|
PARA UMA ARQUITECTURA SWISSPORT
D. SANTOS E P. BANDEIRA
Nos dias 24 e 25 de Setembro de 2009, reuniram-se mil pessoas na Casa da MĂșsica do Porto para participar no seminĂĄrio Swissportâ09, um evento que, surpreendendo as expectativas de todos, teve lotação esgotada. A participação das estrelas Siza Vieira, Jacques Herzog ou Souto de Moura (entre outros) fizeram deste seminĂĄrio o acontecimento mediĂĄtico do ano. A arquitectura de Rem Koolhaas acolheu e enfatizou o carĂĄcter social e glamoroso da festa. Vestimo-nos de preto e de prata e para nĂŁo minorar qualquer expectativa decidimos, agora, produzir um âManifestoâ com a vontade de sintetizar o que foi dito e defendido.
Adverte-se o leitor que este âManifestoâ nĂŁo tem qualquer ambição de rigor cientĂfico. Concebeu-se a partir da recolha e anĂĄlise subjectiva de dados cujos critĂ©rios de composição sĂŁo emocionalmente falĂveis; dados esses que se camuflam num tempo verbal infinitivo impessoal procurando uma coerĂȘncia e convicção onde ela nĂŁo existe nem poderia existir. Esta abstracção e despersonalização da escrita (remoção do contexto e referĂȘncia aos autores citados) ensaia assim uma cartografia do evento que simula representĂĄ-lo e ainda testar a intemporalidade do seu eventual âManifestoâ, que tal como outras coisas da vida, nĂŁo terĂĄ que se levar muito a sĂ©rio.
DOMINAR A HISTĂRIA, AS ORDENS, AS PROPORĂĂES.
FAZER O NOVO, QUE PARECE NOVO, COM AS REGRAS ANTIGAS.
MANTER O VELHO COMO DEPOIMENTO.
CORRIGIR SUBTILMENTE A OBRA ANTIGA.
LEMBRAR A QUESTĂO SIMBĂLICA DE UM CIPRESTE NA ENTRADA DO EDIFĂCIO.
ARGUMENTAR AS CORRECĂĂES E DESMONTAGEM DA OBRA ANTIGA COM O LUXO DO OBJECTO TROUVĂ.
DIGNIFICAR A CĂPIA.
FAZER A PORTA NOVA IGUAL Ă PORTA ANTIGA.
COPIAR O PORTĂO DE GARAGEM DE SERRALVES.
IR BUSCAR A COR ĂS CASAS DO RAUL LINO.
TRABALHAR COM ALĂADOS DE ARQUIVO.
REINTERPRETAR VOLUMETRIAS.
FAZER COM QUE O EDIFĂCIO PAREĂA ESTAR LĂ HĂ MUITO TEMPO.
*
DIZER A VERDADE DA MENTIRA E A MENTIRA DA VERDADE.
GERAR FORMAS SIMPLES E SURPREENDENTES A PARTIR DA INTERCEPĂĂO DE OUTRAS FORMAS; ACIDENTAL, INESPERADA E INOCENTEMENTE.
QUEBRAR O PROGRAMA EM DIFERENTES PEĂAS.
ESTABELECER RELAĂĂES.
ESCOLHER ALGUMA COISA PARA CONFRONTAR.
CONFRONTAR UM MUNDO INTERIOR COM UM MUNDO EXTERIOR.
JOGAR COM O NATURAL E O ARTIFICIAL.
APRESENTAR O NATURAL COMO ALGO ARTIFICIAL.
DESENHAR PARA AS DIFERENTES ESCALAS DE PERCEPĂĂO.
FAZER DESAPARECER COISAS COMO JANELAS, CHAMINĂS E PORTAS PARA QUE AO LONGE SEJA UMA PEDRA E NĂO UM EDIFĂCIO.
COMBINAR O TRAĂADO AĂREO COM UMA PARTE SUBTERRĂNEA.
USAR PELE DUPLA.
FISSURAR PARA ENTRAR.
FISSURAR O TECTO PARA GUARDAR A LUZ.
COLOCAR VOLUMES A FLUTUAR.
PROJECTAR O ESPAĂO MAIS ABERTO POSSĂVEL.
*
DETERMINAR A FORMA COM A ESTRUTURA, TUDO O RESTO SERĂ UM JOGO DE PROPORĂĂES.
ELEVAR LAJES DE BETĂO PARA AFIRMAR COMPROMISSOS.
TRABALHAR COM DIFERENTES PLANOS.
CRIAR DUALIDADES OU CRIAR TRIPLOS COM DIFERENTES PEĂAS.
ENFATIZAR FISICAMENTE O FIM, CAMINHAR E EDIFICAR SIMBOLICAMENTE O FIM.
QUEBRAR A ENERGIA.
TORNAR O ESPAĂO MAIS FĂSICO, NUM AR ESPESSO.
FAZER ACONTECER O DESENHO NATURALMENTE, DE MODO NĂO FORĂADO.
FAZER EM BRANCO OS EDIFĂCIOS MODERNOS E OS OUTROS EM TIJOLO.
FAZER COM QUE OS MATERIAIS CAROS PAREĂAM OS BARATOS.
*
CRIAR UM EDIFĂCIO E UM LUGAR.
NEGAR O SĂTIO.
MODIFICAR A PAISAGEM.
BASEAR O PROJECTO NUM CONCEITO DE ARTIFICIALIZAĂĂO DO SĂTIO DESENHANDO UMA PEĂA QUE O CONTRASTE.
INTRODUZIR UMA IDEIA DE UM NOVO LUGAR.
DESIGNAR QUE A MAQUETA FUNDA O EDIFĂCIO COM A PAISAGEM.
RESPEITAR A LINHA DE ENCONTROS E A LINHA DE ĂGUA.
RELACIONAR OS ELEMENTOS DO TERRITĂRIO.
PROCURAR E AFIRMAR ENFIAMENTOS.
ESTABELECER O ENCONTRO DOS NOVOS EDIFĂCIOS COM AS CONSTRUĂĂES EXISTENTES E COM OS ALINHAMENTOS QUE ELAS NOS DIZEM.
DESENHAR A ESCADINHA QUE DĂ PERMEABILIDADE QUER Ă COTA ALTA QUER Ă COTA BAIXA.
PROBLEMATIZAR A ROTAĂĂO DAS DIRECĂĂES EXISTENTES.
DEFINIR OS ENQUADRAMENTOS.
INTERVIR ENTRE.
DESIGNAR TRĂS OPERAĂĂES DE RELAĂĂO COM A PAISAGEM: GRAVAR, RETIRAR, ESCAVAR.
USAR A PAISAGEM EXISTENTE COMO MOLDE PARA SACAR A TEXTURA E A COR.
APROVEITAR O DESENHO DO TERRITĂRIO.
TRABALHAR AS COTAS.
DESENHAR O PERCURSO.
VIAJAR NO TEMPO. DESENHAR A PERCEPĂĂO DA CHEGADA COMO UMA SUAVE CONQUISTA DO EDIFĂCIO.
NOTAR QUE JĂ ESTĂ LĂ TUDO, DEPOIS Ă FĂCIL. RESTARĂ AO EDIFĂCIO DIZER: âEU ESTOU AQUI!â
*
CRIAR RELAĂĂES DENSAS, TRABALHANDO COM A ESPESSURA DAS FACHADAS E DAS JANELAS.
ESTUDAR A MELHOR PENETRAĂĂO DA LUZ.
PROBLEMATIZAR COMO SEPARAR OU JUNTAR DOIS MATERIAIS.
TRANSITAR SUAVEMENTE DESDE O EXTERIOR EM BETĂO BRANCO ATĂ AO ACETINADO DOMĂSTICO EM MADEIRA.
RELACIONAR MATERIAIS ATRAVĂS DA AUSĂNCIA, DO ENCOSTO OU PELA AFIRMAĂĂO DAS SUAS DIFERENĂAS.
LEMBRAR QUE OS EDIFĂCIOS EM TIJOLO TĂO BEM TRABALHAM E TĂO BEM SE COMPORTAM.
NĂO ESQUECER QUE O XISTO Ă FRĂGIL.
TER EM ATENĂĂO QUE âOS AZULEJOS MUDAM DE COR CONSOANTE A LUZâ.
PREOCUPAR-SE COM A ELEMENTO ESCADA.
USAR A SOLUĂĂO QUE PERMITE MANTER A ELEGĂNCIA DA ESQUADRIA.
*
ENCONTRAR JUSTIFICAĂĂES PARA A CIDADE NO MEIO DAS ESCAVAĂĂES
LIMPAR OS ELEMENTOS QUE IMPEDEM A LEITURA EVIDENTE DAS RELAĂĂES INTELIGENTES.
UTILIZAR O VOCABULĂRIO DA CIDADE (RUA OU VIELA) PARA DESENHAR A PROMENADE DA ENTRADA DO EDIFĂCIO.
TRABALHAR DELICADA E SUBTILMENTE A REPOSIĂĂO DA FUNĂĂO DE HABITAĂĂO E A LIGAĂĂO DAS EDIFICAĂĂES NAS DIFERENTES PLATAFORMAS DA CIDADE CIRCUNDANTE.
FAZER CAIR DO PEDESTAL AS ESCULTURAS E COLOCĂ-LAS NO CHĂO COMO OS HUMANOS.
*
TENTAR FAZER UMA ARQUITECTURA QUE AGRADE ĂS PESSOAS E NĂO AOS CRĂTICOS; PARA AS PESSOAS E NĂO PARA OS CRĂTICOS QUE DIZEM BEM OU MAL.
LEMBRAR QUE O JULGAMENTO DO BEM E DO MAL VEM DAS PESSOAS.
ENTENDER QUE O SENTIDO ICONOGRĂFICO DO EDIFĂCIO Ă CONSTRUĂDO PELAS PESSOAS.
ESPERAR QUE AS PESSOAS RECONSTRUAM UMA MAQUETA DO EDIFĂCIO COM UMA DANĂA.
PENSAR O EDIFĂCIO COMO UM CORPO QUE EMERGE, SINALIZA, BALIZA E TEM CONTEĂDOS.
CRITICAR O EXCESSO DE IMAGEM CONTRA UMA DIMINUIĂĂO DA CONSTRUĂĂO DA ARQUITECTURA.
CONSTRUIR UM LANDMARK
IRONIZAR O DESTINO.
*
APROVEITAR PROPĂSITOS PARA A REQUALIFICAĂĂO URBANA.
DEFINIR ESTRATĂGIAS DE DESIGN OPOSTAS.
SABER QUE O NEGĂCIO DA ARQUITECTURA Ă MUITO DURO.
TER MUITA PACIĂNCIA.
PREOCUPAR-SE NĂO SĂ EM DESENHAR BEM A EMPRESA COMO TAMBĂM DESENHAR BEM A ARQUITECTURA.
LEVAR A ARQUITECTURA COM TREMENDA IMPORTĂNCIA NA VIDA.
*
TER PRESENTE QUE O TEMPO Ă UM GRANDE ARQUITECTO E O QUE POSSAMOS FAZER RESULTA SEMPRE UM POUCO ESQUEMĂTICO.
TER CONSCIĂNCIA DO ERRO, AUTO-CRITICAR-SE E QUESTIONAR-SE.
ENCONTRAR A SOLUĂĂO POSSĂVEL.
DESCOBRIR AS EVIDĂNCIAS DA ESTRUTURA DO EDIFĂCIO A REQUALIFICAR PARA INSTALAR O PROGRAMA.
PROJECTAR O PAVILHĂO, A PISCINA E TAMBĂM OS CANDEEIROS.
RESPONDER AO PROGRAMA E ABRIR OUTRAS HIPĂTESES.
CONSIDERAR SEMPRE UMA QUESTĂO DE ESPAĂO MESMO QUANDO NĂO SE SABE O QUE ESTĂ LĂ DENTRO
QUESTIONAR DE QUE Ă FEITO O ESPAĂO: DE AR; DE VAPOR?
MEDIR.
*
TRABALHAR COM BONS MAQUETISTAS.
EXECUTAR MAQUETAS PARA REDUZIR COMPLEXIDADE SIMPLIFICANDO A ESTRUTURA E A FORMA.
REFERENCIAR Ă CASA MALAPARTE, AO RICHARD LONG E RICHARD SERRA.
LEMBRAR QUE OS ARTISTAS SĂO FREQUENTEMENTE MAIS INTERESSANTES DO QUE OS ARQUITECTOS.
PORQUE EU GOSTO TANTO DO KLIMT TAMBĂM EU VOU FAZER AQUI UM QUADRO.
USAR A TĂCNICA MARAVILHOSA DOS COMPUTADORES PARA GERAR IMAGENS FACILMENTE.
DESIGNAR A MISTURA DE CULTURAS.
DESESPERAR COM A NECESSĂRIA EXIGĂNCIA DE RIGOR.
PROBLEMATIZAR A ESCALA.
*
MANTER A EXPRESSĂO DA CIDADE.
PROJECTAR INTERVENĂĂES TRANSFORMADORAS.
APROVEITAR O PROBLEMA DA ILUMINAĂĂO COMO TEMA.
CONCEBER A PAISAGEM COMO TEMA.
INVENTAR DETALHES, PORMENORES COM ALGUMA POESIA, PORQUE A ARQUITECTURA TAMBĂM TEM QUE TER POESIA.
INVENTAR MOTIVOS PARA CHEGAR ĂS FORMAS.
TIRAR PARTIDO DO FUMAR DO CIGARRO E DOS HĂBITOS CULTURAIS PARA GERAR ESPAĂOS NO PROJECTO.
REFERENCIAR A OBRA, TALVEZ, ĂS PIRĂMIDES DE BOULLĂE OU Ă COZINHA DE SINTRA OU APENAS ĂS ĂRVORES, AO PROGRAMA OU Ă VONTADE DE FAZER UM EDIFĂCIO QUE SE VEJA NO MEIO DAS ĂRVORES.
NĂO FAZER UMA OVERDOSE DE ARQUITECTURA.
CONTORNAR O ABSURDO, A CARICATURA, E RETOMAR O QUE PARECE MAIS TRANQUILO.
*
IR Ă OBRA, ANDAR EM CIMA DO ACONTECIMENTO, VER COMO O PROJECTO SE VAI COMPROMETENDO.
TRABALHAR COM AS TĂCNICAS E FORMALIDADES EXISTENTES.
TRABALHAR COM AS OPĂĂES QUE NOS SĂO DADAS.
RECORRER A SOLUĂĂES TROUVĂ.
CITAR CONSTRUĂĂES LOCAIS INCONTORNĂVEIS.
LIDAR COM A SURPRESA DA QUEDA DO PANO.
CULTIVAR UMA SENSIBILIDADE MINUCIOSA A TUDO.
NĂO FAZER NADA QUE INCLUA MUITA COISA.
TRABALHAR O CORPO DA ARQUITECTURA: DESENHAR PLANTAS CORTES E ALĂADOS, LOCALIZAR OS ĂRGĂOS PRINCIPAIS E DEFINIR A CIRCULAĂĂO.
CULTIVAR O SENTIDO PEDAGĂGICO DA OBRA E O DEIXAR Ă VISTA AQUILO QUE NORMALMENTE NĂO Ă PENSADO, Ă PRIORI, PARA SE VER.
LEMBRAR JACQUES TATI COMO QUEM OLHA PARA ISTO NOS TEMPOS MODERNOS.
NĂO SER ESCULTOR ACTIVO.
OLHAR PARA AS NUVENS QUE ESTĂO EM CONSTANTE MOVIMENTO Ă ESPERA DO MOMENTO PARA FAZER A FOTOGRAFIA.
*
SABER OUVIR âMAS AFINAL ELE NĂO FEZ NADAâ E RESPONDER âEU ACHO QUE FIZ!â
D. SANTOS E P. BANDEIRA
2009.2010