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O QUE MUDOU, O QUE NÃO MUDOU E O QUE PRECISA MUDAR
MARGARIDA VENTOSA
Comunicar, com todas as suas potenciais virtudes e armadilhas, nunca foi tão importante como agora. E porque as circunstâncias assim o ditam, e porque "o meio é a mensagem"(1) ou “o meio não é a mensagem”, é urgente ter um espírito experimental, crítico e participativo, para lá da mera aceitação ou rejeição da informação que nos chega.
Não há dúvida que, na actual dimensão mediática, atingida pelos efeitos da crise, as condições operativas são mais competitivas e os agentes criativos tendem a evoluir noutras direcções para enfrentarem os novos desafios e as novas lógicas de comunicação. É com optimismo, acolhendo a mudança e repensando a cultura da comunicação enquanto disciplina crítica, criativa e sustentável, e não a sua abdicação, que podemos avançar e resgatar as relações entre quem cria, quem recebe e quem “consome”.
Mesmo a arquitectura não escapa a este fenómeno. Cada vez mais é palco de uma nova cultura e lógica de comunicação. Se para Beatriz Colomina “a arquitectura só é moderna com seu envolvimento com os meios de comunicação” (2), podemos afirmar que a arquitectura só é contemporânea ser for um meio de comunicação? Se assim for, podemos então entender que a arquitectura também se produz em publicações, happenings, na Web ou na Web 2.0 (3) (nomeadamente as social networking como o facebook, o orkut, o twitter ou o linkedin, os video sharing como o Youtube, e a blogosfera), em iPad App ou em QR Codes.
É preciso, no entanto, entender que este ponto de vista não se trata de uma ruptura com a prática canónica da arquitectura, mas antes uma profunda e transversal mudança de hábitos e uma tomada de consciência sobre outras potencialidades que a prática oferece, e que precisa de ser entendida, acima de tudo, como emergência de um novo paradigma de desenvolvimento.
Esta consciência foi desde cedo entendida por Le Corbusier, este grande comunicador que tirou partido de todos os meios que tinha ao seu alcance para comunicar a sua visão arquitectónica e promover-se na esfera pública. Dos jornais aos livros, passando pelas conferências, exposições, rádio e cinema, Le Corbusier foi o primeiro arquitecto a compreender os meios de comunicação de massa e a redefinir literalmente o modo como acedemos e experimentamos a arquitectura.
Hoje, decorridas mais de quatro décadas, resiste ainda a comunidade arquitectónica à interiorização de uma prática de natureza mediática? Que consciência tem sobre a sua importância, problemas e possibilidades? Até que ponto a integra nas suas disciplinas? Quais as suas interpretações contemporâneas possíveis?
Seguramente, é no presente e no futuro que iremos encontrar grande parte das respostas a estas perguntas. No entanto, numa sociedade que celebra o não essencial, somos conscientes que entender e aceitar este novo paradigma não gera consenso: se para alguns, os meios de comunicação estão associados a uma superficialidade nociva e enganosa, para outros, são assimilados como parte integrante do seu trabalho.
Exemplo desta visão emergente estão práticas de natureza mediática como o OMA (www.oma.eu), o BIG-Bjarke Ingels Group (www.big.dk), o Fantastic Norway (www.hakonoghaffner.no), o Space Group (www.spacegroup.no), o feld72 (www.feld72.at), o JDS (www.jdsarchitects.com), o MOOV (www.moov.pt) ou o ateliermob (www.ateliermob.com) que utilizam ferramentas estratégicas que sempre entendemos como pertencentes à comunicação ou ao marketing. Basta entrarmos nas suas main pages para evidenciarmos que operam num contexto global, que compreendem o poder do consumo mediático e que sabem tirar o máximo partido de todos os meios de comunicação que têm ao seu alcance para comunicarem ideias, envolverem a sociedade e, acima de tudo, tornarem a experiência com a sua arquitectura muito mais interessante.
A actuar em paralelo e em rede estão outros dois personagens: os emergentes ateliers de comunicação para a arquitectura que promovem os arquitectos e a arquitectura junto dos media e da esfera pública (4); e os editores e pseudo-editores de revistas de arquitectura e de infinitas plataformas digitais que comunicam de forma mais ou menos participativa, mais ou menos crítica e mais ou menos interessante (5). Neste universo digital, distinguir o “bom” do “mau”, o “genuíno” da “cópia” ou o “real” da “ficção”, não me parece que seja o mais relevante. Relevante será entender que, se assistimos à crescente integração de uma cultura de comunicação na arquitectura é porque assistimos à diminuição de uma cultura de “resistência” e “pudor” sobre os fenómenos e ferramentas de mediatização até à data vistos por modas e tendências.
Não há dúvida de que a forma como olhamos para a arquitectura contemporânea mudou e é tema de reflexão e investigação internacional. Se, por um lado, esta reflexão sobre os mecanismos de promoção da arquitectura contemporânea se produz em debates como o Critical Futures (www.domusweb.it/en/video/-critical-futures-1/) ou em publicações como Privacy and Publicity: Modern Architecture as Mass Media de Beatriz Colomina; por outro, também se produz em acções de “guerrilha” como a sátira espacial em tom épico Swars-Architecture Strikes Back do atelier Moov, o manifesto Urbanism for Sale do atelier Feld72 ou a Fantastic Caravan do atelier Fantastic Norway.
Apesar das opiniões divergentes, é hoje consensual, que só é possível falar sobre arquitectura ou qualquer outra disciplina, se compreendermos que para comunicar com o público, especializado ou leigo, é fundamental fazer algo que seja passível de captar a sua atenção. Neste sentido, sigo convicta que a comunicação deve ser fortemente incorporada pela prática arquitectónica contemporânea, e que esta, seguramente, pode contribuir para a sua afirmação.
É preciso acolhermos a mudança, explorarmos novos conceitos e abordagens mas, sobretudo, compreendermos e reflectirmos sobre o que mudou, o que não mudou e o que precisa mudar.
NOTAS
(1) Marshall McLuhan, in The Medium is the Massage: An Inventory of Effects, produzido por Jerome Agel, New York: Bantam Books, 1967. Marshall McLuhan (1911-1980) introduziu as expressões: “o impacto sensorial”, “o meio é a mensagem” e a “aldeia global” como metáforas para a sociedade contemporânea. Estabeleceu como objecto de estudo o “meio” e afirmou que os meios de comunicação são extensões dos sentidos humanos.
(2) Privacy and Publicity: Modern Architecture as Mass Media, Beatriz Colomina, the MIT Press, 1996.
(3) Web 2.0 foi o termo criado pela empresa O`Reilly Media, em 2004, para designar uma segunda geração de comunidades e serviços, tendo como conceito a “Web como plataforma”.
(4) www.thecommunicationoffice.com - www.claudinecolin.com - www.image-web.org - www.umbrella.it - www.juicypool.com; etc.
(5) shrapnelcontemporary.wordpress.com - quando-as-catedrais-eram-brancas.blogspot.com - bldgblog.blogspot.com - twitter.com/pedrobaia - abarrigadeumarquitecto.blogspot.com - www.archdaily.com - www.dezeen.com - www.designboom.com - www.arkinet.com - www.dprbcn.wordpress.com - www.world-architects.com - www.newitalianblood.com - www.worldarchitecturenews.com; etc.
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Margarida Ventosa
Arquitecta pela Universidade Lusíada de Lisboa (1999). Estudou na Faculdade de Arquitectura de Florença (UNIFI) ao abrigo do programa Erasmus-Sócrates. Mestre em «Arquitectura e Arte do Espaço Efémero» pela Escola Superior Técnica de Arquitectura de Barcelona ESTAB/UPC (2004). Tem dividido a sua actividade entre a edição (coordenadora editorial da arqa - revista de arquitectura e arte, 2003-2009, e freelance writer das revistas Frame e Mark, desde 2004), a curadoria (Geração Z - Práticas Emergentes da Arquitectura) e a assessoria de imprensa especializada. Em 2009, funda o atelier de comunicação para a arquitectura: THE COMMUNICATION OFFICE: Experimental Publishing+Publicity.