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BÁRBARA SILVA


 

Considerado um dos eventos mais prestigiados de arquitectura do meio na América Latina e Península Ibérica, a X BIAU (Bienal Ibero-americana de Arquitectura e Urbanismo) foi celebrada no passado mês de Outubro em São Paulo, sob o tema Deslocamentos. Comissariada pela dupla de arquitectos espanhóis, Angela Paredes & Ignacio Pedrosa, a X BIAU foi um momento de reflexão e de discussão sobre a capacidade dos arquitectos (ou a falta dela) em estabelecer um diálogo com as políticas urbanas.

O auditório no parque Ibirapuera, projectado por Oscar Niemeyer, foi o palco que acolheu arquitectos de países como Paraguai, Argentina, México, Uruguai, Portugal, Espanha, que ali receberem os seus prémios e falaram das suas arquitecturas, das suas preocupações e convicções. Arquitecturas focadas num modo de fazer que contraria as modas e as extravagâncias de outros tempos e procura estabelecer um vínculo com o território e com as pessoas, ao mesmo tempo que se compromete com uma construção digna de baixo custo.

O primeiro dia foi encerrado com uma conversa entre Paulo Mendes da Rocha e Eduardo Souto de Moura, moderada pelo arquitecto João Luís Carrilho da Graça, que lançou o tema: “face à intensa migração de pessoas que se faz sentir um pouco por todo o mundo, especialmente na Europa, como é que o arquitecto pode ser mais participativo no processo de construção de uma habitação digna, para todos aqueles que fogem dos seus países em busca de segurança e liberdade? Como responder de modo rápido e eficaz a esse problema?” Carrilho da Graça começou sem rodeios, com preocupações reais, e com a convicção de que os dois prémios Pritzker, sentados ao seu lado, teriam alguma pista para nos dar; algum motivo para nos fazer acreditar - novamente - no papel do arquitecto como mediador entre cidade, território indivíduo e sociedade. Mas nada aconteceu. Fez-se silêncio. Souto de Moura mexeu-se lentamente na cadeira e Mendes da Rocha cruzou as mãos sobre o peito como quem pensa: e agora? Fazemos o quê com esta pergunta?

É surpreendente observar como as cidades se têm construído de forma completamente afastada dos seus habitantes, ignorando o papel do arquitecto como um importante articulador entre público / privado; indivíduo / sociedade. Qual o motivo desse afastamento? Temos esperado que o sistema político se corrija, quando ele já demonstrou a sua falta de interesse em fazê-lo. E não vemos como voltar a estabelecer esse diálogo; se é que ele alguma vez existiu. Só podemos continuar a acreditar nos ideais que nos movem, como aqueles tantas vezes ditos por Paulo Mendes da Rocha: “a cidade é de todos”; “a cidade é para todos”. Mas, cada vez mais, o que vemos é que a cidade não é de ninguém, exactamente porque é de todos. E sendo de todos ninguém quer cuidar. Este facto é sem dúvida mais presente nas cidades da América do Sul, onde parece que o espaço público não pertence a ninguém e por isso fica abandonado; é um espaço sobrante; aquele que ficou, por acaso entre um conjunto de edifícios. As cidades vão deixando de se relacionar com as pessoas, com os seus habitantes. E nesse sentido concordamos com Souto de Moura quando, perante uma plateia de mais de 200 arquitectos e alunos, nos diz com o seu sotaque do Porto: - “eu não posso fazer muito; eu só faço o que me pedem. E fico contente por poder desenhar bem uma janela, uma porta. É com isso que eu me preocupo”.

Não sabemos qual é a fórmula. Talvez não exista uma fórmula. O que sabemos é que, com certeza, estamos cada vez mais afastados de uma solução colectiva capaz de unir as convicções de Mendes da Rocha e Souto de Moura. Ou talvez tenhamos demasiada ambição, no que respeita ao “papel” do arquitecto. Quando Souto de Moura afirma que “fica feliz” por desenhar bem uma janela, afirma que a arquitectura deve assumir o problema da “habitação”. Quando Mendes da Rocha fala que “a cidade é de todos”, afirma que a arquitectura é a ferramenta para resolver as relações e contradições entre território e sociedade. Ambos querem encontrar um equilíbrio; um diálogo com a cidade e o território através da arquitectura. Um equilíbrio que talvez se tenha perdido quando a arquitectura deixou de se entender como um fim em si mesma, para se converter num meio para um propósito...

 

Bárbara Silva