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ENTREVISTA A ANA CATARINA COSTA, FRANCISCO ASCENSÃO, JOÃO PAUPÉRIO E MARIA REBELO
AN ARCHAEOLOGY OF UTOPIA E MADALENA FOLGADO
Ana Catarina Costa, Francisco Ascensão, João Paupério e Maria Rebelo são arquitetos e os coordenadores da plataforma Uma Arqueologia da Utopia/ An Archaeology of Utopia (AU). Esta plataforma visa franquear registos que não apenas documentais dos bairros construídos no âmbito do Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL), uma iniciativa levada a cabo pelo então Secretário de Estado da Habitação do 1º Governo Provisório do Pós 25 de Abril, Nuno Portas, com o objetivo de providenciar condições habitacionais às populações carenciadas dos grandes centros urbanos e periferias. Esta é uma plataforma em aberto; a sua proposta é permanecer em construção, através da contribuição das pessoas — todas as pessoas. Entre tantas possíveis inversões de sentido da palavra serviço — como esta entrevista aos coordenadores nos revela — AU está, desde já, ao serviço da possibilidade de rememorar um horizonte, em aberto, onde podemos viver juntos, que não fatalmente neoliberal.
Por Madalena Folgado
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MF: Na vossa opinião quais as principais razões para que o programa SAAL seja ainda do desconhecimento de tantos portugueses? Ou, colocada a questão de outro modo: Acreditam que continuar a investir na sua divulgação fora do país fará com que, como em outras situações no tocante à arquitetura portuguesa, percebamos o devido valor desta iniciativa, uma vez mais, através do olhar do Outro?
AU: Haverá sem dúvida várias razões para que a amplitude daquilo que foi o SAAL seja ainda do desconhecimento de tantos portugueses, tanto dentro como fora do campo da arquitectura, apesar da divulgação que tem vindo a ser feita nacional e internacionalmente: podemos referir o número da revista L’Architecture d’Aujourd’hui dedicado a Portugal logo em 1976, ou a exposição realizada sobre o SAAL em Serralves, em 2014, que esteve também em exibição no Centro Canadiano de Arquitectura. Em parte, a responsabilidade poderá ser do modo como esta divulgação foi sendo selectivamente recortada e tratada durante as últimas cinco décadas. Não nos interessa tanto estabelecer aqui uma genealogia dos motivos para que tal tenha acontecido. Mas convém não esquecer que o património do SAAL não é apenas arquitectónico e urbanístico, ou seja, de ordem material, mas é também fortemente ideológico. Diz respeito a um período histórico muito específico em que, como noutras regiões do planeta, se atravessava em Portugal um processo revolucionário de pendor socialista ou, no mínimo, anti-capitalista.
Com a viragem dos anos 70 para os anos 80 e a consolidação de um novo sistema organizado de ideias e práticas neoliberais que reconstruiu a economia política à escala global, desmantelando as construções de natureza colectiva das décadas anteriores, esse pendor foi-se invertendo e o contexto tanto objectivo como subjectivo que tornou possível o SAAL foi desaparecendo. Esse projecto para tornar o neoliberalismo uma forma de pensar e de viver hegemónica foi seguramente acompanhado pelo esforço em descredibilizar tudo o que remetesse para a possibilidade de outras formas de vida em comum. Os responsáveis pela construção dessa hegemonia (e pela destruição de tudo o que se lhe oponha) seguiram os seus principais ideólogos na crença de que havíamos alcançado o “fim da História” (Fukuyama) e que para esse zénite capitalista “não existe alternativa” (Tatcher). Ora, se uma das características desse capitalismo tardio é uma intensa especulação financeira em torno do sector imobiliário, o SAAL é uma história que não interessará relembrar. Quanto à sua divulgação fora do país, não sabemos se isso ajudará a revalorizar o processo dentro de fronteiras, mas no melhor dos casos talvez possa fazê-lo chegar a lugares do planeta onde o contexto social e político seja mais propício ao seu acolhimento. Afinal de contas, não esqueçamos que também o programa SAAL encontrou inspiração, à época, em experiências realizadas noutros países…
MF: Contemporizar o programa SAAL, segundo a vossa proposta, passa pela criação de uma plataforma online, intitulada Uma Arqueologia da Utopia / An Archaeology of Utopia. Muita da informação sobre o SAAL tem permanecido sob o domínio de investigação académica e/ou profissional, ocorre-me que de certo modo aquilo que pode parecer algo muito simples tenha na sua génese o mesmo sentido de Serviço das operações do Pós 25 de Abril. Poderiam comentar a partir das motivações que vos levaram a propor esta plataforma?
AU: É bastante interessante essa noção de Serviço, mas comecemos pelo princípio. As motivações para construirmos esta plataforma não serão exactamente as mesmas entre nós, mas partem sem dúvida de um encontro afortunado e de um interesse comum pelo SAAL. No caso da Ana Catarina, esta plataforma é, em certa medida, uma continuidade natural para o extenso trabalho de investigação que tem desenvolvido nos últimos anos e que enquadrou a tese de Doutoramento que defendeu recentemente. Para os restantes, o interesse foi aparecendo de forma mais espontânea e menos estruturada, nomeadamente a partir da descoberta dos bairros construídos em Quarteira e na Meia-Praia, no Algarve, e do interesse que fizeram despertar pela sua arquitectura, assim como pelo modo como existem e resistem actualmente nos meios mais ou menos urbanizados em que se encontram. Nalguns casos, há bairros que nunca foram devidamente estudados ou divulgados, mas que são impressionantes do ponto de vista da sua arquitectura e, em particular, do modo como essa arquitectura trabalha à escala do quarteirão, do bairro, e se propõe a “fazer cidade”, rompendo as fronteiras entre arquitectura e urbanismo. Isso faz com que, mesmo no caso de bairros que foram profundamente transformados, a estrutura original seja ainda legível e, num profundo sentido de conjunto, a sua arquitectura ainda hoje persista.
Ambas as experiências elevaram, em diferentes níveis de profundidade, a consciência sobre o desconhecimento que existe sobre o SAAL, tanto no que diz respeito à amplitude original do programa, como às diferentes evoluções e destinos dos 75 bairros que se construíram à época sob o seu desígnio. Aliás, a vida dos bairros, o modo como estes foram sendo transformados nas últimas décadas, tem adquirido bastante relevância no projecto e é uma questão que raramente se vê abordada em profundidade no domínio da investigação académica e/ou profissional. Nesse sentido, o caso da Meia-Praia é paradigmático e serve-nos para regressar então ao sentido de Serviço previamente referido. Efectivamente, se há algo que o SAAL demonstrou, independentemente das formas e das metodologias experimentadas e que devem hoje ser revistadas com um olhar crítico, foi a necessidade de algo que no domínio da habitação equivalesse ao Serviço Nacional de Saúde e permitisse cumprir, através da organização e resposta colectivas, aquela que é uma das mais importantes conquistas e heranças de Revolução de Abril: o direito a uma habitação digna, para todas e para todos. Essa é uma pré-condição indispensável para uma vida digna, mas a realidade é que ainda hoje não existe e os resultados estão à vista. Segundo dados recentes (de Julho de 2022), obtidos pelos levantamentos realizados no âmbito do programa 1º Direito, 185 municípios já identificaram 52.436 famílias a viver em situações de habitação indigna. Facilmente se imagina que este número será bastante inferior à realidade, se tivermos em conta que são 308 os municípios que constituem o território português. O estado de degradação material em que se encontra o bairro da Meia-Praia, assim como a incerteza quanto ao seu futuro, adquirem assim uma dimensão simbólica e demonstrativa da urgência em criar tal serviço. Infelizmente, e num momento em que organizações e partidos de esquerda discutem a relação entre uma habitação digna e a saúde pública, tudo isto é sintomático do estado em que nos encontramos. É tristemente irónico que não só não estejamos próximos da criação desse Serviço como, pelo contrário, esteja em curso uma delapidação planeada do Sistema Nacional de Saúde.
Se há um sentido para esta plataforma, esse poderá ser o de demonstrar que há efectivamente um sentido de Serviço público, que foi conquistado pela Revolução de Abril, mas que em várias áreas está cada vez mais em perigo e que é urgente reconquistar. Por outro lado, e para concluir, ao destacar as qualidades originais dos projectos, do modo como eles foram e continuam a ser construídos, estamos a assumir que uma importante conquista desse Serviço, tal como existiu durante o SAAL, foi a de procurar uma coincidência entre o Direito à Habitação e o Direito à Arquitectura, à Cidade. Afinal, uma casa digna não é só um tecto com quatro paredes. É a qualidade das relações que se estabelecem no seu interior, mas é também a possibilidade de expandir a casa para o exterior, rumo à construção de uma vida em comum. Não foi por acaso que em vários casos houve esforços (e nalguns bem-sucedidos) para incluir nos projectos dos bairros infra-estruturas colectivas, tais como escolas, infantários, bibliotecas…
MF: Considero muito interessante no contexto do vosso exercício de curadoria a criação de diferentes tipos de ‘chaves’ para o entendimento das Operações SAAL, em particular, o trabalho de alguns artistas. Poderiam falar-nos um pouco sobre esses artistas e/ou obras?
AU: Quanto a essa questão, nunca foi o objectivo dar particular relevo às obras de arte produzidas sobre o SAAL. Como é referido, existirão na plataforma vários tipos de “chaves” – de carácter informativo, ensaístico, científico, artístico, etc. – que abrem perspectivas diversas sobre o processo, sobre a sua história e sobre o modo como ainda hoje esta continua a fazer-se. O principal objectivo, portanto, é fazê-las habitar num mesmo plano, sem particular hierarquia ou divisão tipológica, para que isso permita a quem a visita colocá-las em contacto, curto-circuitá-las e, eventualmente, estabelecer a partir daí novas perspectivas, como é o caso do trabalho de investigação fotográfica que está a ser desenvolvido pelo Francisco. Em última instância, o objectivo de todos esses materiais é despertar o interesse em visitar e re-visitar esses bairros e a sua história. Aliás, é talvez o momento para lembrar que estamos ainda muito no início do seu desenvolvimento e é suposto, porque foi concebida como tal, que esta seja uma plataforma aberta e em permanente construção. E, portanto, gostaríamos que as pessoas se venham a envolver e que tenham vontade de contribuir activamente para a sua evolução…
MF: Como é que vêem os processos de auto-construção — e não me refiro à evolução das tipologias previstas nos projetos originais —, i.e., o que é que temos a aprender, para o bem e para o mal, em termos do que pode ser a autoria do projeto de arquitetura, com quem habita os bairros SAAL?
AU: Por um lado, a questão da auto-construção é sempre ambígua, contraditória até. Essa forma de organização pode remeter para processos que sugerem a emancipação das populações em causa, mas pode também remeter para o seu contrário, ou seja, para uma condição de precariedade tanto nos meios como nos resultados. Ou, como consideravam algumas pessoas na altura, remeter para uma situação de “dupla exploração” dos moradores, que não deveriam ver-se obrigados a trabalhar uma segunda jornada para poder usufruir de uma casa e de uma vida dignas. Esse debate não é de agora, como nos demonstra a história do próprio processo. Aliás, à época foram adoptadas soluções diferentes que incluíam a auto-construção prevista por decreto, conforme se consideravam mais apropriadas às condições objectivas e subjectivas de cada organização de moradores.
Por outro lado, há este conjunto de novas camadas que os habitantes construíram gradualmente em vários bairros: desde simples ornamentos que foram sobrepostos aos projectos originais – de arquitectura tão despojada quanto económica – e que remetem para uma certa vontade de expressão pessoal e colectiva (sublinhamos colectiva, uma vez que muitos destes ornamentos evocam uma certa imagem da arquitectura popular, de carácter anónimo) às ampliações que foram sendo realizadas para responder a novas (ou velhas) necessidades, como, por exemplo, o crescimento da família ou a simples vontade de cobrir um espaço exterior para crescer uma cozinha ou conquistar uma lavandaria, ou ainda ao revestimento das casas com materiais que permitam uma melhor eficiência energética. Nalguns casos, sobretudo quando existe ainda uma forma de propriedade colectiva ou uma associação de moradores empenhada, essa transformação é feita em conjunto, ou seguindo princípios estabelecidos pela associação. Noutros casos, essas transformações vão sendo feitas mais caso a caso.
Contudo, em ambas as situações, talvez seja mais justo falar de auto-concepção do que propriamente de auto-construção, uma vez que se pode assumir que em muitos destes casos não terão sido os habitantes, com as suas próprias mãos, a construir essas modificações. Aí, sim, há um interesse particular da nossa parte em considerar que também estas transformações fazem parte do próprio processo. Ao fazê-lo, o objectivo não é o de formular um juízo negativo sobre essa espécie de arquitectura selvagem (numa referência ao “pensamento selvagem” de Lévi-Strauss), que para a maior parte dos arquitectos e arquitectas constitui imediatamente um desrespeito pela autoria e pelas qualidades do projecto original. Pelo contrário, essas transformações constituem uma espécie de lente a partir da qual podemos revisitar os projectos originais e reflectir criticamente sobre conceitos como o de autoria individual vs. colectiva, ou sobre as consequências (positivas ou negativas) e as potencialidades de entender o projecto enquanto “obra aberta” (Eco). Ou então, por exemplo, de voltar à reflexão sobre a necessidade de um Serviço que possa prestar, a esta vontade ou necessidade de transformar os bairros, um apoio não só de natureza económica como técnica.
MF: Falem-nos um pouco agora especificamente sobre a metáfora da arqueologia por vocês encontrada.
AU: A metáfora da arqueologia acompanha-nos desde o momento em que formalizamos pela primeira vez o nosso interesse comum e tem algo que ver com o que acabamos de discutir na pergunta anterior. Na verdade, a noção de arqueologia faz referência a uma passagem de Walter Benjamin, que em “Escavar e Recordar” concluía que “um bom relatório arqueológico não tem apenas de mencionar os estratos em que foram encontrados os achados, mas sobretudo os outros, aqueles pelos quais o trabalho teve de passar antes.” Nesse sentido, e considerando o processo SAAL como algo que está ainda em curso nalguns lugares, a arqueologia diz respeito ao interesse metódico (ou até metodológico) por todas essas matérias e acontecimentos que precederam e sucederam os projectos de arquitectura realizados pelo SAAL durante a Revolução de 1974-75.
MF: Como nos estão a dar a conhecer, nada há de saudosista na vossa proposta, sinto antes, o retomar da continuidade desse desejo de continuar a viver em conjunto — tema da última Bienal de Arquitetura de Veneza — que todavia sempre encontrou, encontra e encontrará ao longo da nossa caminhada coletiva, agentes de corrupção nos contextos mais inesperados, e tantas vezes por “servidão voluntária” (La Boétie). Poderá o desenterrar desses extratos — ou um aprofundamento do SAAL — sob a luz do nosso presente, revelar-nos o quão, realmente, desejamos viver em conjunto, e que lutos (e não tanto lutas) teremos que voluntariamente fazer?
AU: Num contexto como o de hoje, em que se leva já algumas décadas de progressivo empobrecimento e desmantelamento das mais importantes conquistas da Revolução de Abril, como é o caso do SNS, talvez seja de facto importante fazer alguns lutos para poder levar a cabo com mais vigor as lutas fundamentais. Nesse sentido, o primeiro luto a fazer será precisamente o da Revolução de Abril e de algumas das conquistas que, entretanto, foram revertidas. Mesmo dentro da herança material que foi deixada pelo programa SAAL é possível compreender do que falamos quando falamos em reverter. Uma das importantes características que permitia uma governança mais democrática do processo e da vida dos bairros era a sua propriedade colectiva e, numa boa parte dos bairros, essa estrutura e esse regime de propriedade foi já transformado com a venda das casas. No fundo, é preciso reconhecer que esse que foi o maior salto em matéria de direitos sociais da história de Portugal está a sofrer uma morte lenta, isto se não quisermos reconhecer abertamente que, num certo sentido, a Revolução de Abril já morreu há muito.
Não é por acaso que alguns dos sectores mais avessos a essas conquistas defendem agora a celebração do dia que assinala precisamente o fim do processo revolucionário: 25 de Novembro. São precisamente esses os sectores empenhados em anular as conquistas alcançadas nesse período e que chegaram até nós, pelo menos numa versão abstracta plasmada na Constituição da República Portuguesa. Com expectativas comedidas, claro, desenterrar esses extractos pode servir para relembrar a ambição colectiva que o povo português já foi capaz de demonstrar num certo período da história e, por comparação, demonstrar que a defesa dos direitos conquistados na altura é uma espécie de programa mínimo. Mínimo, porque o programa desejável seria o de inverter o pêndulo e voltar a caminhar no sentido de retomar o caminho aberto pela Revolução para continuar a aprofundar esses direitos. Obviamente, esta é uma tarefa árdua, porque levamos já mais de quarenta décadas de delapidação desse sentimento de que outra vida em conjunto é possível. Um sentimento que animou a revolução a transformar a realidade material de um Portugal realmente empobrecido e que permitiu pôr em causa princípios hoje tidos como inabaláveis, tais como o da propriedade privada em detrimento da propriedade coletiva. Se dúvidas há sobre a importância desse sentido de possibilidade, bastará relembrar as palavras para relembrar as intenções de uma das principais adversárias: parafraseando Tatcher, a economia foi apenas o método, o objectivo foi transformar a alma. Terá sido precisamente essa estratégia “psicopolítica” (Byung-Chul Han) que voltou a encapsular as massas, agora estilhaçadas, em novas formas de “servidão voluntária”.
MF: Pensando um lugar real ou imaginário, do passado, presente ou futuro, onde é que mapeariam a 76ª Operação SAAL?
AU: Não temos bem a certeza sobre o sentido desta questão. No passado, a 76ª Operação SAAL poderia ter acontecido em qualquer um dos lugares onde os pedidos foram formalizados, as brigadas constituídas, os projectos realizados, mas onde o fim precoce da Revolução significou de igual forma o fim abrupto do processo. Para além disso, e ainda que muitas tenham efectivamente morrido com o fim do programa SAAL, houve um número considerável de operações que mais tarde deram origem à construção de bairros com base nessa mesma organização popular, seja sobre a forma de cooperativas (como o célebre bairro da Malagueira, por exemplo) ou de habitação camarária. Ainda hoje há populações que se organizam para lutar pelo direito a viver em lugares de onde foram desenraizadas. Olhe-se, por exemplo, para o caso dos moradores de São Vicente de Paulo, cá no Porto, que foram expulsos do bairro no mandato do presidente da câmara Rui Rio.
No entanto, a existir no presente, esse lugar será seguramente imaginário. Isto é, só pode ter o sentido de um futuro que ainda está por construir. Isto porque, como vimos anteriormente, o SAAL aconteceu (e só pode acontecer) num contexto histórico muito específico, e que não temos aqui tempo para o descrever em detalhe, em toda a sua real complexidade. Como tal, o programa não teria condições para ser simplesmente retomado, nos mesmos termos, nos nossos dias. Isso parece-nos evidente. É preciso antes construir as condições políticas para que tal possa acontecer. Ou seja, e para concluir de outra forma, a Arquitectura não é capaz, por si, de fazer a Revolução; mas talvez só a Revolução seja capaz de criar condições para que se faça arquitectura de outro modo.
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An Archaeology of Utopia é uma plataforma digital que pretende agregar registos documentais, artísticos e ensaísticos dos 75 bairros construídos durante o período revolucionário ao abrigo do Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), e que resultaram do esforço intensivo e colectivo de um povo que reivindicou um direito fundamental: uma casa, um bairro e uma cidade dignos, para todas e para todos. Actualmente, é coordenada por Ana Catarina Costa, Francisco Ascensão, João Paupério e Maria Rebelo.
Ana Catarina Costa (1985), é arquitecta e investigadora do CEAU-FAUP (ATPH). Realizou o seu doutoramento sobre o Processo SAAL desenvolvido no Porto. O seu campo de investigação tem-se centrado em questões habitacionais e na relação entre arquitectura, cidade e política.
Francisco Ascensão nasceu no Porto (1991). Enquanto arquitecto, colabora com Nuno Brandão Costa e é autor de projectos próprios. Enquanto fotógrafo, desenvolve projectos pessoais e colabora com ateliers de arquitectura e instituições em projectos comerciais e editoriais.
João Paupério nasceu em Valongo (1992). Fundou o atelier local e é actualmente investigador no CEAU-FAUP [MDT]. Entre outras actividades e pessoas, escreve e projecta com Maria Rebelo desde 2014.