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O MUNDO NA MÃO
ANTóNIO COXITO
Não sinto o teu corpo que toco, não sinto este teclado, sinto apenas as pontas dos meus dedos.
A fenomenologia encerrou-nos neste paradigma, a tecnologia tem-lhe dado razão.
Neste mundo onde o hedonismo ganhou o estatuto de direito adquirido e sendo a sua via eminentemente carnal, o designer vê-se na contingência de ter de dominar outros sentidos para além do da visão, a começar pelo tacto, para comunicar. Não me refiro aqui à percepção das texturas dos materiais em design de equipamento mas à interactividade virtual táctil (imaterial mas não intangível), que requer alguns conhecimentos de programação informática.
Esta tecnologia encontra-se presente nos monitores de tablets e de smartphones mas, mesmo estes, dentro em pouco se desfarão no ar fino, deixando-nos apenas as pontas dos dedos para confirmarmos a existência das coisas.
Desde 1991, ano da primeira página da World Wide Web no CERN, que a componente gráfica deste design evoluiu mas também os seus conceitos, objectivos e influência sobre a leitura do mundo.
A crueza do layout devia-se principalmente à elementaridade das ferramentas (HTML) e à velocidade de transferência (na altura, um modem de 56k era topo de gama) que limitava o peso dos documentos.
Durante a primeira década deste século o Flash veio trazer animação à web, permitindo construir uma interactividade mais rica e com movimento, sem a limitação dos tipos de letra a serif, sansserif e monospace, sugerindo que o HTML era uma linguagem elementar demais para seduzir. Apesar da grande evolução das fontes Post Script nesta altura, a sua aplicação limitava-se ao print. Houve, durante esse período, grandes autores de new media que conjugavam a sua formação gráfica com fortes conhecimentos de programação. Foi o caso de Joshua Davis e a Praystation ou de James Patterson e a Presstube.
Uma das características dos documentos em Flash era a de ocultarem o código (mesmo o documento que se colocava online, o .swf, era uma compilação do código escrito no documento de edição, o .fla) o que, na altura, lhes conferia um ar sofisticado.
Um factor que veio encurtar a vida ao Flash foi a decisão de Steve Jobs de dificultar a sua leitura pelos touch devices da Apple (IPhone e IPad). Apresentou como razões o peso dos documentos mas principalmente a sua capacidade para transportarem dentro de si informação que poderia ser danosa para o utilizador. Ainda hoje, se tivermos as configurações de segurança elevadas, ao abrir um documento gerado por Flash (.swf, .flv, .f4v) que tenha sido descarregado da web, aparece o aviso de que se trata de uma aplicação.
Actualmente, apesar de ainda se escreverem websites em Flash, esta tecnologia encontra-se mais presente em banners animados ou, no canto oposto, em aplicações sofisticadas como jogos, que tiram partido da potente linguagem ActionScript.
Outra razão que levou à perca de terreno por parte do Flash foi a sua maior dificuldade de entrosamento com as Bases de Dados (BDs). Este tema das BDs, que era um tema apenas para programadores e de utilização restrita há duas décadas, confunde-se hoje com o próprio significado de informação e é de domínio mais acessível para os designers. A principal razão para esta abertura da tecnologia foi a procura. Tudo usa BDs. Tudo está em BDs. Já poucas situações fazem sentido se forem apenas estáticas.
Desde as simples BDs implícitas num query de PHP até à gestão de notícias ou de stocks por mySQL, tudo isto são ferramentas do webdesigner, sem as quais o seu trabalho online não passará de uma página solta com pouca ligação ao resto do mundo. Mas ainda assim, é necessário ter algumas bases de programação.
Como tal, o HTML regressou em força (apesar de nunca ter deixado de ser a base de todas as páginas web) pela sua fácil conexão com BDs. Mas agora com ferramentas que lhe conferem outro dinamismo, como o CSS3 e Javascripts incorporados no HTML5. No CSS3, particularmente com a introdução dos módulos transform associado ao módulo transition, o dinamismo de uma página HTML nada fica a dever aos produtos flashy da década passada, mantendo a sua crueza característica que é agora o novo sinónimo de sofisticação.
Todos nós aprendemos na escola primária as bases desta programação: aprendemos um código extremamente complexo (a língua portuguesa) e aprendemos o sentido de somar, subtrair, multiplicar e dividir. Depois aprendemos a reunir e a interseccionar. Aos poucos fomos aprendendo a criar prioridades. Programar é apenas isto. Organizar numa linguagem simples o sentido de uma questão. A sua sintaxe é ao nível do SMS, e cada ideia cabe num tweet. Não se trata, portanto, de algo restrito a nerds e nos antípodas do trabalho criativo.
Não é possível desenhar para o espaço virtual/interactivo/táctil apenas fornecendo os desenhos, sem conhecer o seu ritmo. Longe vai o tempo em que o designer entregava ao webdesigner uma sequência de quadros em PDF para este os plasmar em HTML ou em Flash. A aplicação do design a um suporte interactivo não é apenas a sua digitalização ou modelação 3D para inserção em páginas virtuais, como se de um catálogo em papel se tratasse. Apesar das facilidades que os interfaces WYSIWYG (What You See Is What You Get) entretanto conferiram, construir para a web é definitivamente uma forma específica de reflectir e de montar.
Tudo aquilo que hoje é desenhado tem de considerar (pelo menos) duas novas dimensões.
1) o tempo (tal como num filme, há sequências que introduzem uma narração)
2) a interactividade (o tempo em várias direcções)
A única forma de o fazer é com novos códigos libertos da tirania do discurso linear: são os códigos para a web. O movimento, que reflecte o tempo e o cinema. A interactividade, que importa ao comportamento. A tecnologia táctil, que introduz a coreografia no espaço virtual com a ponta dos dedos.
António Coxito
Arquitecto pela UAL. Encontra-se a desenvolver doutoramento na Universidade de Évora nos moldes research by design, através da construção efectiva de uma utopia em Vila Velha de Ródão.
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[o autor escreve de acordo com a antiga ortografia]