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UMA SUBTIL INTERFERÊNCIA: A MONTAGEM DA EXPOSIÇÃO “FERNANDO TÁVORA: MODERNIDADE PERMANENTE” EM GUIMARÃES OU UMA EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA NUMA ESCOLA EM PLENO FUNCIONAMENTO
LUIS TAVARES PEREIRA
A Porto 2001 homenageou Álvaro Siza com a exposição “As Cidades de Álvaro Siza” e Guimarães 2012 não podia deixar de homenagear Fernando Távora. Sem Távora e o que ele fez pela cidade de Guimarães, sem a forma como ele recuperou o centro histórico e chamou a atenção para a cidade, Guimarães Património da Humanidade não teria acontecido, e a candidatura a Capital Europeia da Cultura Guimarães 2012 (CEC) não teria existido.
A pressão para a realização de uma exposição à volta de Fernando Távora era enorme, mas as disputas em torno do seu acervo – cujo destino estava ainda por definir no início deste processo –, ou mesmo em torno da ideia/autoria do evento, mais a diplomacia necessária para reunir o consenso entre aqueles que detêm alguma autoridade patrimonial ou cultural sobre o seu legado, tornaram a sua concretização um terreno minado. Estas circunstâncias bloquearam e colocaram em risco a realização da exposição “Fernando Távora: Modernidade Permanente”, atrasando sucessivamente os trabalhos e obrigando a adiar a sua inauguração para o final da CEC. Mas fez-se. E bem pode dizer-se que, só por isso, foi um enorme triunfo. Um triunfo da persistência e resiliência.
Por outro lado, à semelhança da nova percepção de Le Corbusier resultante das exposições e publicações no centenário do seu nascimento, a expectativa de que se rodeava a possibilidade de se aceder a uma nova leitura da obra e vida de Távora pesava também sobre a iniciativa – depois da ausência de uma grande apresentação pública da sua obra, desde a exposição monográfica “Percurso” no CCB em 1993, e depois da sua morte em 2005. Essa nova leitura estava, em grande parte, reservada para Manuel Mendes e para o que viria a ser a programação em curso no âmbito de “Fernando Távora: figura eminente” da Universidade do Porto 2013. [1] No entanto, “Fernando Távora: Modernidade Permanente” conseguiu a proeza de editar o Diário de Bordo da viagem que Távora empreendeu em 1960 sob o pretexto do estudo do ensino da arquitectura nos Estados Unidos, do qual apenas se conheciam pequenos excertos e que permanecia um enigma. [2]
Sob a alçada da Administração
João Serra assumiu que “a opção de uma exposição sobre Távora foi uma decisão da administração da Fundação Cidade de Guimarães, que gere a Capital Europeia da Cultura.” [3] De facto, as produções originais sobre Fernando Távora não surgiriam na área de Arte e Arquitectura, mas nas áreas do Pensamento e do Cinema.
Com programação de João Serra, a iniciativa “Fernando Távora: Modernidade Permanente”, [4] incluindo as vertentes Exposição e Catálogo, esteve patente na Escola de Arquitectura da Universidade do Minho (EAUM) de 17 de Novembro de 2012 a 15 de Fevereiro de 2013. [5] O evento incluía um programa paralelo de visitas guiadas a obras de Távora em Guimarães e Santo Tirso, a realização da conferência inaugural a 22 de Novembro de 2012 [6] e o lançamento a 15 de Dezembro de 2012 da edição fac-similada do Diário de Bordo, [7] com coordenação de Álvaro Siza, que vinha assim pela primeira vez a público. Na área do cinema, foi produzido o filme 1960 de Rodrigo Areias, um home movie em registo de diário de viagem em Super 8mm, pretendendo, através da arquitectura e a partir do Diário de Bordo de Fernando Távora, revisitar a viagem que o arquitecto concretizou em 1960. O filme só viria a estrear em 2013, a 6 de Julho, em Guimarães, no Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura.
Quando João Serra assumiu a tutela da área do Pensamento, em substituição de Mário Vargas Llosa, procurou puxar pelo lado de uma geração moderna que tinha criado uma continuidade notável de pensamento e de acções entre Guimarães e o mundo: de Martins Sarmento a Távora, passando por Alberto Sampaio, Abel Salazar ou Raul Brandão: “Esta gente estava em Guimarães, passou por Guimarães. Guimarães surge como lugar inspirador. Inicialmente, tinhamos a ideia de convidar uma figura actual de idêntica projecção para falar sobre o seu congénere: o Jorge Alarcão sobre o Martins Sarmento, o José Mattoso sobre o Alberto Sampaio, o João Lobo Antunes sobre o Abel Salazar, o Eduardo Lourenço sobre o Raul Brandão e o Álvaro Siza sobre o Fernando Távora. A ideia era revisitar estes personagens. Não havia formato definido. Podia ser um texto, uma exposição, uma conferência. Cada um faria o que entendesse. O conjunto seria depois editado em livro, contribuindo para cimentar esta ideia de ‘modernidade’ local, não como factos isolados, mas com continuidade e ligações entre eles.”
Por razões diversas, a primeira das quais a dificuldade física das pessoas em dar resposta, apenas se faria o projecto sobre Távora, tendo Álvaro Siza sido convidado para o coordenar. A figura tutelar de Siza, a sua estreita ligação a Távora e à família de Távora, permitiu-lhe manter o diálogo entre todos. Siza era a referência pela qual todos anuíam, ou participavam. Sem Siza teria sido impossível fazer a exposição.
Equipa: convergência de geografias que Fernando Távora cruzou
Se figuram como parceiros as escolas em que Fernando Távora leccionou, a convergência neste projecto expositivo destas geografias é efectivamente mais extensa e subtil, cruzando um projecto e um espaço/escola da autoria de Fernando Távora e do seu filho José Bernardo Távora, em Guimarães, com uma equipa com fortes ligações a Coimbra e ao Porto, e que conviveu com Távora nesses contextos.
José António Bandeirinha foi o comissário escolhido por Siza para a exposição que viria a realizar-se na EAUM. Formado na Escola Superior de Belas Artes do Porto e professor no Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra (DARQ), Bandeirinha convidou para comissários adjuntos dois outros docentes em Coimbra que conviveram de perto com Távora: Carlos Martins, que acompanhou Fernando Távora no escritório até ao fim, e Gonçalo Canto Moniz, com quem trabalha há muitos anos, e que desenvolveu a sua investigação académica em torno da ideia de ensino em arquitectura. [8] Para o projecto de arquitectura, Bandeirinha convidou João Mendes Ribeiro (com Catarina Fortuna e Joana Brandão) e para o design gráfico convidou João Bicker (FBA), ambos sediados em Coimbra. Neste contexto, a equipa acabou por ser integralmente originária de Coimbra e ligada ao DARQ, cujo modelo de ensino Fernando Távora ajudou a criar.
À procura do sítio certo
Entre os edifícios de Fernando Távora em Guimarães, a escolha recaiu desde cedo sobre a EAUM, no Campus de Azurém. Uma ideia bondosa que não teve em conta o eventual isolamento e dificuldade de acesso que um edifício universitário impõe. Definiu-se aí o público da exposição, restringindo-o fortemente ao universo profissional e académico da arquitectura. Desta forma, impediu-se que a exposição se tornasse numa efectiva celebração pública da figura de Fernando Távora e da sua contribuição para a relação de Guimarães com o mundo e com a modernidade. Isto é, impediu-se que a exposição chegasse a um público generalista, como seria de esperar de uma CEC. De facto, os hábitos culturais da população portuguesa são ainda incipientes, e o efeito ‘transgressor’ e radical que este exercício impunha tornar-se-ia um obstáculo difícil de ultrapassar.
Quem terá beneficiado com esta opção foram os estudantes da EAUM, que tiveram a oportunidade de estudar demorada e reiteradamente o valioso acervo que ficou à sua guarda, e cujo benefício pedagógico se inscreveu nas intenções expressas do comissário: “A exposição tinha uma certa densidade. Os alunos estavam lá todos os dias e podiam vê-la com um bocadinho mais de atenção. Fazer a exposição na EAUM foi quase um acto fundacional. Foi das primeiras decisões que se tomou. E não era possível voltar atrás. Tudo começara a tomar forma e a ser estruturado em função desse pressuposto.” [9] Como linha estruturante da exposição, começava a organizar-se a relação entre pedagogia e arquitectura na obra de Távora, cimentada na convicção da força da relação entre o conceito e o programa académico do espaço que a recebia.
O conceito
A ideia de José António Bandeirinha foi mostrar a obra de Fernando Távora através do seu perfil como professor, captando assim uma das faces mais significativas e menos exploradas da sua vida. Nesse sentido, estruturou a exposição a partir do enquadramento em que Távora exerceu o seu magistério, dividindo-a em quatro períodos: 1) o período de estudante; 2) o estudo das escolas americanas/a viagem; 3) a reforma da reforma do ensino; 4) a passagem para a universidade.
No fundo, Bandeirinha evitou fazer uma exposição monográfica: “Távora tem muitos escritos e não são conhecidos. Os alunos conhecem as obras, mas não conhecem os escritos. Está lá um bocadinho, mas não está tanto como queria. Mas queria também mostrar a matriz teórica que toda a obra tem, que está, de forma implícita, reproduzida no seu quotidiano de trabalho como arquitecto. Por isso não mostramos a obra – são raras as fotografias de obra –, o que era importante era mostrar aquilo que de pedagógico há na sua obra. No contexto actual, nesta dicotomia entre ser arquitecto e ser educador (e agora ser investigador), pareceu-me importante poder salientar a naturalidade com que eram conjugados ali. Sobretudo do modo de fazer o projecto, porque era a partir dele que se era professor.”
Contudo, conteúdo especificamente relativo à actividade pedagógica, à reflexão sobre aulas, ou cursos, muito pouco apareceu exposto, com excepção dos vídeos das aulas do último ano em que Fernando Távora leccionou a disciplina de Teoria Geral de Organização do Espaço (TGOE) no Porto. Nem notas do próprio Távora sobre as aulas, nem material dos alunos. O guião das entrevistas também não pareceu ter sido conduzido nesse sentido.
Mais do que expor conteúdos relativos à forma como Távora pensou estes temas, esta estrutura permitiu a Bandeirinha organizar os conteúdos expositivos por contraponto a uma arrumação cronológica ou geográfica. Por outro lado, o que a exposição fez, de facto, foi recuperar uma linha matricial do fundador da Escola do Porto, um rappel a l’ordre num momento de desagregação, e de descontinuidade, em particular nas formas de comunicação da arquitectura. A aposta na perspectiva pedagógica foi estratégica, procurando escapar à ditadura ou ao predomínio da imagem. Nesse sentido, foi uma atitude de resistência. É preciso, ciclicamente, relembrar os fundamentos de um determinado posicionamento disciplinar, construído por Távora e com Távora, mas também, com Álvaro Siza, Alexandre Alves Costa, Sérgio Fernandez ou Alfredo Matos Ferreira. Por isso se foram buscar para as entrevistas aqueles que lhe estão mais próximos, e que contribuíram para a construção desta ‘pedagogia’.
Esta não foi uma exposição para explorar o desconhecido, para apresentar um Fernando Távora desconhecido. Foi uma exposição de confirmação, de redescoberta do familiar. Ou de descoberta das raízes para aqueles em idade escolar, no seu período de formação como arquitectos.
Percurso expositivo ‘okupa’
Mais do que uma exposição num espaço expositivo delimitado, a exposição estendeu-se a outros espaços da EAUM: no piso térreo e primeiro piso, em simultâneo com o seu funcionamento, cruzando assim o público exterior à Escola com o seu quotidiano. E essa foi a sua subtil radicalidade.
Convergiram para esta experiência alguns factores, mesmo que não determinantes nas opções do comissariado que pretendia, acima de tudo, fazer coincidir a exposição da obra de Fernando Távora num edifício da sua autoria, seguindo a máxima de que a melhor exposição de arquitectura é a visita à obra. De facto, as exposições de arquitectura deparam-se sucessivamente com a impraticabilidade de expor o seu verdadeiro objecto – imóvel, fixo ao local onde foi construído – na impossibilidade quer de o deslocar, quer de o introduzir em salas ou outros espaços interiores devido ao conflito de escala, mas também porque inseparável do contexto. A representação não substitui, nem sequer se aproxima da experiência do espaço e da sua vivência. Expor arquitectura é por isso um exercício estimulante de desafio à capacidade de convocar a arquitectura em múltiplas possibilidades representativas, embora também relativamente testadas e codificadas.
Uma escola de arquitectura é, desde logo, um espaço expositivo, na medida em que parte da aprendizagem passa pela exposição do trabalho de forma a que possa ser criticado, em especial em termos públicos, de forma a que a aprendizagem possa desenvolver-se sobre a experiência da crítica e da comunicação. É natural, por isso, que as paredes das salas tenham uma caracterização austera que lhes permita a exposição temporária e regular dos trabalhos. Por outro lado, as opções linguísticas modernistas e depuradas, reduzindo os detalhes ao mínimo, e fazendo ‘desaparecer’ os equipamento técnicos e as infraestruturas, qualificam praticamente todos os espaços da Escola de Arquitectura como espaços expositivos em potência.
Finalmente, para além de um espaço especificamente dedicado a exposições temporárias, dois outros espaços ofereciam características de uso que permitiam a sua exploração temporária eficaz: a sala de desenho em anfiteatro, espaço nobre da composição da obra, e uma biblioteca vazia, cujo uso se mantinha adiado, em virtude da política da Universidade do Minho em concentrar as bibliotecas dos diferentes Departamentos numa Biblioteca Central.
A solução expositiva: “what the building wants”
No início, segundo Bandeirinha, pensou-se que caberia tudo na sala de exposições à entrada: “Em termos expositivos, iria precisar de quatro linhas de mesas que correspondiam aos quatro momentos da exposição. Chegou a haver um suporte vertical desenhado pelo João Mendes Ribeiro. Mas chegámos à conclusão que a exposição não cabia toda nesta sala.” Quando se verificou que não chegava, pensou-se numa exposição que enquadrasse os vários momentos em que o comissário a estruturou, e que podia ser dispersa por várias salas, e que tivesse associada a ideia de ‘percurso’: “A dificuldade era encontrar uma distribuição eficaz pelos espaços da escola, do ponto de vista dos conteúdos, sem que se perdesse a continuidade.” [10]
De acordo com Mendes Ribeiro, houve várias soluções em que Álvaro Siza chegou a tomar parte, tendo uma forte participação nesse momento: “A minha primeira abordagem estava muito focada na resposta à estrutura montada pelo comissário, e tentar adequá-la às dificuldades em termos de espaço. O Siza estava mais preocupado em que a exposição se lesse de forma muito clara no espaço, os conteúdos expositivos, a luz… Isso ajudou-me a fazer a síntese e tentar simplificar muito a forma de expor e adequar os suportes ao espaço.”
Álvaro Siza estava particularmente preocupado em encontrar soluções que não pusessem em causa a qualidade expositiva. Não fazer uma exposição exaustiva. Não dar demasiada importância aos expositores. O importante era a apresentação dos conteúdos. Sobretudo, não anular a própria arquitectura da Escola, a obra de Távora, e até de a reforçar. Trabalhar, ou apoiar-se no existente, não adicionar novas divisórias, mas apoiar-se nas paredes existentes. Por isso, uma solução com elementos expositores verticais que na sala de exposições criava, inicialmente, quatro planos paralelos correspondentes aos quatro momentos da exposição, foi descartada exactamente por perturbar a leitura do espaço, e por não se ajustar tão pouco à escala do espaço. Daí a importância da pergunta “o que quer o edifício?”.
A solução expositiva encontrada foi muito simples. Nas paredes foram afixadas cronologias e ampliações de excertos de citações sobre imagens ampliadas, a preto e branco, com o design gráfico da FBA. Na horizontal, os desenhos originais foram colocados em vitrines, dentro de módulos em MDF pintado de branco, pousados numa estrutura em tubular pintado, com uma tampa de vidro com alguma resistência para suportar o apoio. Siza insistiu na apresentação dos originais, e na consequente necessidade de uma estrutura expositiva que os protegesse.
Os projectos, quase exclusivamente originais, foram sempre acompanhados da legenda respectiva, com um desenho imaculado da FBA e uma curta memória descritiva em português e inglês. No corredor superior, estes módulos assentavam parcialmente sobre os bancos existentes, sendo difícil criar elementos contínuos neste espaço devido ao constante intercalar de portas. Por outro lado, havia a ideia de uma eventual itinerância [11] e da necessidade da exposição e dos módulos expositivos se adaptarem com facilidade a outros espaços. Por isso, João Mendes Ribeiro desenhou unidades de dimensões manejáveis que respondessem a este requisito de se poderem configurar em novas organizações espaciais em função dos espaços que viessem a receber a exposição.
O plano (tipo)gráfico
Na exposição, enquanto os desenhos originais foram expostos na íntegra, as fotografias ajustadas à altura do plano que corria ao longo da parede, cobriam toda a superfície e foram cortadas pela sobreposição dos excertos de texto ampliados. Em nenhuma situação a fotografia apareceu no seu enquadramento original, sempre cortada por uma quebra de página, ou por uma janela de texto.
“Eu sempre tive a ideia de uma exposição muito tipográfica. Mas faltou-me um bocadinho de tempo.” (José António Bandeirinha) Talvez esta ideia tipográfica esteja melhor espelhada no catálogo, [12] nas secções entre projectos que aliam imagens e excertos de textos curtos e concisos, ampliados, num discurso visual que não se adequa ao formato do livro, e que nele aparece ‘continuado’ através de um artifício gráfico de cortar as fotografias no limite da página, continuando na página seguinte, conferindo ou transmitindo a ideia de plano contínuo.
Uma iluminação nova, mas imperceptível
A iluminação da exposição foi toda construída de novo, entre João Mendes Ribeiro, Siza e a Climar. Substituindo a existente a partir da infraestrutura de abastecimento já instalada, a iluminação ficará como definitiva. No processo do estudo da iluminação, Siza acompanhou por duas vezes os ensaios à noite para testar ao vivo a sua aplicação.
Na sala de exposições, uma solução linear, em tubo de vidro com reflector inferior, suspensa do tecto, dirigia a luz para o tecto que a reflectia sobre os conteúdos de forma indirecta. No corredor superior, a armadura foi fixa à parede, e alinhada com a moldura das portas de acesso às salas, de geometria rectangular. Em todos os espaços, a iluminação estabelecia uma continuidade perfeita com o existente, adossando-se às referências espaciais e materiais dos espaços, assumindo a ‘naturalidade’ de parecer que sempre fora assim, apesar de a luz anteriormente existente ser insuficiente para um espaço expositivo.
Apenas a vitrine dedicada ao projecto da própria escola de arquitectura da Universidade do Minho, que apareceu já numa fase posterior, aparece, a este nível, insuficientemente iluminada, e por isso também um bocado perdida.
Formas distintas de visionar, conteúdos distintos
O material original de entrevistas a arquitectos que tiveram Fernando Távora como colega, amigo, mestre ou que com ele privaram e colaboraram, chegou a ser pensado para ser projectado no auditório, mas encontrou o seu lugar numa sala adjacente ao percurso, que era possível obscurecer por completo para valorizar a grande projecção a toda a altura do espaço, onde se sucedia, em loop, a montagem das entrevistas.
Relativamente à sala de Desenho: se, por um lado, pareceu evidente a exposição aqui dos desenhos das aulas nas paredes superiores, por outro, o formato de ‘aula’, com as bancadas laterais, permitiam o sentar, e criar um momento de repouso, apropriado para a visualização dos vídeos das aulas.
Inicialmente, estava prevista a exposição de treze das aulas de TGOE. Por isso, a dimensão teria que ser muito reduzida, para caberem todas. Um conjunto de situações, entre problemas técnicos e custos, levou a reduzir o número de aulas para seis e a diminuir os monitores para um formato ainda mais reduzido. Mas esta escala quase imperceptível da imagem, obrigando o espectador a aproximar-se para ver melhor, com o enquadramento da moldura negra das caixas de 60x60x60cm revelou-se bastante eficaz. Criando uma situação excepcional, contrastava com a anterior projecção das entrevistas vídeo na sala escura. Ao mesmo tempo, conseguia construir uma intimidade, uma individualidade de cada projecção, permitindo ao espectador concentrar-se inteiramente nas palavras e na aula de Távora, abstraindo-se do contexto. Só a solução de alimentação de energia para as molduras digitais que passam os vídeos, acabaria por não resultar, tendo-se inicialmente testado uma solução com bateria – o que libertava os suportes da ligação à rede eléctrica, na ausência de tomadas na proximidade destes - mas que não funcionou, obrigando a improvisar um conjunto de ‘extensões’ que quebravam a simplicidade da composição.
Ir um pouco mais longe
Propor e montar uma exposição temporária no meio de um edifício em funcionamento tem um conjunto de implicações que podem ser abordadas de forma diametralmente opostas: por um lado, procurar minimizar o impacto/interferência da exposição no quotidiano do edifício e dos seus utentes; por outro lado, procurar fomentar ou tirar partido da interacção com esse quotidiano, criando até situações em que essa interferência provoque tensão/incómodo ou questione aspectos do funcionamento/performance ou uso do edifício.
Nesse sentido, a exposição e a montagem expositiva ficou num ponto intermédio, abordando de uma forma crítica alguns aspectos do programa e uso do espaço. O mais interessante foi talvez o menos perceptível: a substituição da iluminação existente por uma nova solução desenhada por Siza e João Mendes Ribeiro. No entanto, esta nova solução, ao obrigar à substituição da iluminação original, acarretou uma crítica implícita ao projecto do autor que se procurava homenagear.
Por outro lado, a exposição foi tímida na prudência em avançar para situações onde essa interferência se fizesse entre utilizadores e visitantes, como poderia ser o caso de visionar as entrevistas no auditório, necessariamente articulado com as aulas e eventos, e pondo em risco a possibilidade de um visionamento integral da exposição de uma só vez. O que também, por si só, e tanto mais que a exposição era gratuita, é algo que vale a pena questionar: se a experiência de visitar uma exposição deve ou não ser fragmentada – até como incentivo para o regresso do visitante.
Avançando neste raciocínio, o que na minha perspectiva tornaria verdadeiramente interessante a experiência deste exercício de montar uma exposição temporária no meio de um edifício em funcionamento seria a intensificação deste potencial de interacção, transformando a visita à exposição numa experiência de visita a uma escola de arquitectura projectada por Fernando Távora – até porque a estrutura pedagógica do ensino lhe é derivada –, investindo na ‘invasão’ de todos os espaços da escola e, em particular, das salas de aulas que aqui foram preservadas. Aí, corpo académico e visitantes misturar-se-iam, de facto, em interacções insuspeitas, que poderiam permitir desde alunos assumirem o papel espontâneo de guias, a visitantes assistirem a aulas de projecto.
Mas, claro, não nos iludamos: a tarefa de montar esta exposição, de negociar arduamente as condições da sua realização entre tantos e todos os envolvidos era já suficientemente árdua, para ainda ter ambição de abrir outra frente de negociação.
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[o autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
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Luis Tavares Pereira
(Lisboa, 1966) Arquitecto (FAUP 1991), M. Arch (Princeton University, 1996). Sócio fundador do atelier [A]. ainda arquitectura (Porto, 1998), um atelier com uma prática de colaborações com instituições culturais como o Museu de Arte Contemporânea Serralves, no Porto, ou o Museu Nacional da Geórgia, em Tbilissi. Vice-Presidente da Ordem dos Arquitectos – Secção Regional Norte (2005-2010). Como curador, comissaria desde 1997 debates, conferências e exposições internacionais, incluindo a representação portuguesa na Bienal de Veneza de 2004.
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NOTAS
[1] Fernando Távora "Minha Casa", Fascículo 1 – Prólogo, apresentado na sessão de abertura do ciclo; apresentação-instalação “Uma porta pode ser um romance”, Fundação Instituto Arquitecto José Marques da Silva (FIMS); mais info: www.fims.up.pt/index.php?cat=6 (2013.11.08).
[2] Sobre o Diário de Bordo tinha já sido publicada a Tese de Mestrado em Arquitectura de Ana Mesquita: “O melhor de dois mundos: a viagem do arquitecto Távora aos EUA e Japão - Diário 1960”, Coimbra, DARQ-FCTUC, Dezembro 2007 in www.tinyurl.com/qexlxhm (2013.05.08).
[3] João Serra, depoimento recolhido pelo autor em 2013.05.23.
[4] Ficha técnica exaustiva da Exposição: www.guimaraes2012.pt/index.php?cat=191&item=47456 (2013.11.10)
[5] www.tinyurl.com/owkrpdn
[6] www.guimaraes2012.pt/index.php?cat=191&item=47626
[7] www.guimaraes2012.pt/index.php?cat=191&item=48390
[8] Gonçalo Canto Moniz foi comissário regional do Habitar Portugal 2003-2005, em que José António Bandeirinha foi o comissário-geral; docente da disciplina Projecto e Cidade do Doutoramento em Arquitectura – Cultura Arquitectónica e Urbana, com José António Bandeirinha; membro da equipa da região Centro do Inquérito à Arquitectura do Século XX em Portugal, Ordem dos Arquitectos, sob coordenação de José António Bandeirinha; doutorado em arquitectura pela Universidade de Coimbra com a tese O Ensino Moderno da Arquitectura. A Reforma de 57 e as Escolas de Belas Artes em Portugal (1931-69), sob orientação de José António Bandeirinha e Alexandre Alves Costa.
[9] José António Bandeirinha, depoimento recolhido pelo autor em 2013.03.01.
[10] João Mendes Ribeiro, depoimento recolhido pelo autor em 2013.05.06.
[11] Ainda antes do encerramento da exposição, houve um convite do Director do Museu de Arquitectura Suíço (SAM), Hubertus Adam, para levar a exposição a Basileia, em Junho de 2013. A FIMS não autorizou a cedência dos elementos pertencentes ao acervo de Fernando Távora, à sua guarda, em virtude da necessidade de garantir a resposta plena ao compromisso entretanto assumido com a Universidade do Porto, que acordara em eleger Fernando Távora como “Figura Eminente” do ano de 2013. “O convite do SAM surgiu de improviso porque houve um buraco na sua programação, e punha-se também o problema de levar a exposição para uma área muito mais pequena do que aquela que tinha em Guimarães. Teria que ser necessariamente amputada. Mas a questão determinante foi, de facto, o compromisso com a Universidade do Porto.” (Rui Ramos, depoimento recolhido pelo autor em 2013.10.09).
[12] Que viria a receber "Certificado de Excelência Tipográfica" pelo Type Directors Club de Nova Iorque, em 2013.