|
APRENDER COM A PASTELARIA SEMI-INDUSTRIAL PORTUGUESA OU PORQUE É QUE SÓ HÁ UMA RECEITA NO LIVRO FABRICO PRÓPRIO
PEDRITA (RITA JOÃO + PEDRO FERREIRA), FREDERICO DUARTE
O nosso artigo “Pirâmide, the cakes of cakes. No, really.” (www.fabricoproprio.net/press/sugo/) foi publicado na revista italiana Sugo (www.sugomagazine.com/eng/issue03.html) em Dezembro de 2005. Foi a partir deste texto – e das duas vistas de uma Pirâmide (frontal e corte longitudinal) que o acompanharam – que começámos a pensar sobre o que mais tarde chamaríamos de design da pastelaria semi-industrial portuguesa. Respondemos hoje ao convite da Artecapital para pensar no que aprendemos com este universo, olhando para trás e registando algumas das surpresas, observações e descobertas com que nos deparámos ao longo dos últimos três anos. Para isso, escolhemos comentar, responder e ilustrar algumas das coisas que ouvimos, dissemos ou lemos enquanto trabalhámos no projecto Fabrico Próprio.
O croissant é, para mim, mais do que um bolo, um objecto de desejo. Como tal, procuro sempre encontrar o melhor. Ultimamente tenho andado pelo Porto e já experimentei os da Ribeiro, da Maurícia, da Dallas e da Doce Mar. Não tenho dúvida: os melhores são os da Doce Mar. Peçam um acabadinho de sair do forno e deliciem-se… Em Lisboa, não há como os de massa folhada do “Careca” (Pastelaria Restelo). Quando ainda estão quentes ou mornos são uma perdição. Já cheguei a comer 4 de uma vez! Conheço-os há muitos anos e ainda não encontrei melhores.
A expressão Fabrico Próprio há muito que faz parte do vocabulário dos portugueses e da paisagem do nosso país: tal como Hugo (www.fabricoproprio.net/bolos-cakes/croissant/), um dos visitantes do nosso site, não há português que se preze que não admita gostar de bolos de pastelaria. Além disso, podemos encontrar estas duas palavras em qualquer sítio que fabrique e venda bolos em Portugal. Mas quando três designers escolhem esta expressão para o título de um projecto cujo subtítulo é O design da pastelaria semi-industrial portuguesa, a história complica-se.
Antes de mais, e independentemente de toda a carga afectiva, calórica ou simbólica que um bolo de pastelaria pode ter para cada português, este é para nós um produto de consumo como qualquer outro. É pensado tendo em conta elementos como ingredientes/ componentes, forma (contentor e conteúdo) e acabamento/ decoração, mas também, em termos de embalagem/ apresentação, ponto de venda/ armazenamento, tamanho/ dose, preço/ valor, nomenclatura e contexto de consumo. Todos estes elementos que constituem o produto-bolo são parte integrante dos processos que regem o seu fabrico e consumo, aos quais na nossa opinião se pode aplicar o processo de projecto, ou de design – a chamada metodologia projectual. Foi a partir desta premissa que partimos para uma exploração desta actividade e deste universo, tão importante para os portugueses e para a nossa cultura popular.
O processo de design acontece quando tecnologia, arte e cultura convergem de modo a resolver questões da vida quotidiana. (1)
Partindo desta definição de design da autora Akiko Busch (www.metropolismag.com/story/20051025/book-talk-with-akiko-busch), e assumindo a pastelaria como uma “questão quotidiana”, poderemos pensar no design como um processo que a identifica e problematiza. Foi esse o objectivo principal do nosso projecto, que desenvolvemos em três grandes linhas: 1) investigar, perguntar, descobrir, verificar e apresentar os bolos que compramos e comemos em cafés e pastelarias por todo o país como produtos projectados de pleno direito; 2) compreender de que forma estes produtos resultam de uma cultura e de uma sociedade; 3) promover a reflexão, a discussão e o processo criativo sobre os bolos de pastelaria como possibilidades projectuais para a vida quotidiana em Portugal.
Semi-industrial é um disparate!
Esta exclamação pertence à gastrónoma Maria de Lourdes Modesto (www.editorialverbo.pt/lista_autor.asp?s=86&ctd=93), um entre muitos especialistas com quem falámos na nossa busca sobre as origens, histórias e particularidades dos bolos de fabrico próprio. Após a nossa primeira conversa – na qual não se mostrou particular admiradora deste tipo de pastelaria – disse-nos por telefone que o termo semi-industrial simplesmente não faz sentido. Segundo ela, fabrico próprio é em si um tipo de produção, mais perto do fabrico artesanal, mas que de forma alguma se assemelha à produção industrial. Incluir esta palavra como subtítulo do nosso projecto apenas daria a este tipo de pastelaria uma má reputação.
Esta exclamação não só reforçou a nossa escolha do termo, como também nos exigiu maior rigor na sua definição. Para nós, pastelaria semi-industrial é conjunto de produtos que resultam de um processo de fabrico, condições e características específicas, as quais explicamos em detalhe num dos textos do nosso livro. Os bolos de fabrico próprio, em Portugal, são manufacturados não pelas nossas dedicadas mães ou por idealizadas freiras de um convento, mas por pasteleiros cujas faces e nomes desconhecemos; não são feitos por máquinas, mas com máquinas; não são cópias de um protótipo industrial produzidas ad aeternum, mas sim reproduções de um projecto, uma receita, feitas em número suficiente para encher os balcões de Portugal todas as manhãs; não são raros, sofisticados ou caros, mas sim comuns, banais e acessíveis a todos. E não há nada de errado nisso. Pelo contrário: todas estas características dão origem a um fenómeno único no nosso país que, apesar dos seus muitos defeitos, nos devemos orgulhar.
Estes bolos também não são conventuais, nem regionais, nem tradicionais, nem sazonais, por isso não cabem nas categorias criadas pelos historiadores e especialistas desta áreas – mas isso não quer dizer que não tenham lugar na história, mas sim que a história ainda não foi capaz de os investigar e integrar. Tanto nas palavras de Maria de Lourdes Modesto, como no discurso de outros especialistas e profissionais ligados à culinária e à pastelaria, detectámos um generalizado desdém por qualquer tipo produção industrial (apesar da directa ou indirecta ligação da maior parte deles à indústria alimentar “pura e dura”), que nesta área é quase sinónimo de falta de qualidade e desvio da tradição. A pastelaria que interessa a quem se interessa por ela em Portugal resume-se, com as devidas excepções, à doçaria de produção artesanal e de tradição regional e/ou conventual – cujas histórias e origens estão já tão bem documentadas como validadas. Ao explorar a nossa própria definição, arriscamos o risco e mesmo o erro (até agora, ninguém questionou o nosso termo semi-industrial). Mas só assim assumiríamos a nossa posição e perspectiva sobre esta actividade. Afinal, não somos nem gastrónomos, nem pasteleiros, nem jornalistas. Somos designers.
E quem é o Cristiano Ronaldo da pastelaria? O que vocês querem fazer com este projecto é como fazer um livro sobre futebol sem falar de futebolistas!
Esta foi a observação/conclusão de um representante de uma empresa portuguesa de matérias-primas para panificação e pastelaria que, após duas horas de conversa, nos tentou convencer de que um livro sobre a pastelaria semi-industrial era tão exótico como desnecessário. Para ele, o nosso livro deveria centrar-se nos pasteleiros, deveria ser uma celebração da actividade, dirigida aos seus praticantes. Como muitas outras áreas profissionais (o design incluído), rapidamente descobrimos que também os pasteleiros têm as suas estrelas e ovelhas negras, dogmas e controvérsias... Mas como sempre mantivemos um estatuto de observadores, pudemos ignorar tudo isso e concentrarmo-nos em coisas mais importantes.
Para nossa surpresa, nem este representante nem praticamente ninguém com quem falámos se interessou por esta categoria de produtos, que é o verdadeiro ganha-pão deste grupo de profissionais. Esse desinteresse revelou-se logo numa primeira fase da nossa pesquisa: ao contactarmos o Centro de Formação Profissional para o Sector Alimentar (www.cfpsa.pt/) (que desde os anos 80 forma pasteleiros em delegações por todo o país), um dos parceiros do nosso projecto, percebemos que a grande maioria destes profissionais, tanto presentes como futuros, vê a pastelaria de fabrico próprio como uma mera tarefa diária e inglória. A sua verdadeira ambição encontra-se no que chamamos de vertente artística do ofício, expressa em ‘obras’ como bolos de noiva, construções em chocolate ou açúcar soprado, expoentes máximos de uma ‘arte’ mostrados em competições nacionais e internacionais.
Só em profissionais com outra idade e experiência conseguimos encontrar quem por gosto ainda se dedica a fazer os bolos que nos interessam. Estes profissionais demonstraram também ter uma maior aptidão criativa para, com base no conhecimento adquirido com a experiência, inovar em formas e combinações tão quotidianas quanto surpreendentes. Contudo, foi num tom derrotado que também nos afirmaram que este é um sector em queda, do qual apenas sobra uma pastelaria de luxo, praticada apenas num pequeno número de casas. No que sobra, é hoje difícil observar – e manter – os níveis de qualidade outrora comuns.
A pastelaria de fabrico próprio é hoje uma área da produção económica e alimentar portuguesas mal amada pela própria classe profissional que dela depende. Salvo raras excepções, observámos que esta classe não se encontra preparada para as exigências do cliente (em termos de qualidade, valor nutricional ou apresentação dos produtos) nem mostra vontade em inovar ou repensar o seu modus operandi. E isso nota-se: a esmagadora maioria dos estabelecimentos com Fabrico Próprio (podemos dizer o mesmo dos cafés portugueses) sofre, em termos da qualidade da pastelaria e do conforto das suas instalações (já para não falar em preocupação estética), de uma extrema mediocridade. Ou seja, talvez não haja assim tanto para celebrar, nem profissionais receptivos ou atentos ao que possamos dizer.
Fomo-nos apercebendo que se ao mesmo tempo a pastelaria portuguesa é uma área importante do “viver” e do “ser” português, é também sintomática da falta de orgulho e brio profissional que assola grande parte da produção (semi-)industrial (e também da restauração) portuguesa. E aqui sim, voltamos ao design, como disciplina catalisadora de uma actividade económica e/ou cultural. Ao chamar a atenção para esta área junto do público em geral e ao acrescentar outra perspectiva sobre este universo junto dos seus intervenientes, quisemos também estimular a classe (sobretudo os seus mais jovens profissionais e aprendizes) a ter outro orgulho no seu ofício. Mais do que eleger o Cristiano Ronaldo da pastelaria portuguesa, preferimos acrescentar uma dose de exigência e pensamento criativo (mas também crítico) a esta profissão – já que a própria se mostra infelizmente relutante a fazê-lo.
Quantos quilos engordaram durante o projecto?
Esta foi uma pergunta recorrente nas entrevistas com jornalistas e nos programas de rádio e televisão em que participámos. Nunca poderíamos esperar a cobertura mediática que o nosso projecto teve, mas de certa forma a maior parte dessa cobertura mediática não passou do fenómeno “três jovens designers fazem um livro sobre bolos”.
Raros foram os meios de comunicação social que exploraram os verdadeiros objectivos do nosso projecto, que quiseram saber mais para além do imediato, que pretenderam mesmo questionar a validade ou relevância do nosso projecto. Talvez a pastelaria mesmo seja mais significativa que o design para a imprensa portuguesa, e o valor de novidade mais importante do que o resto.
Apesar disso, é com grande satisfação que vimos o projecto Fabrico Próprio mencionado em publicações de design portuguesas e estrangeiras, um dos nossos textos impresso na revista dos estudantes da Universidade de Arte e Design de Minneapolis (www.mcad.edu/), e o nosso projecto eleito como case-study para um trabalho teórico e uma tese de mestrado, nas Faculdades de Belas Artes das Universidades de Lisboa (www.fba.ul.pt/)e do Porto (www.fba.up.pt/), respectivamente.
Tudo no vosso livro é atípico. Desde a capa, ao preço, até o desconto. Mas sim, estamos interessados em vendê-lo.
A livraria Trama (www.atrama.blogspot.com/) foi o primeiro ponto de venda do nosso livro. Um dos sócios, Ricardo Ribeiro, disse-nos que aceitariam as nossas condições de venda por considerar que esta seria uma “aposta partilhada” pelas duas partes. Cerca de 20 outras livrarias e lojas por todo o país aceitaram também as nossas condições, e o nosso muito pequeno desconto comercial (menos de metade do normalmente praticado), associando-se ao projecto com grande entusiasmo. Infelizmente, muitas outras ficaram de fora por não poderem trabalhar com este tipo de desconto. Contudo, a dificuldade em encontrar financiamento, a obrigatoriedade de pagar à grande equipa que participou no nosso livro e a falta de interesse e vontade de arriscar das editoras que contactámos tornou-nos muito dependentes das vendas de exemplares para equilibrar o orçamento do projecto. Daí termos gerido nós mesmos toda a produção, impressão e distribuição, assim como as vendas – off e online.
O nosso livro foi um sucesso de vendas na Trama durante a maior parte do ano (aposta ganha, Ricardo), e o livro mais vendido no Natal de 2008 na loja Vida Portuguesa (www.avidaportuguesa.com/). Enviámos livros Fabrico Próprio para destinos tão longínquos como Vancouver, no Canadá, Curitiba, no Brasil, ou Sapporo, no Japão. Dos 1500 exemplares impressos sobram, em Janeiro de 2009, menos de 200. Esperamos escoar os que faltam durante o primeiro semestre do ano, e quem sabe encontrar uma editora que queira fazer outra edição e iniciar outra fase do projecto.
No entanto, poderíamos ter sido mais bem sucedidos, se apenas soubéssemos como. Aprendemos muito com as expectativas de editores, livreiros, comerciantes e compradores – e claro, dos designers com quem trabalhámos, o Atelier Carvalho Bernau (www.carvalho-bernau.com/) – sobre o livro como produto comercial. Preço/valor, “apelo” da capa, categorias de tamanho e formato (será um álbum, um guia ou outra coisa?), zonas de venda (culinária, design, arquitectura?)... Tudo é discutível, e toda a gente tem uma opinião. Mas no futuro, e se a oportunidade surgir, esperamos estar mais bem preparados para o mercado livreiro português...
Fala da pastelaria? (...) Não fala!? Mas eu pesquisei na internet por pastelaria e encontrei este número de telefone… queria encomendar bolos para uma festa.
Este foi um telefonema real feito para o estúdio Pedrita. Muitas outras encomendas de bolos e sobretudo pedidos de receitas chegaram a nós por telefone, email e pelo no nosso blog, vindos de apreciadores de pastelaria em Portugal e no estrangeiro, mas também de pasteleiros portugueses (emigrados na Suíça, Luxemburgo, França ou EUA) e brasileiros.
A falta de informação existente sobre este tipo de pastelaria e a popularidade do nosso site (www.pedrita.net/) (mais de 70,000 visitas desde Novembro de 2007) fez com que facilmente este se tornasse na primeira entrada indicada pelo Google como resultado de qualquer palavra-chave directamente relacionada com o projecto, e continue uma referência online para tudo o que tenha a ver com pastelaria portuguesa. Vale a pena ler os comentários à fotografia de cada bolo para ter uma ideia dos melhores sítios para comer bolos em Portugal.
O vosso projecto mudou a forma como pensaremos na gastronomia portuguesa e na sua promoção.
Esta afirmação foi talvez um dos maiores elogios ao nosso trabalho. Querendo apenas salientar a ênfase na promoção de uma imagem renovada e contemporânea de Portugal, o Dr. Alberto Marques, um dos nossos interlocutores junto do Instituto do Turismo de Portugal (www.turismodeportugal.pt) (entidade que apoiou financeira e logisticamente o projecto), disse-nos que o nosso projecto se destacava pela sua originalidade e ambição, na abordagem da gastronomia e da cultura portuguesas.
O convite feito pelo Congresso Nacional de Profissionais de Cozinha (www.congresso-cozinha.com/docs/default.asp) para fazermos uma comunicação sobre o projecto – a qual teve lugar no dia 15 de Outubro de 2008 e marcou o fim oficial do projecto – foi também um sinal desse reconhecimento; este chegou ainda de outras entidades oficiais, como a Direcção-Geral das Artes (www.dgartes.pt/) (cujo programa de Apoios Pontuais tornou o projecto possível), o Centro Português de Design (www.cpd.pt/), a Aicep – Portugal Global (www.portugalglobal.pt/CmsAPI/AICEP/index.html), o Ministério dos Negócios Estrangeiros (www.mne.gov.pt/mne/pt/) e as Embaixadas de Portugal em Londres, Estocolmo e Tóquio.
Tentámos estabelecer, desde o início, o maior número possível de laços com outros agentes culturais, comerciais, e institucionais, assim como da comunicação social. Fizemo-lo para garantir o sucesso do nosso projecto, mas também para “agitar” o próprio meio do design em Portugal. O workshop e exposição que realizámos no MUDE – Museu do Design e da Moda de Lisboa (www.mude.pt/) foram exemplos disso mesmo. Podíamos tê-los feito sem esta instituição, mas quisemos ir mais longe e desafiar este que é o único museu de design do país. Juntos, tivemos a oportunidade de mostrar uma das muitas faces da actividade a que o museu se dedica, que vai muito para além da colecção deste futuro museu municipal com abertura prevista para 2010.
… fiquei muito triste e desiludida, pois vós mencionáveis que tinha as receitas, e quando abro o livro vejo que não tem quantidades de cada ingrediente nem modo de preparação completo. Acho que seria pertinente advertirem as pessoas para esta situação no vosso site, de modo a que não haja margem para confusões…!
Depois de ter encomendando e recebido o livro “Fabrico Próprio”, Sofia Feliciano enviou-nos esta reclamação por email, apesar de explicamos por que é que o nosso livro não tem receitas no nosso site, livro e praticamente em todas as entrevistas que demos. Em primeiro lugar, (quase) ninguém se atreve a fazer estes bolos em casa. Além disso, o esforço de encontrar uma pastelaria com fabrico próprio em Portugal é certamente menor àquele implicado na produção caseira de um Babá ou um Palmier. E em última análise, a maior parte das nossas cozinhas nem sequer dispõem das condições necessárias ao fabrico de muitos deste bolos: o Pastel de Nata, por exemplo, necessita de um forno que chegue aos 400°C.
Nunca nos interessaram as receitas, mas sim o que está para além delas, por isso quisemos fazer não um livro de receitas de pastelaria, mas uma “enciclopédia de bolos”. A secção principal do nosso livro é portanto um compêndio de 92 bolos, catalogados de forma sistemática, onde acrescentámos à fotografia de cada um (ou melhor, de um dos seus espécimes encontrados em várias pastelarias de Lisboa e Porto) os respectivos nomes, histórias e curiosidades. Para tal, tivemos que desbravar terreno desconhecido e arriscar a especulação – quando não a ficção – ao apresentarmos os dados encontrados sobre cada um destes bolos, por não termos encontrado qualquer tipo de documentação ou informação sobre a maior parte deles. Pudemos fazê-lo por não sermos historiadores, nem gastrónomos, nem profissionais da pastelaria.
Apesar do nosso livro incluir mais de 30 pessoas (www.fabricoproprio.net/equipa-team/) de variadas qualificações profissionais, este projecto foi pensado, trabalhado e conduzido por três designers portugueses, que escolheram operar num campo que à primeira vista não lhes pertencia: para além da Rita gostar de fazer bolos em casa e de nós os três gostarmos de os comer, nunca soubemos muito sobre este ofício, nunca tivemos qualquer formação em pastelaria, nunca sentimos vontade em aprender ou praticar esta profissão. Mas isso não nos impediu de perguntar, investigar, discutir e mesmo experimentar o que é ser pasteleiro. Como designers que somos, somos também – e por defeito profissional – observadores e curiosos natos.
Além da enciclopédia, quisemos convidar outros profissionais – como uma crítica de arquitectura, um chef, um crítico de gastronomia ou um comissário artístico, jornalistas, fotógrafos, ilustradores, designers gráficos e tipográficos – que nos apresentaram variadas soluções criativas inspiradas por este universo. Mais tarde, voltámos a convidar outro leque de profissionais para pensarem criativamente connosco e projectar novos produtos-bolos. Cerca de 20 pessoas (www.fabricoproprio.net/2008/10/05/expo/) discutiram, esboçaram e propuseram novos “bolos originais”, feitos a partir de novas receitas-projectos, para serem produzidos por todo o país. O processo de tornar estas propostas em realidade está em curso, e esperamos em breve ver e comer novos bolos de Fabrico Próprio.
Em suma, este projecto nasceu com a ingenuidade e entusiasmo própria da nossa profissão, e termina da mesma forma – como uma primeira pista para muitos outros possíveis projectos de design (se alguém quiser saber mais, nós damos alguns exemplos). Nunca quis ser um fim em si, mas o começo de alguma coisa – sendo que a sua continuação não estará sequer nas nossas mãos. Como um bolo de fabrico próprio, a nossa receita é tão fácil de entender como de reproduzir, e nós queremos que ela seja replicada. Foi talvez isso mesmo que quisemos provar com o projecto Fabrico Próprio: que o design é uma disciplina transdisciplinar, que nunca trabalhamos sozinhos, que os resultados da nossa profissão afectam muitas outras, e que todas as outras actividades afectam e dão significado à nossa. Poderemos assim concluir com mais uma das coisas que ouvimos e lemos, desta vez do autor e crítico de design americano Ralph Caplan (www.aiga.org/content.cfm/noahs-archives-whats-the-difference). A nosso ver, ilustra na perfeição o que consideramos ser as o design de possibilidades da pastelaria semi-industrial portuguesa.
O designer está em relação ao mundo como um paradigma do ser humano em respeito à civilização. Ou seja, os seres humanos encontram-se menos bem preparados a qualquer ambiente específico do que a maioria dos animais que nele vivem. Mas por não pertencermos a sítio nenhum, conseguimos viver quase em qualquer lugar, incluindo ambientes onde outros animais não conseguem viver. Por que os designers não são especialmente treinados em nenhum campo em particular, eles conseguem operar numa grande quantidade de campos, e essa adaptabilidade é crucial. (2)
Frederico Duarte
Depois de estudar design de comunicação em Lisboa, e de ter trabalhado nesta área em Kuala Lumpur e Treviso, Frederico (Lisboa, 1979) integrou a equipa da Associação Experimenta de 2003 a 2006 (tendo desenvolvido trabalho nas areas de comissariado, programação e comunicação na ExperimentaDesign Bienal de Lisboa e noutros projectos). Foi ainda sub-comissário para a área de design de equipamento da exposição [P] Design de Portugal, com mostras em Milão e Lisboa, e comissário do evento Inspired Lisbon, que teve lugar em Fevereiro de 2008 em Lisboa. Desde 2006 tem vindo a escrever sobre design para várias publicações em Portugal e no estrangeiro. Desde Setembro de 2008 integra a primeira turma do mestrado “Design Criticism” da School of Visual Arts, em Nova Iorque.
Pedrita
Rita João (Lisboa, 1978) e Pedro Ferreira (Lisboa, 1978) licenciaram-se em Arquitectura do Design na Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Foram alunos Erasmus, respectivamente, na TU Delft (Holanda) e no Politécnico de Milão (Itália). Em 2002 iniciam a sua actividade na Fabrica — Centro de Pesquisa e Comunicação do grupo Benetton. Após um ano como bolseiros no departamento de design 3D, assumem a gestão de projectos para diversas entidades e empresas multinacionais, tendo vindo a coordenar o departamento em 2004. Regressam a Lisboa em 2005 e sob o nome Pedrita têm desenvolvido projectos multidisciplinares com colaboradores e clientes nacionais e internacionais.
NOTAS
(1) Akiko Busch, The Uncommon Life of Common Objects. Nova Iorque, Metropolis Books, 2004, pg. 16.
(2) Ralph Caplan, in “The Design of Possibilities”, By Design, Nova Iorque: St Martin’ s Press, 1982 (traduzido por Frederico Duarte).