria origem a uma discussão muito mais complexa e parcialmente fora do alcance de designers e arquitectos.
Mas tal não impede de nos apropriarmos das suas qualidades, cujos direitos não teremos de pagar aos seus autores que permanecerão no esquecimento inexorável dos inventores primordiais.

:::
[o autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
:::


António Coxito
Arquitecto pela UAL. Encontra-se a desenvolver doutoramento na Universidade de Évora nos moldes research by design, através da construção efectiva de uma utopia em Vila Velha de Ródão.




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Bibliografia

Attila Kotanyi; Raul Vaneigem. Programme élémentaire du Bureau d'Urbanisme Unitaire. Internationale Situationniste #6, 1961.

Bernard Rudofsky. Architecture without architects. MOMA, 1965.

Cameron Sinclair; Kate Stohr. Design Like You Give A Damn: Architectural Responses To Humanitarian Crises. Distributed Art Publishers, 2006.

Stephen Kieran; James Timberlake. Refabricating Architecture. McGraw-Hill Professional, 2003.

Kenneth Frampton. Reflections on the Autonomy of Architecture: A Critique of Contemporary Production. Out of Site: A Social Criticism of Architecture. Edited by Diane Ghirardo. Bay Press, 1991.

Ilya Prigogine; Isabelle Stengers. La fin des certitudes. Odile Jacob, 1996.