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CONSTANÇA BABO


 


Este ano comemoram-se os 120 anos do Teatro Carlos Alberto - TeCA que, em 2003, foi adquirido pelo Teatro Nacional São João - TNSJ, o grande teatro da cidade do Porto situado na zona da Batalha. Nesse mesmo ano, o edifício foi objeto de profunda renovação e intenso restauro que alteraram a sua estrutura, a qual, nas últimas décadas, estava utilizada unicamente para exibição cinematográfica.

Este ano, o aniversário do TeCA é festejado com o lançamento de uma notável programação, correspondente ao primeiro quadrimestre da temporada 2017/2018 do grupo do TNSJ, do qual também faz parte o Mosteiro São Bento da Vitória. Acrescenta-se, no interior do TeCA, uma exposição de cartazes de espetáculos passados, intitulada Teatro de Rua (img.5), que celebra a ocasião através de uma década de criações gráficas. Como o teatro anuncia na sua página online, recuperou do arquivo trabalhos dos designers João Faria, Joana Monteiro e Dobra (João Guedes e André Cruz), imagens que dialogaram com a cidade e com o público.

É também numa lógica de diálogo que o TeCA se relaciona com o exterior que o circunda. Para tal, desde a entrada principal que abre-se um espaço e um foyer pouco estruturado que avançam numa continuidade formal até à sala de espetáculos, dotada de um piso escuro que parece prolongar e trazer para dentro o passeio da Rua das Oliveiras.

Quando o teatro foi primeiramente concebido, esta rua era um dos percursos até à porta de entrada da cidade, na antiga muralha Fernandina, área onde hoje encontramos a Torre dos Clérigos. Assim, tratando-se de uma zona de trânsito e fluxo constante de pessoas, foi uma escolha estratégica conceber, aí, um teatro para o povo. De acordo com a época, esse desafio materializou-se num teatro circo, bem distinto da forma de teatro italiano à qual corresponde a casa-mãe do TNSJ. Pensado para todos, o TeCA apresentava uma forma despretensiosa, semelhante a uma arena com assentos em redor. Mas, à medida que as técnicas de construção se desenvolveram e a atividade teatral também, acompanhada por um crescente público, tornou-se crucial um crescimento da infraestrutura, conseguido a partir de uma espécie de sobreposição de layers.

Ora, foi precisamente a esse singular método que o arquiteto Carlos Nuno Lacerda Lopes deu continuidade, quando destacado para fazer as obras de reestruturação do teatro. Interpretando o edifício, identificou uma espécie de caos organizado no qual este assentava, o que decidiu manter, preservando, assim, a memória e a história do teatro. Sendo que, enquanto arquiteto, a sua primeira preocupação foi como responder às crescentes necessidades através dos limites espaciais que lhe eram impostos, tendo a mesma lógica de encaixe revelando-se útil. Projetou, ainda, cada estrutura com uma determinada forma e material, o que contribuiu para uma maior individualidade e dinamismo do projeto. Construiu uma zona de vidro do lado da frente do edifício, onde hoje se encontra uma área utilizada para variados propósitos, e um outro volume, nas traseiras, onde ficou acomodada a sala de ensaios e os escritórios.

Ao mesmo tempo, o arquiteto decidiu manter a intencional aproximação das classes sociais, tão característica e definidora deste edifício e, como tal, em oposição à habitual diferenciação das mesmas, como se vê no teatro à italiana, não incluiu camarotes ou qualquer outra zona de assentos para além da plateia e apenas dispôs duas portas para a sala, uma em cada extremidade. Este conceito de aproximação das pessoas estendeu-se também na conceção do edifício como um espaço aberto com corredores e escadas que facilmente conduzem da sala ao bar e as zonas mais privadas.

Em relação ao espaço do palco, relativamente pequeno, de acordo com a sala, também ela despretensiosa, foi com inteligência que Nuno Lacerda Lopes construiu uma plataforma amovível que permite adicionar um maior avançado de cena, encurtando as filas de cadeiras. Este é acompanhado por uma extensão da teia, estrutura acima dos palcos que comporta os mecanismos de operação, as varas que seguram cortinas, pernas, bambolinas, projetores de luz e cenários. Possibilita-se, assim, uma certa polivalência do espaço, importante, por exemplo, para realizar um espetáculo de maiores dimensões.

Para Nuno Lacerda Lopes a arquitetura é uma área da qual, tal como no teatro, deve resultar um espaço tão vivo quando vivido. Com este intuito, procurou criar experiências e afastar-se das formas geométricas mais rigorosas, lineares e simétricas. A arquitetura, principalmente quando se relaciona com o teatro e com as outras artes, tem a capacidade de se manifestar para além da sua função prática e apresentar resultados verdadeiramente inovadores e criativos.

Foi numa visita guiada, organizada também no âmbito do aniversário do TeCA, que o arquiteto deu a conhecer este complexo e fascinante processo de projeção do TeCA, tão próximo do público quanto dos encenadores, atores e artistas do nosso país. Na ocasião, explicou como este projeto resulta da intersecção entre o seu conhecimento profissional no vasto domínio da arquitetura e a sua entrada na vida do teatro. Em relação a esta última, contam-se alguns momentos como ator, mas destaca-se principalmente a cenografia de espetáculos, na qual Nuno Lacerda Lopes considera confluírem as duas áreas, do teatro e da arquitetura. Acredita que a segunda pode existir como arte cénica quando o espaço cenográfico é o objeto do arquiteto. Para tal, liberta-se da ideia de fazer para fora, para o público, e procura, antes, uma cenografia que se desenha a partir de dentro, para aqueles que pisam o palco. Utiliza materiais e objetos reais, concebendo cenários que existem para além da esfera da ilusão, estendendo a magia da arte cénica a maior uma autenticidade através da força da arquitetura. E, um dos melhores palcos para este momento é, sem dúvida, o deste Teatro Carlos Alberto e o do Teatro Nacional São João.

 

 

Constança Babo