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DES/CONSTRUÇÃO - OS ESPACIALISTAS EM PRO(EX)CESSO
DANIEL MADEIRA E MAFALDA RUÃO
29/10/2020
Workshop com Os Espacialistas. Colégio das Artes © 2020 Vitor Garcia.
A galeria do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra recebe AEIOU: Os Espacialistas em pro(ex)cesso - um modo de desconstruir a desconstrução espacialista da realidade, segundo um jogo operado pelo coletivo de artistas que se baseia na ação infinita de espacializar a palavra e o seu cardume, o conhecimento, numa relação em que objetos e palavras se parafraseiam. Entendemos esta atração pela desconstrução da palavra através dos vários projetos realizados pelo referido coletivo ao longo da sua existência. Vejamos os exemplos “Os Espacialistas na apanha da Matemática” ou “Os Espacialistas na apanha do vazio” ou ainda a forma como desmontam a palavra, tornando-a num acrónimo trans-referencial como por exemplo em “V.I.D.E. - Ver, Imaginar, Desenhar e Espacializar”. Analisemos também o exemplo do “Tijolo Burro” - aqui a forma como se usa a similitude hebraica contida no nome do animal como premissa para a criação artística, e os vários exemplos de subtração/adição de letras a determinadas palavras: bastará aqui a natureza po(i)ética que define Os Espacialistas.
Neste caso, e como referimos acima, a própria desconstrução é desconstruída, e as 5 vogais que servem de título a esta exposição são uma clara prova disso - nascemos num mundo de coisas e palavras. Antes de ser a coisa, a coisa é palavra, caso contrário como a definiríamos enquanto coisa? Como a comunicávamos? Se nos queremos referir à coisa, chamamo-la pelo nome, e o nome é também uma coisa, uma coisa que resulta de um dia alguém ter imaginado que “isto” ou “aquilo” tem de ser nomeado, necessário definir para que se possa falar e entender. Juntou-se então um c, um o, um i, um s e um a e subitamente aquilo virou essa coisa. Talvez não tenha mudado a nossa relação com a coisa, mas certamente mudou a forma de nos relacionarmos com o outro a quem a comunicamos. E a coisa é agora mais do que era: é uma moeda de troca, um fator comunicação, é motivo de relação e uma confirmação do mundo em que vivemos.
Montagem da exposição AEIOU: Os Espacialistas em pro(ex)cesso. Fotografia: Victor Garcia, cortesia Colégio das Artes.
Na atualidade pandémica que vivemos, o espaço onde o objeto é mostrado ganha uma nova camada de leitura. É hoje indiscutível a constante questionação dos objetos que nos rodeiam. Se pudéssemos, perguntaríamos “De onde vens?” ou “Com quem estiveste?” – reflexo deste clima de tensão invulgar na relação com o outro corpo, seja ele inanimado ou não. E neste duelo intermitente de relações, dar a ver os objetos que compõem a ação espacialista é também elevar cada um dos objetos na galeria a um patamar quase sagrado: a estes objetos perguntamos outra coisa, questionamos de outra forma. Não nos interessa de onde vêm, mas sim para onde nos levam; tal como nos revelou a performance espacialista decorrida no claustro, aquando da inauguração da exposição. O rasto de luz norteou a ação de alguns, todavia fomentou um desdobrar de caminhos em todos. Novos espaços surgiram daquele espaço, expandidos para lá de uma génese cúbica no jardim, em múltiplos significados pessoais, meramente impulsionados pela mão espacialista, num loop de r/existências e convergências, nossas e deles, em incessante manifestação. Naquele passado e neste presente: a luz promove a vida, que incita o movimento, que infere a palavra, que nos leva ao entendimento/conhecimento. É evidente que esta sacralização suplanta esta ação espacialista, mas depende igualmente dela: dar a ver um objeto na atualidade é, mais do que nunca, promovê-lo permitindo que a realidade para já congelada na sua definição inicial, se multiplique e nos habite em cada relação espectador - obra.
Daniel Madeira e Mafalda Ruão
Alunos do Mestrado em Estudos Curatoriais do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra.