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ATELIER FALA - ARQUITECTURA NA CASA DA CERCA
CARLA CARBONE
A Casa da Cerca, em Almada, tem-se apresentado como lugar privilegiado para debate e reflexão sobre o tema do desenho.
Dentro da Casa da Cerca há mesmo um espaço dedicado à exploração do desenho chamado “Galeria do Pátio”.
Neste momento encontra-se patente, no espaço da galeria, a Exposição “Gatos & Colunas”, do atelier de arquitectura fala.
Sediado no Porto, o atelier é composto por uma equipa de arquitectos, sendo os seus principais representantes, Filipe Magalhães, Ana Luísa Soares e Ahmed Belkhodja.
A exposição encontra-se organizada com base em oito ferramentas, e apela à reflexão sobre o desenho, enquanto ferramenta de arquitectura. No espaço da galeria podemos observar o recurso ao esquiço, ao desenho “single line”, à colagem, à imagem 3D, à maqueta e também à fotografia.
Logo de imediato, na entrada, somos surpreendidos por um grupo de esboços realizados sobre folhas brancas, formato A4. Os desenhos consistem, na sua maioria, em registos breves, de linhas e volumes, traçados de forma rápida.
O esboço, feito com o propósito de expressar as primeiras ideias de possíveis projetos, consiste no momento em que o gesto da mão estabelece uma “relação imediata com a mente”, uma ligação directa entre o olhar, o pensamento e o gesto.
Desse modo o desenho de esboço tem a finalidade de registar a ideia prévia, imediata, do pensamento instantâneo.
A funcionalidade do desenho, a sua utilidade prática é também diversa. O desenho pode ser encarado como um devir em si mesmo, ou como veículo para um objecto final, como é o caso do objecto artístico, do objecto útil, e por fim, do projecto arquitectónico. A arquitectura recorre a regras específicas de representação, como o desenho rigoroso, de perspectiva ou alçados.
O atelier fala apresenta, igualmente, desenhos em forma de painéis de grandes dimensões, dispostos sobre as paredes da galeria. Um olhar mais atento sobre os mesmos descobre uma certa ambivalência na escolha das finalidades do desenho. Serão desenhos rigorosos, com fins projectuais, ou antes composições artísticas, de elementos geométricos, que estabelecem jogos e tensões entre si? O modo como os vários elementos se distribuem ao longo dos painéis, muitos deles elementos tridimensionais, colocados, lado a lado, ou sobrepostos a desenhos bidimensionais - tabulados por grelhas mais ou menos quadriculadas, aqui e ali - evidenciam o que o desenho de arquitectura também pode ser, apesar da sua funcionalidade. Pode transformar-se em desenho artístico, em objecto de carácter lúdico, em estímulo criativo, pleno de imaginação. Até o desenho mais funcional pode despertar a imaginação.
E é nessa linha da imaginação que o atelier fala parece trabalhar, transbordar, “pular a cerca”, extravasar as regras do desenho rigoroso, para enfim tocar outras áreas do domínio artístico.
Não raras vezes os seus desenhos de espaços e interiores surgem plasmados em composições que sugerem quadros de pintura, como as composições oníricas de Henry Rousseau e o ambiente plácido das pinturas de David Hockney. O próprio título, que é dado à exposição, “Gatos e Colunas”, é uma tentativa de aproximação da arquitectura à vida. Pequenos gatos, em poses de relaxamento, aparecem em vários dos desenhos de fala, para aproximar a arquitectura ao quotidiano.
Um dos factos impressionantes das formas arquitectónicas do atelier fala é justamente a surpresa que provocam. Pela escolha das formas e desenhos, e pelo olhar de uma arquitectura apologista de um certo “hibridismo”, termo usado amplamente por Venturi, além do recurso a uma linguagem dotada de um certa ambivalência, em que não se exclui os aspectos da diversidade, da surpresa, da emoção, do sentimento, da sensibilidade artística, dos sentidos, da fantasia, da cor, da decoração, e os estilos e culturas provenientes de origens múltiplas. (em contraponto a uma cultura racionalista, normalizadora).
O que de facto fascina nas obras de arquitectura do atelier fala é a ideia de colagem destas diferentes referências, que nos ligam à vida, e facilitam a proximidade das pessoas à obra arquitectónica, que é, ao fim e ao cabo, para que serve a própria arquitectura. Ligar a arquitectura às pessoas. Ligar as pessoas à vida.
E é nesta contaminação positiva da vida quotidiana, quase pop, na arquitectura de fala, que não resistimos à tentação de evocar os movimentos radicais italianos da década de 60 e 70, como os importantes estúdios Archizoom e Superstúdio, e os seus ímpetos experimentais, de contra-cultura; e ainda o temperamento criativo de Ettore Sottsass, fundador da editora Memphis, sugestionado, sem pecado, pela vibração da cor e pela decoração.
Carla Carbone