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UM OBJECTO DE RONAN E ERWAN BOUROULLEC
LEVINA VALENTIM E SUSANA NEVES
Os irmãos Ronan e Erwan Bouroullec são dos mais influentes designers contemporâneos. Actualmente o seu trabalho encontra-se em duas exposições: Ronan & Erwan Bouroullec – Album na galeria do Vitra Design Museum (Weil am Rhein, Alemanha), até 6 de Junho, e Bivouac no Centro Pompidou-Metz (galeria 3), até 30 de Julho. Desafiámos a jornalista, artista plástica e fotógrafa Susana Neves a escrever sobre uma peça da autoria destes dois designers: a Cadeira Vegetal.
RONAN E ERWAN BOUROULLEC
Respectivamente licenciados pela Escola Superior de Artes Decorativas de Paris e pela Escola Superior de Artes de Cergy-Pontoise, Ronan (n. 1971) e Erwan Bouroullec (n. 1976) associaram-se em 1999. Ao longo da sua carreira, têm vindo a trabalhar com os mais importantes editores de design, como por exemplo Vitra, Kvadrat, Magis, Kartell, Established and Sons, Ligne Roset, Axor, Alessi, Issey Miyake, Flos, Mattiazzi, Cappellini e, mais recentemente, Flos e Mutina. Paralelamente, continuam a pesquisar, uma actividade essencial para o desenvolvimento do seu trabalho, na Galeria Kreo, pesquisa a partir da qual saÃram quatro exposições entre 2001 e 2010. Realizam pontualmente projectos de arquitectura, como a Maison Flottante (Casa Flutuante) em 2006, os showrooms Kvadrat (Estocolmo e Copenhaga) ou ainda o restaurante Dos Palillos do hotel Casa Camper, em Berlim, em 2010.
Eleitos Criadores do Ano no Salon du Meuble em 2002, receberam, entre outros, o Grand Prix du Design da cidade de Paris, em 1998, o New Designer Award da International Contemporary Furniture Fair de Nova Iorque, em 1999, e o Finn-Juhl Prize de Copenhaga, em 2008. A sua colecção Facett (Ligne Roset), a cadeira de escritório Worknest (Vitra) e o canapé Ploum (Ligne Roset) receberam a distinção Best of the Best dos Red Dot Award respectivamente em 2005, 2008 e 2011.
Foram alvo de exposições monográficas no Design Museum, de Londres (2002), Museum of Contemporary Art, de Los Angeles, Museum Boijmans van Beuningen, de Roterdão, e La Piscine – Musée d’Art et d’Industrie, de Roubaix, França (2004), Villa Noailles, de Hyeres, França (2008), Grand Hornu, Boussu, Bélgica (2009), bem como no Arc en Rêve Centre d’Architecture, em Bordéus, e no Victoria and Albert Museum, de Londres (2011).
As suas criações estão presentes nas colecções de instituições como o Museu Nacional de Arte Moderna-Centro Pompidou e o Museu de Artes Decorativas de Paris, o Design Museum de Londres, o Boijmans van Beuningen de Roterdão, o Art Institute de Chicago e o MoMA.
Ronan e Erwan Bouroullec são objecto de duas monografias: Ronan et Erwan Bouroullec – Catalogue de raison, Paris, Éditions Images Modernes / Kreo, 2002, e Ronan et Erwan Bouroullec, Paris, Éditions Phaidon, 2003.
EXPOSIÇÕES
A exposição no Vitra, Album, apresenta esboços e desenhos conceptuais e mostra a importância do desenho no trabalho da dupla. Esta exposição é um olhar sobre as suas fontes de inspiração e, também, sobre os seus processos, com destaque para o permanente questionamento que se evidencia no seu trabalho.
Bivouac, a exposição no Pompidou-Metz, estende-se por mais de 1000 metros quadrados e foi concebida como um acampamento composto por peças dos designers produzidas ao longo de cerca de 15 anos de trabalho. O visitante é convidado a deambular pelo espaço, entre projectos de pesquisa e objectos acabados, produções industriais ou artesanais, percorrendo um espaço pontuado por transparências e jogos de escala. Mais do que uma retrospectiva, esta exposição faz um ponto da situação do trabalho dos designers e das suas pesquisas em constante evolução. Bivouac evidencia a grande variedade de criações e aborda os conceitos-chave da pesquisa destes designers: nomadismo, efemeridade, modularidade e inspiração em formas e estruturas da natureza.
Esta primeira grande exposição monográfica em França sublinha um percurso excepcional, uma carreira internacional pontuada por colaborações com os maiores editores de design, pela presença nas mais importantes colecções e distinguida por numerosos prémios.
A CADEIRA VEGETAL
Fazer uma “cadeira que deveria brotar como uma plantaâ€, “criar uma estrutura original com base numa forma complexa e narrativa de construção. Isto, aliado a um interesse por técnicas altamente avançadas, como o plástico injectado, que permitem números de produção adequados à distribuição em massa†é a génese da Vegetal, uma cadeira de plástico injectado que sintetiza na sua história muitos dos conceitos-chave do trabalho dos irmãos Bouroullec. “Ela vem desse fascÃnio que temos por móveis antigos inspirados em motivos vegetais. Cadeiras de jardim inglesas, estruturadas em ramos de ferro fundido, por exemplo. Ou aquelas poltronas projectadas nos Estados Unidos, durante a primeira metade do século XX, concebidas a partir de arbustos. Objectos que, em suma, nos levam de volta a um tempo em que as formas eram talvez mais volumosas, menos elegantes ou suaves do que hoje em dia.â€
A complexidade dos desenhos iniciais, onde a cadeira tem a fluidez e a elegância de uma planta, e a intenção de criar um objecto poético levaram a que o seu desenvolvimento fosse um longo processo colaborativo entre os designers e a equipa liderada por Egon Bräuning, chefe do Departamento de Desenvolvimento da Vitra.
Para conseguirem seguir a geometria realista de uma cadeira e, simultaneamente, os princÃpios de ramificação de uma planta, os designers e a equipa da Vitra dedicaram-se a uma abordagem por fases, redesenhando – quer manualmente, quer através de software de modelagem virtual – ao mesmo tempo que iam desenvolvendo os protótipos.
“A cadeira Vegetal não poderia ter passado sem a sofisticação técnica do software moderno, tal como não poderia ter existido sem a delicadeza própria das fases de desenho manual. Foi a estreita associação destes dois processos que foi tão especial. A complexidade da sua forma, que deve ser uniforme como uma árvore ou uma flor o seriam, obrigou-nos a repensar permanentemente o todo em função de cada detalhe: poderia dizer-se que esta cadeira foi redesenhada umas mil vezes.†[1]
SUSANA NEVES / CADEIRA VEGETAL:
O FAUNO SENTADO
Apesar de inspirada na topiária dos jardins históricos norte-americanos, ou seja em “esculturas verdesâ€, feitas a partir de várias espécies de árvores e arbustos, a “cadeira vegetal†dos irmãos Ronan e Erwan Bouroullec não exige rega nem a vigilância de um jardineiro. O material de que é feita (poliamida colorida), pela grande durabilidade, também muito dificilmente atrairá os bichos que encontram em alguns objectos industriais o conforto de um ninho, precipitando a sua erosão. Por estas razões, pode sossegar o consumidor nostálgico da natureza domesticada: esta é a cadeira ideal para si.
Claro que um conhecedor da História do Design talvez lhe diga exactamente o contrário. A “cadeira vegetalâ€, produzida e comercializada pela Vitra, empresa multinacional de design de mobiliário (www.vitra.com), após quatro anos de estudo e experimentação dos irmãos Bouroullec, poderá conter o princÃpio do caos, tão temido pelos antigos egÃpcios. Porque apesar de cumprir o princÃpio de similitude com as formas naturais, defendido pelos artesãos egÃpcios – numa tentativa de manter a harmonia no universo –, a produção em série e o material destas cadeiras situam-nas no reino caótico da ambivalência: dizem-se natura mas não o são.
Dito isto, as “cadeiras vegetais†destes designers franceses são o assento ideal para quem não quer viver sentado em coisa nenhuma, nem num conhecimento prêt-à -porter nem num sedentarismo rotineiro. Para quê ficar sentado numa cadeira que lembra uma grande folha se há bosques por conhecer e jardins por plantar? Sentar-se numa folha gigante é, por outro lado, aceitar um gigantismo de outras latitudes e épocas, ou imaginar-se numa escala outra, cidadão de um outro povo, quem sabe, um liliputiano observado por Gulliver nas suas viagens por terras remotas do mundo.
A inspiração naturalista das cadeiras de Ronan e Erwan Bouroullec evoca também outros tempos, remonta aos séculos XVIII e XIX (sobretudo ao movimento Arts & Crafts britânico), quando a crescente industrialização desencadeou uma “nostalgia da natureza†e a vontade de a levar para dentro de casa, através do design de tecidos, papéis de parede e mobiliário. Na Grande Exposição de 1851, realizada na Grã-Bretanha, causara grande impacto a “cadeira notável criada por Mr. G. Collinson de Doncasterâ€, constituÃda por folhas, ramos e bolotas esculpidas em madeira. Sem dúvida, um antepassado da “cadeira vegetal†da dupla de franceses. Curiosamente, a “nostalgia da natureza†foi na altura (e se calhar assistimos hoje a uma repetição deste fenómeno) proporcional à capacidade de a indústria se renovar a partir do design de novos motivos decorativos. A indústria e a expansão das cidades haviam destruÃdo a natureza mas, sentindo a necessidade dos consumidores, e muito em particular dos criadores, se reaproximarem da natureza, a mesma indústria produziu objectos que nela se inspiravam, mas que nunca a poderiam devolver.
Na cultura ocidental, a História da Cadeira levanta o homem do chão e quase sempre senta-o num lugar de poder ou de conforto; não se cultiva entre nós, como acontece no Oriente, estar sentado numa esteira em padmasana, ou seja, na posição que copia a da flor de lótus. Nessa perspectiva ocidental, a cadeira concebida pelos irmãos Bouroullec, sobretudo na fase de projecto, apenas desenhada (ver filme, no site da Vitra: www.tinyurl.com/c3zk7hd), poderia constituir uma espécie de trono, o trono de um fauno, deus dos bosques, mas numa versão democratizada e urbana.
Como se sabe, não é da natureza dos faunos permanecerem sentados durante muito tempo; a reputação do deus Pã, também um fauno, não se fez na imobilidade mas na perseguição de uma ninfa que se transformou em bambu e lhe permitiu construir a conhecida flauta de Pã. Apesar da sua natureza contraditória, a “cadeira vegetalâ€, comercializada em série pela Vitra, não deixa de manifestar um desejo latente e constante da nossa sociedade mecanizada e monótona: voltar ao bosque e encontrar a folha assimétrica e imprevisÃvel de uma árvore gigante.
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NOTAS
[1] Fonte: Entrevista com Constance Rubini, Janeiro de 2009, in www.bouroullec.com/upload/facsimile/vegetal.pdf
LINK:
www.bouroullec.com
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Susana Neves
Jornalista de investigação e ficcionista, tem exposto desenhos, esculturas e fotografias em Portugal e no estrangeiro; publicou contos na revista Phala (AssÃrio&Alvim) e noutros periódicos. Ex-crÃtica literária no Público, colabora com a Colóquio Letras, a revista Paralelo, da Fundação Luso-Americana, e a revista EgoÃsta. Desde 2007, desenvolve na Fundação Inatel um trabalho pioneiro de jornalismo etnobotânico. Concebeu inúmeros projectos de Educação pela Arte, destinados a espaços museológicos (FCG, Centro Cultural de Belém e Teatro Viriato). Desde 2010, coordena no Museu do Douro o projecto de educação ambiental “As Ãrvores que Comiam Papelâ€.