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ARQUITETURA E DESIGN




1. Cadeira Cafe? Museum, Adolf Loos.


2. Cadeira FAUP, A?lvaro Siza.


3. Cadeira Milano, Aldo Rossi.


4. Cadeira Milano. Desenho de Aldo Rossi, Fundac?a?o Aldo Rossi.


5. Cadeira. Desenho de A?lvaro Siza, Imaginar a Evide?ncia.


6. Cadeiras Thonet, Cata?logo, incluindo a Cadeira Cafe? Museum de Adolf Loos.


7. Cadeiras. Desenho de A?lvaro Siza, Imaginar a Evide?ncia.


8. Milano e Carteggio. Desenho de Aldo Rossi, Fundac?a?o Aldo Rossi.

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ENTRE O BANAL E O SINGULAR : UMA LEITURA DE LOOS, ROSSI E SIZA

JOÃO ALMEIDA E SILVA


 

 


O título, cuja ideia é apropriada de Álvaro Siza em Imaginar a Evidência (1998), reflecte um ponto que se afigura transversal às leituras aqui escolhidas, e especificadas na bibliografia: o equilíbrio entre o Banal e o Singular como chave de leitura da obra destes três autores [1]. Banal no “sentido da disponibilidade na continuidade” e Singular onde “reside o seu verdadeiro significado no tempo” (cf. Siza 2017 [ed. orig. 1998]: 133; 145). Intui-se que o objecto simultaneamente Banal e Singular poderá aspirar à intemporalidade, ou atingir o estatuto de obra de arte. Vejam-se como referência três cadeiras (porque mais imediatas que edifícios) de Loos, Rossi e Siza [Figs. 1, 2 e 3] [2].

 

1. Banal: Tradição e Progresso

Quando Aldo Rossi apresenta o texto Adolf Loos : 1870-1933 (1959) contextualiza de forma incisiva a Viena burguesa do início do Séc. XX (onde a presença do decorativismo de salão da Secessão de Otto Wagner é decisiva) e sublinha a personalidade do autor concedendo que “Adolf Loos, o arquitecto e o homem, é revolucionário diante o espírito retrógrado, reaccionário diante do espírito de destruição” (Rossi 1959: 49) [3].

Tal sugere a oposição entre “revolucionário” e “reacionário” como reflexo da busca de Loos pela simbiose natural entre tradição e progresso. Simbiose que perseguirá através de uma dimensão crítica em relação aos seus antecessores (vejam-se a este respeito as polémicas com a Secessão Vienense) e aos seus sucessores (não participando na Weissenhofsiedlung de 1927, por exemplo) [4].

Loos refere que a produção do homem deverá ter presentes as exigências e necessidades concretas da sociedade onde se insere. Neste sentido, a renovação da sociedade deverá ocorrer através da evolução das técnicas que caracterizam um período particular e terão a missão de fazer evoluir a tradição. Esta evolução, ainda segundo Loos, não significa a invenção de novas formas, antes a substituição dos objectos existentes por outros que resolvam melhor um determinado problema. E por isso, nos dois textos de Adolf Loos, o autor reivindica o fim do ornamento.

Segundo Rossi, “Goethe já tinha denunciado a redução da arte à ornamentação como sinal da imoralidade dos tempos, e tinha escrito que em especial a arquitectura não se podia adornar sem perder força”(Rossi 1959: 52).

Mas é Loos, primeiro em Ornamento y delito (1908) e depois em Arquitectura (1910), que afasta definitivamente a discussão sobre o ornamento das questões formais e coloca o debate em torno da moral, enquanto discussão cultural (cultura aqui entendida enquanto equilíbrio entre interior e exterior do ser humano) e associada a um determinado contexto, que persegue o espírito do tempo.

Não pretende ser uma questão estética, porque a “moralidade” aqui referida serve para validar a supressão do ornamento enquanto exclui, simultaneamente, a hipótese de criação de um novo “estilo” (possivelmente ancorado na depuração formal). O ornamento ou, neste caso a sua ausência, serve de argumento para o posicionamento de um objecto no seu próprio tempo. Segundo Loos “a evolução cultural equivale à eliminação do ornamento,” reforçando: “alguém que viva no nosso nível cultural não pode criar nenhum ornamento” (cf. Loos 1910: 25).

 

2. Singular: Intuição e Arte

Tal ideia de supressão do ornamento está intimamente ligada à valorização do artesanato e dos artesãos. É sintomático que Loos, a propósito da “casa na margem do lago” de Arquitectura refira que “o camponês cortou a relva verde onde vai erigir a nova casa e cavou a terra onde levantará as fundações. Então surge o pedreiro. [...] E enquanto o pedreiro assenta um tijolo sobre outro [...] o carpinteiro inicia o seu trabalho. Os golpes do machado soam alegres. Faz o telhado. Que tipo de telhado? Bonito ou feio? Ignora-o. O telhado” (cf. Loos 1910: 23-24).

Loos defende a obra do camponês e reconhece-lhe o valor da intuição, valorizando um saber ancorado na tradição e no domínio dos materiais e que se manifesta num “saber fazer” que não é refém do desenho. Tal valorização do artesanato leva Loos a desprezar a codificação própria da profissão, porque entende que “um arquitecto é um pedreiro que aprendeu Latim” (Loos 2004 [ed. orig.1908]: 254). É por isso que, e segundo Rossi, “em Loos, a novidade se apresenta como a novidade das formas da intuição (als Neues einer hoheren Anschauugsweise), e esta é a origem mais nobre de uma obra genial. Esta novidade nas formas da intuição implicava a reconstituição da linguagem, da técnica própria de cada disciplina artística particular. [...] Diante da novidade das formas da intuição tudo se dispõe numa nova ordem; as suas profundas raízes humanas se confundem com as raízes da sua arte” (Rossi 1959: 51).

Mas, segundo Loos, “apenas uma parte, muito pequena, da arquitectura corresponde ao domínio da arte: o monumento funerário e o comemorativo. Todo o resto, tudo o que tem uma finalidade, deverá ser excluído do domínio da arte” (Loos 1910: 33). De facto, Loos entendia a arquitectura como uma técnica construtiva, quando se inclina pelo carácter prático da arquitectura. [5] “A habitação terá que parecer confortável; a casa acolhedora. O palácio da justiça deverá aparecer diante o vício oculto como um gesto ameaçador” (Loos 1910: 34).

Numa leitura mais desatenta dir-se-ia que Loos não se interessava por “arte”. Mas Rossi identifica neste momento uma contradição fundamental no pensamento de Loos e não se limita a uma interpretação superficial. Porque, diz Rossi, “seria injusto crer que há em Loos uma luta entre estes dois amores, ou cultos irreconciliáveis; [Loos] elege a continuidade, o contínuo interesse pelo progresso humano, pelo desenvolvimento do trabalho e inclusive pela obra de arte [...]. Esta tensão entre memória e futuro servirá para [Loos] enriquecer a concepção da história com um novo e poderoso significado” (Rossi 1959: 55). Para concluir, mais adiante, que o arquitecto Vienense “compreendia o que era a arte, e esta era a razão do seu apaixonado desejo de verdade” (Rossi 1959: 65).

Ora, talvez seja esse apaixonado desejo de verdade que leva Loos, através da condenação do ornamento e o consequente elogio do artesanato como expressão genuína de uma cultura num dado momento histórico, a referir que “uma obra arquitectónica verdadeira não causa nenhuma impressão no papel” (Loos 1910: 28).

Esta ideia remete novamente para Rossi. Quando este refere que o carácter da modernidade em Loos não surge baseado num princípio abstracto, mas do vínculo com o Homem e com a Sociedade. [6]

De facto, ao acolher a tradição construtiva anónima, Loos introduz nas suas obras o conceito de contexto (do qual a região faz parte). Defende que “não só os materiais, mas também as formas edificadas estão relacionadas com o lugar, com a natureza do terreno e com o ar” (Loos 1910: 33). Tal reflecte a sua visão de uma arquitectura que deve dar uma resposta de continuidade ao contexto cultural característico de cada lugar, numa acepção a que hoje poderíamos apelidar (com as devidas distâncias) de “regionalismo” [7], numa perspectiva de aceitação da tradição construtiva do artífice. Isto porque, esta “arquitectura das emoções”, equilíbrio entre a capacidade de se relacionar (banal) e a autonomia (singular), se afigura como um exemplo maior da relação encontrada entre intuição e arte.

 

3. Banal e Singular: Três Cadeiras

Karl Kraus e Loos insistiram em mostrar “que há uma diferença entre a urna e o urinol e que nestas diferenças se manifesta a cultura” (Rossi 1959: 54).

Também Álvaro Siza, em Imaginar a evidência (1998), refere que “as reflexões de Adolf Loos sobre design, importantes e actuais, sublinham como a necessidade, ainda mais do que a arte, é o fundamento primeiro para se alcançar o objecto perfeito. Loos também desenhou uma cadeira Thonet , [8] e é uma cadeira maravilhosa; olhando-a podemos dizer: “é uma cadeira Thonet!”, sem acrescentar mais nada”(Siza 2017 [ed. orig. 1998]: 135).

Mas Siza acrescenta, e isto é decisivo, “contudo é evidente algo de especial nas proporções e em alguns pormenores que dão pouco nas vistas, de modo que a impressão geral é de uma coisa absolutamente singular, sensacional, mas ao mesmo tempo banal”(Siza 2017 [ed. orig. 1998]: 135).

Segundo Siza, “todos os objectos têm uma história. E contudo, vistos à distância, podem ser ligeiramente diferentes e é exactamente nesta ligeira diferença que reside o seu verdadeiro significado no tempo.” Pois o projecto significa “captar o momento exacto, uma ideia perturbadora e errante – e repor a serenidade” (cf. Siza 2017 [ed. orig. 1998]: 133; 145).

De facto, o mundo dos objectos tem o seu quê de ancestral, de história (aqui manifestado num primeiro momento no saber dos artesãos, passado de geração em geração), que leva a que uma cadeira seja sempre uma cadeira, relacionada com as medidas do Homem tendo, simultaneamente, o lado artístico que as liga ao espírito do seu tempo (aqui identificado como singular), estando por isso entre o Banal e o Singular.

Focando o objecto cadeira pode-se intuir o ponto de contacto entre os três autores: a busca constante de conceitos tendo a história como base para, num momento posterior, os inserir num objecto (ou segundo Siza, “pensar a cidade, pensar o edifício, pensar o móvel,”(Siza 2017 [ed. orig. 1998]: 133) como actividades interdependentes) que se tornará eterno porque serve de charneira entre o passado e o futuro sendo o reflexo intemporal do tempo em que é concebido, singularizando-o. Intui-se que esta singularidade resida nas conjunturas históricas (nas circunstâncias particulares, nos tempos e lugares) que, associados à ideia de objecto banal “no sentido da disponibilidade na continuidade”(Siza 2017 [ed. orig. 1998]: 135), o recoloca no seu tempo e, simultânea e paradoxalmente, o torna intemporal [9].

Nos quatro textos parece pois existir esta mesma ideia comum, iniciada por Loos e revisitada por Rossi e Siza em momentos históricos diferentes, mas servindo os propósitos da obra dos três autores: a ideia de projecto e memória, o singular e o banal, na busca de uma certa verdade das coisas; ou a forma como o resultado de uma ideia colectiva que se materializa num dado momento e que, por isso, lhe é sensível [10].

Vejam-se novamente e como referência as três cadeiras de Loos, Rossi e Siza.

 

 

 

João Almeida e Silva
Arquitecto e Investigador no CEAU da FAUP, Visiting Scholar na Universidade de Princeton.

 

 

 

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Notas

[1] Note-se que esta chave de leitura representa uma linha de pensamento que procura e valoriza as semelhanças encontradas nos textos escolhidos de Adolf Loos, Aldo Rossi e Álvaro Siza, descritos na Bibliografia, focando-se nas complexas relações entre o banal e o singular. Tal não significa, contudo, que não existam outras semelhanças e, igualmente importante, inevitáveis diferenças.
[2] A comparação entre as Cadeiras Loos, Rossi, e Siza exploram esta dualidade enquanto metáfora acessível, procurando mostrar de que modo o dia a dia pode ser elevado a partir do Design e da Arquitectura. Como tal, por motivos de simplicidade na leitura, optou-se por exemplificar graficamente a linha de pensamento escolhida com três cadeiras, sendo que teria sido igualmente possível fazer a comparação utilizando outras obras dos autores em estudo.
[3] Rossi socorre-se das palavras , de 1931, de Franz Gluck, amigo de Adolf Loos.
[4] Loos considera a existência do mesmo tipo de problemas na arquitectura desde a Antiguidade. No entanto, tal não supõe um regresso aos elementos originários. De facto, recusa a herança Romântica, para acolher a Antiguidade Clássica de Von Erlach ou Schinkel e, neste sentido, nunca se interessa pelo conceito da Cabana Primitiva, o mito originário da arquitectura. Procura antes a disponibilidade na continuidade na tradição anónima e na Antiguidade Clássica.
[5] Há aqui alguma proximidade ao movimento Arts and Crafts de William Morris no entendimento da arquitectura enquanto artesanato. Mas Loos via a técnica como um meio, pragmático, de fazer evoluir a tradição (note-se ainda que nunca lhe atribuiu um carácter salvador como os seus sucessores; nem a recusou como como os seus antecessores).
[6] Neste texto de Rossi sobre Loos, percebe-se que este define um território fundamental, onde Rossi coloca em debate uma alternativa ao conservadorismo e ao seu extremo oposto, o vanguardismo radical. Note-se que em 1959, ano de formação de Rossi e do texto em análise, se inicia o debate em torno da evolução do Moderno entre o progressismo tecnológico e o programa ideológico (R. Banham / Architectural Review VS E.N. Rogers / Casabella). O primeiro mais restrito formalmente, porque ancorado na renovação formal; o segundo, porque definido por princípios, mais livre para encontrar analogias com o passado.
[7] Note-se que o que se convencionou chamar Regionalismo Crítico, apesar de partilhar algumas das preocupações referidas, distingue-se, pelo menos, pelo facto de surgir como reacção a um certo desenraizamento do Movimento Moderno, usando a contextualização e sentido de lugar para devolver o significado à Arquitectura.
[8] Em 1898, Adolf Loos concebe o modelo Thonet para o Café Museum em Viena projectado por si e tendo por base a cadeira patenteada em 1856 por Michel Thonet, que usava a técnica da envergadura em madeira, e se destacava pelo design simples, funcional e económico.
[9] De resto, esta é uma ideia que percorre, de uma forma transversal, a Arquitectura Portuguesa do Séc. XX. Note-se Fernando Távora que evoca a necessidade de saber ver para além da forma, no sentido de extrair do passado lições de método para o presente e que com essa atitude abre caminho ao que se convencionou chamar Terceira Via.
[10] Refira-se que Rossi e Loos se filiam de certa forma na arquitectura de Boulleé, reconhecendo a insuficiência de uma arquitectura baseada exclusivamente na razão e abrindo uma dicotomia entre o objectivo e o subjectivo, no limite entre banal e o singular.

 


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Bibliografia

Loos, A. (1910). Architectura. Adolf Loos. Escritos II, 1910-1931. A. Opel and J. Quetglas.
Loos, A. (2004 [ed. orig.1908]). Ornamento e Crime. Lisboa, Cotovia.
Rossi, A. (1959). Adolf Loos: 1870-1933. Casabella.
Siza, Á. (2017 [ed. orig. 1998]). Imaginar a evidência, Edições 70.