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NA PEGADA DE LE CORBUSIER
JACOB BRILLHART
Para Jacob Brillhart, o desenho é uma maneira de ver. Acabado de se licenciar da School of Architecture da Universidade de Columbia, Brillhart decidiu que iria seguir a tradição consagrada pelo tempo de fazer uma viagem de desenho. Mais tarde, chamando-a de "uma lenta Grand Tour para um jovem inquieto arquiteto", partiu com os seus cadernos, lápis e aquarelas. Ao longo do caminho ficou fascinado com o que viria a chamar de "o primeiro tempo misterioso de desenvolvimento intelectual de Le Corbusier e mais especificamente os seus primeiros cadernos." Essa curiosidade inicial transformou-se numa busca em seguir o mestre quando este viajou através da Turquia, Grécia, Itália, Espanha, França, Holanda, Bélgica e Alemanha - tanto como uma homenagem e como uma maneira de ver o que Le Corbusier viu e aprender com ele. O seguinte excerto vem de Voyage Le Corbusier: Drawing on the Road (W. W. Norton), novo livro de Brillhart sobre as próprias Grand Tours de Le Corbusier e os desenhos que daí resultaram.
Beth Dunlop
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Extractos de Voyage Le Corbusier: Desenhando na Estrada, de Jacob Brillhart
Le Corbusier [CHARLES ÉDOUARD JEANNERET] foi um arquiteto profundamente radical e progressista, um futurista que estava igualmente e fundamentalmente enraizado na história e na tradição. Era intensamente curioso, viajando constantemente, desenhando, pintando e escrevendo, tudo como forma de se tornar um melhor projectista. Como resultado, encontrou formas intelectuais para ligar as suas bases históricas com o que aprendeu dos seus contemporâneos. Evoluiu de desenhar a natureza para a cópia da pintura italiana do século XIV, para a liderança do movimento Purista que grandemente influenciou a pintura e a arquitetura francesa no início da década 1920. A todo o tempo fazia conexões entre a natureza, a arte, a cultura e a arquitetura que eventualmente lhe deu uma base para pensar sobre o design.
Para aprender com a pesquisa criativa de Le Corbusier e ver como ele evoluiu como arquiteto, é preciso entender onde começou. Nunca frequentou uma universidade ou se inscreveu formalmente numa escola de arquitetura. A sua formação em arquitectura foi principalmente autoimposta e foi fortemente influenciada pelos ensinamentos de seu tutor do ensino secundário Charles L'Eplattenier, que lhe ensinou os fundamentos do desenho e das artes decorativas na École d’Art na sua cidade natal de La Chaux- de-Fonds, na Suíça.
Após completar os estudos na escola secundária em 1907, L'Eplattenier encorajou Jeanneret a deixar para trás as paisagens rurais e a ampliar a sua visão do mundo fazendo uma viagem formal de desenho através do norte da Itália. Esta pedagogia de aprender a desenhar e aprender através da experiência foi provavelmente influenciada pela longa tradição do Grand Tour, um rito de passagem para aristocratas europeus. A ideia de viagem era considerada necessária para a expansão da mente e para a compreensão do mundo. Arquitetos, escritores e pintores apoderaram-se da ideia, tomando um itinerário modelo pela Europa para ver monumentos, antiguidades, pinturas, paisagens pitorescas e antigas cidades.
A experiência incutiu em Jeanneret um enorme desejo de ver e compreender outras culturas e lugares através da arquitetura e do espaço urbano que lhes dá forma. Na Itália expressou o seu primeiro verdadeiro interesse pelo ambiente construído, estudando principalmente detalhes arquitetónicos e elementos de construção.
Pouco depois do seu regresso, partiu novamente para Viena, Paris e Alemanha, ficando cada vez mais interessado nas paisagens citadinas e no desenho urbano. Periodicamente, regressou a casa para reactar com L'Eplattenier. Durante as suas viagens, o caderno de esboços surgiu como a principal ferramenta de Jeanneret para registar e aprender, e o desenho tornou-se para ele um meio essencial e necessário do treino em arquitectura. Entre 1902 e 1911 produziu centenas de desenhos, explorando uma ampla gama de assuntos, bem como meios e métodos de registo.
Com cada viagem ganhou uma visão mais ampla. À medida que os seus interesses mudavam e se ampliavam, o mesmo se passava com o seu processo de documentar o que via. Ao seu repertório de desenhos em perspectiva de paisagens, maravilhosamente detalhados em aguarela, acrescentou esboços analíticos que capturavam o núcleo das formas espaciais e se tornaram num meio rápido de anotação visual. Durante todo este tempo frequentemente regressou a assuntos antigos e conhecidos para estudá-los através de diferentes perspectivas, a fim de "ver".
Giuliano Gresleri, historiador da arquitetura e autor de “Les Voyages d'Allemagne: Carnets” e “Voyage d'Orient: Carnets” (que incluem reproduções de cadernos de Jeanneret durante as suas viagens à Alemanha e ao Oriente), disse: "O que distinguiu a viagem de Jeanneret dos de seus contemporâneos da École e da tradição do Grand Tour foi precisamente a sua consciência de 'ser capaz de começar de novo.’ Uma e outra vez, esta noção destaca-se nas páginas dos seus cadernos. As notas, os esboços e as medições nunca foram fins em si mesmos, nem eles eram uma parte da cultura da viagem. Eles deixaram de ser um diário e tornaram-se um projeto.”
Em 1911 Jeanneret concluiu a pedra angular de sua educação informal, uma segunda viagem de desenho que Le Corbusier eventualmente cunhou como a sua "Viagem ao Oriente" (na verdade, o título de um livro de ensaios e cartas que ele escreveu durante as suas viagens lá, publicado em 1966) . Por esta altura, ele estava interessado em entender mais do que apenas os monumentos: ele olhou para a arquitetura e para cultura diária. Tinha dominado a arte do desenho através da prática diária de observar e registar o que via. Através deste exercício rigoroso de aprender a ver, tinha desenvolvido um vasto kit de ferramentas de assuntos, formas de autoria, convenções do desenho (artísticas e arquitectónicas) e meios. Mais importante ainda, através do desenho veio a compreender as persistências na arquitetura - cor, forma, luz, sombra, estrutura, composição, massa, superfície, contexto, proporção e materiais. Quando chegou à Grécia (na metade do seu Viagem ao Oriente), Jeanneret não só proclamou que se iria tornar num arquiteto, mas que estava a trabalhar em direção a uma posição teórica sobre o projeto em torno do qual ele poderia viver e trabalhar ....
No final, no entanto, a viagem de desenho foi a educação de Jeanneret e o seu rito de passagem. Presentes nos seus cadernos de esboços estão meios extremamente abrangentes de exploração e descoberta visual. Apesar de nunca ter tido uma educação formal em arquitetura, a sua intensa curiosidade para entender o mundo através do desenho e da pintura e da escrita é o que fez dele um arquiteto tão dinâmico, de quem ainda podemos aprender hoje. As lições que aprendeu formaram a base da sua visão geral e forneceram o conteúdo para o seu posterior texto seminal, “Vers une Architecture”. Também o prepararam para se tornar em Le Corbusier.
Espera-se que a maioria dos arquitetos em formação saiam para desenhar edifícios. Jeanneret, no entanto, era curioso acerca de tudo. Enquanto o seu foco principal variava de viagem para viagem, desenhou flora, fauna, pessoas, objetos, arte, padrões e móveis, bem como paisagens, vistas de cidade, espaço interior e urbano, fachadas, detalhes arquitetónicos e de construção, monumentos e arquitetura quotidiana. No entanto, cada período de tempo pode ser amplamente definido por interesses distintos e temas de estudo. Quando aprendia a desenhar em La Chaux-de-Fonds, examinava principalmente o mundo natural, desenhando paisagens, flora e fauna, geometrias e padrões relacionados com as artes decorativas. Durante a sua primeira viagem formal de desenho, a Itália, continuou a explorar as artes decorativas desenhando a superfície e o ornamento dos componentes da construção - principalmente objetos ao invés de lugares.
Quando chegou a Viena e a Paris, o seu interesse deslocou-se para os interiores, para o urbanismo medieval e para as vistas urbanas como paisagens. Na Alemanha estudou praças públicas, espaços urbanos e os edifícios emblemáticos que os sustentavam. Até ao momento em que partiu para a sua Viagem ao Oriente, havia ampliado a sua atenção para a cultura e para os espaços urbanos de toda a cidade, como se estivesse a vê-los a partir de três mil metros acima. No entanto, as suas curiosidades de juventude permaneciam: desenhou casas de camponeses, pessoas, comida, cerâmicas simples, plantas, animais, insetos e móveis. [versão portuguesa do original inglês publicado na revista Modern Mag, 18 Abril, 2016]