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ARQUITETURA E DESIGN




Cartaz da exposição Primeiras Impressões de uma Paisagem, de João Nisa. © João Nisa e Solar – Galeria de Arte Cinemática


Vista da exposição Primeiras Impressões de uma Paisagem, de João Nisa. © João Nisa e Solar – Galeria de Arte Cinemática


Vista da exposição Primeiras Impressões de uma Paisagem, de João Nisa. © João Nisa e Solar – Galeria de Arte Cinemática


Vista da exposição Primeiras Impressões de uma Paisagem, de João Nisa. © João Nisa e Solar – Galeria de Arte Cinemática


Vista da exposição Primeiras Impressões de uma Paisagem, de João Nisa. © João Nisa e Solar – Galeria de Arte Cinemática


Vista da exposição Primeiras Impressões de uma Paisagem, de João Nisa. © João Nisa e Solar – Galeria de Arte Cinemática

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JOÃO NISA E AS 'PRIMEIRAS IMPRESSÕES DE UMA PAISAGEM'

DASHA BIRUKOVA


  

 


«Na estética transcendental, por conseguinte, isolaremos primeiramente a sensibilidade, abstraindo de tudo o que o entendimento pensa com os seus conceitos, para que apenas reste a intuição empírica. Em segundo lugar, apartaremos ainda desta intuição tudo o que pertence à sensação para restar somente a intuição pura e simples, forma dos fenómenos, que é a única que a sensibilidade a priori pode fornecer. Nesta investigação se apurará que há́ duas formas puras da intuição sensível, como princípios do conhecimento a priori, a saber, o espaço e o tempo, de cujo exame nos vamos agora ocupar.» [1]

A esta experiência de contemplação/intuição, da intuição externa para o sentido interno, dedicou-se precisamente a exposição “Primeiras Impressões de uma Paisagem”, de João Nisa, que esteve patente na Solar – Galeria de Arte Cinemática (Vila do Conde) até dia 2 de Maio. Seis projecções vídeo de paisagens foram extraídas dos materiais que o artista filmou no interior do Aqueduto das Águas Livres de Lisboa como parte de um projecto mais abrangente. Este baseia-se na ideia de que a especificidade da arquitectura do aqueduto torna possível a sua utilização como uma camera obscura, de modo a projectar a paisagem vista através das suas janelas sobre a parede oposta. Esta forma de produção de imagens é, em última análise, mecânica, não envolvendo decisões artísticas propriamente ditas, sendo a escala dos enquadramentos determinada pela estrutura do aqueduto. Trata-se de uma forma científica de registar um objecto, do modo racional de estudar a paisagem que era tão importante para o movimento impressionista. É de notar que a invenção da camera obscura trouxe a possibilidade de aproximação ao realismo da forma através da utilização da perspectiva na pintura, mantendo o equilíbrio com o seu simbolismo. A perspectiva permitiu aos artistas criarem a ilusão de um espaço tridimensional no qual o olho percebia os objectos do mesmo modo que na realidade. Os registos vídeo da paisagem que vemos na exposição deveriam proporcionar essa ilusão de realidade mas, como as vistas das janelas se projectam sobre as paredes de pedra, cria-se uma sobreposição natural de duas camadas visuais (a paisagem e a parede), que se assemelha a uma antiga pintura atravessada por movimento.

Neste sentido, a “ondulação das folhas agitadas pelo vento” [2], de Kracauer, adquire um significado diferente quando a imagem vídeo imita uma pintura a óleo escurecida ou um daguerreótipo, transformando-se esse movimento num acontecimento fantástico. O subtil entrelaçar do movimento na paisagem impressionista cria aquela aura de estranheza pela qual os artistas do Romantismo tanto se empenharam, afirmando o culto da natureza, a sensualidade e o gosto do infinito. Esta combinação visual de materialismo e romantismo encontra-se na base das “Primeiras Impressões de uma Paisagem” de João Nisa.

A estrutura temporal das projecções vídeo baseia-se no ritmo do movimento no interior do enquadramento, o qual, de algum modo, nos remete para o conceito de photogénie, de Louis Delluc – ideal cinematográfico dificilmente articulado desde a primeira vanguarda francesa. O vento nas árvores, os animais errantes nos campos verdes, ou os carros que atravessam a paisagem, assemelham-se a uma alucinação no interior de uma pintura. Estas alusões diferenciam a contemplação da paisagem no trabalho de João Nisa, no qual a existência humana é retratada como staffage, em relação, por exemplo, ao registo materialista de “Small Roads”, de James Benning, em que este pretendia investigar a relação entre o homem e a natureza. Trata-se aqui de um tipo diferente de cinema estrutural, que se concentra na contemplação repousante do tempo.

As projecções vídeo de “Primeiras Impressões de uma Paisagem” combinam dois fluxos de tempo – o movimento no interior do enquadramento, como medida da duração, e a sobreposição das duas camadas visuais, que cria o efeito de uma imagem antiga, pátina de tempo que parece anacrónica no espaço do vídeo. Estas imagens poderiam ser consideradas sentimentais se não fossem o resultado de um estudo científico altamente materialista da paisagem, tendo sido produzidas por uma camera obscura no interior dos limites arquitectónicos do aqueduto.

A banda sonora das projecções resulta da combinação do som interior e exterior do aqueduto. Esta componente de áudio pouco óbvia não ilustra aquilo que ocorre nos vídeos, antes cria uma aura alienada, a qual, segundo as palavras de João Nisa, pode mergulhar o público num estado de espírito meditativo, dando-lhe a possibilidade de se concentrar na contemplação repousante da paisagem. E como a intenção principal do artista é estimular a percepção da paisagem no público, o que constitui algo mais empírico do que uma emoção, o processo de contemplação é a forma mais eficaz de alcançá-la. A percepção é uma forma de experienciar as coisas, tal como refere Stan Brakhage no seu livro “Metaphors on Vision”: «Imagine um olho não governado pelas leis da perspectiva elaboradas pelo homem, um olho sem preconceitos de lógica composicional, um olho que não responde ao nome de todas as coisas, mas que deve conhecer cada objecto encontrado na vida através de uma aventura da percepção.» [3]

Voltando a Kant, o que vemos em “Primeiras Impressões de uma Paisagem” são as formas puras da intuição sensível – espaço e tempo. Dado como conhecimento empírico, o continuum espácio-temporal das paisagens de Nisa enquadra-se na estética fortemente sensorial que aproxima a matéria do documento vídeo de uma obra de arte simbolizada. Além disso, «do ponto de vista teleológico, contemplar a natureza ajuda-nos no nosso caminho para a cultura, ou seja, através do cultivo estético, tornamo-nos melhores e mais belos ao nível espiritual». [4]

 

 

 

Dasha Birukova
Curadora e escritora sediada em Lisboa. Formou-se na Universidade Estatal Russa para as Humanidades, Moscovo, departamento de história da arte, e na Universidade Estatal Russa de Cinematografia (VGIK), Moscovo, departamento de história do cinema. As suas especialidades são o filme experimental, o vídeo e a media arte. 


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Notas

[1] Immanuel Kant. Crítica da Razão Pura. Fundação Calouste Gulbenkian, 2018. P. 63.
[2] Siegfried Kracauer. Theory of Film: The Redemption of Physical Reality. Princeton University Press, 1997. P. XLIX
[3] “Imagine an eye unruled by man-made laws of perspective, an eye unprejudiced by compositional logic, an eye which does not respond to the name of everything but which must know each object encountered in life through an adventure of perception.” Stan Brakhage. Metaphors on Vision, 1963. Film Culture Inc.: USA.
[4] Valentina Hribar Sorčan. A Concept of Contemplation in Kant’s Aesthetics and Its Criticism in Contemporary Aesthetics. 2018. Humanities Bulletin, Volume 1, Number 1. P. 5.