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NOTAS SOBRE A PRODUÇÃO ARQUITECTÓNICA PORTUGUESA E SUA CARTOGRAFIA NA ARCHITECTURAL ASSOCIATION
GONÇALO FURTADO E PEDRO CASTELO
TRACING PORTUGAL: Emergent Architectural Practices
Posfácio
Em finais de 2004, realizava-se na Architectural Association – a importante escola Londrina reconhecida como um dos mais activos centros de produção e disseminação da cultura arquitectónica - uma exposição centrada na produção arquitectónica portuguesa recente. Sob o explícito título “Tracing Portugal”, esta exposição realizada pelo Exhibition Team da AA com o suporte comissarial e teórico dos autores deste artigo e apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, operava uma cartografia cuja visibilidade se extendia de Inglaterra à comunidade internacional relacionada com a AA. Paralelamente, previa-se a publicação de um livro (bilingue) que incluía um enquadramento teórico pelo comissariado, pequenos textos sobre os arquitectos e projectos expostos tal como a transcrição de entrevistas sobre as suas abordagens projectuais, e uma extensa conversa com Álvaro Siza conduzida por Gonçalo Furtado sobre a arquitectura portuguesa. Embora todo o material tenha sido produzido e editado, e a sua tradução para inglês concluída, tal livro infelizmente nunca (ainda?) chegou a ver a luz do dia. Este artigo baseado no texto de enquadramento de 2004, aproveitando o convite enderessado por um dos editores da “Artecapital”, visa partilhar a supramencionada cartografia com uma audiência especificamente composta por artistas, arquitectos e outros produtores culturais portugueses.
Notas sobre a produção arquitectónica portuguesa e sua cartografia na Architectural Association
“The work of three contemporary practices: AUZProjekt, Atelier de Santos e Pedro Maurício Borges will come under the spotlight in the AA’s Front Members Room. Addressing the current directions of Architecture in Portugal and highlighting the continuities and ruptures of the architectonic production, the exhibition focuses on a new generation of architects and brings their work into a wider European context.
The exhibition is curated by Portuguese architects Pedro Castelo and Gonçalo Furtado and is supported by the Calouste Gulbenkian Foundation.”
(in: Press release text for the “Tracing Portugal” exhibition at the AA, 2004)
A exposição “Tracing Portugal” visou cartografar a dinâmica do actual cenário arquitectónico português mediante a sobreposição de práticas emergentes. Comecemos por afirmar que não existe hoje “Arquitectura Portuguesa”, como provavelmente nunca existiu no sentido de um estilo como mitifica alguma crítica. Portugal é um país com pouca população, geograficamente periférico, mas onde múltiplas culturas sempre operaram marcas, e onde a temporalidade nunca foi linear, sobrepondo-se a saudade do passado e um certo aventuramento desconcertado pelo futuro. Usar tal termo apenas pretende referenciar um sistema de produção, delimitado num espaço e tempo específico, mas que possuirá múltiplas interacções e analogias com outros sistemas. E a produtividade comportada é cartografar as tensões que o actual status do “sistema-Arquitectura”, massivo, multidiscursivo, globalizado e mediatizado, comporta na prática de pequenas geografias culturais. Essa tensão baseia-se em “continuidades” e “rupturas” do próprio sistema de produção (em termos metodológicos, formais e críticos); uma dialéctica permanente e não excluída no actual estado da Arquitectura Portuguesa. Desde a Modernidade, e sua revisão, que o desenvolvimento da disciplina possuiu em Portugal uma interessante hibridez, contaminado por transformações sociais a velocidades diversas numa ditadura que durou até 1974 e vários momentos de erupção disciplinar interessantes (como o “Congresso” dos 40s que congrega todos os profissionais, o Inquérito à “Arquitectura popular” nos 60s que acaba constatando não haver uma Arquitectura Portuguesa, ou o “S.A.A.L.” nos 70s que envolve profissionais e população num programa habitacional, etc.). É importante entender o significado preciso com que Álvaro Siza, o mais influente arquitecto português, utiliza a palavra ”continuidade” na entrevista que realizámos (ao referir-se a Távora e seu legado): como "uma atitude que questionou um espírito latente de conservadorismo e que não convidava o que é novo".(1) Ver “continuidade” não como manutenção do que existe mas como interminável enriquecimento desse, consiste já em si uma ideia de “balanço” que se deve ponderar e de que a obra de muitos arquitectos portugueses é um notável exemplo.
A Arquitectura Portuguesa ficou reconhecida internacionalmente, via escritos de Portas, Bohigas, Huet, Frampton, etc., pela posse de uma espacialidade tectónica e fenomenologicamente experiencial e por um discurso ligado aos mitos do “sítio” e do “contexto”. Surgiu intimamente associada à prática de alguns protagonistas que significativamente cruzaram a sua escola modernista com as espeficidades produtivas locais (ou herdeiros dessa “Terceira via”) e que enfatizaram um método projectual exaustivo capaz de buscar rigor com meios escassos e obter uma linguagem tanto sóbria quanto contextualizada.
Tal modo de pensar e fazer Arquitectura ficou conotado como “Regionalismo crítico”, cunho de Frampton na sua história crítica, que mescla fenomenologia Heideggeriana e Marxismo, para denominar práticas que reflectem os seus meios e possuem em comum a ambição de possuirem autonomia sócio-cultural. Isto é, Frampton produziu um discurso histórico-crítico (1985), delineado perante o avanço da “globalização” e a redução cenográfica por algum do pós-modernismo inicial, que se tornou explicitamente propositivo no seu livro seguinte (de 1995) ao fornecer bases para uma arquitectura com atenção ao lugar e integridade tectónica, e que foi complexificado no seu mais recente livro (de 2002). Paralelamente ao reconhecimento internacional, prosseguia a expansão da “mobilidade cultural" do país, o que também contribuiu para a emergência de posturas diversas num “lugar-collage”.
Num pequeno país, que na opinião de alguns discursos críticos quotidianos, estava dividido arquitectónicamente entre um pólo do Norte e outro do Sul (não só por especificidades geo-culturais mas também supostamente por escolas ideológicas), progressivamente surgia uma maior homogeneidade no que respeita à intervenção profissional e à característica da comissão e sistema produtivo. Mas, também por outro lado, a abertura de um dos “pólos” e a contenção do “outro” pólo fomentariam um lugar pós-modernamente mais maduro e multi-referenciado na inevitabilidade do global. Desde os 80 que a disciplina explode em escolas, quantidade de profissionais e práticas, o que converge numa mediatização massiva da Arquitectura no país. De resto, refira-se, foi este ambiente mediático que, desde há uma década, tem favorecido (mais ou menos criticamente) a visibilidade de novas gerações, progressivamente heterogéneas mas marcadas por um desejo e capacidade explícita de se relacionarem tanto com o mundo da construção como com outras plataformas de debate disciplinar. Na última década a prática abrira-se a referências mais longínquas e conceitos como o de “lugar” tornariam-se algo discutíveis.
Simultaneamente, somos assaltados pela realidade que constatou Álvaro Siza, homem de impressionante humildade desde dentro da disciplina da “Arquitectura Portuguesa” (esse arquivo que a prática fomentou e a crítica construiu), quando conversámos numa manhã chuvosa e sem cigarros: “perante um território delapidado, a importância de uma obra de arquitectura de qualidade é relativa”.(1)
Na perspectiva sob que se organizou esta exposição, a análise desta realidade deveria complementar com pensamentos “pós-estruturais” o "Regionalismo crítico" que informa o discurso estabilizado. Analisar-se as obras de arquitectura também como inscrição-actualização de “modo de pensar” (em abertura e evolução), focando a estrutura-performance do próprio sistema e as relações existentes entre os mundos do projecto e da construção, com vista a ressaltar o “impacto discursivo” de uma comunidade em eminente simulacro espectacular.
Face ao actual momento do sistema-Arquitectura que posturas relativamente à disciplina e meios de produção emergem? Inserem-se elas dentro de alternativas já inscritas?
Esta exposição de Arquitectura Portuguesa apresentou uma selecção de três práticas, “Pedro Maurício Borges”, “Atelier de Santos”, e “AUZ projeckt”, que interactuam no mesmo território social.
Foram seleccionadas pelo significativo contributo que podem ter num debate mais amplo, mas possuem genéticas distintas. Pedro Maurício depois de ter sido identificado como “revelação” permaneceu bastante marginal até receber o importante prémio nacional Secil. O Atelier de Santos foi uma criação necessária de Pedro e Célia após ganharem todos os primeiros quatro concursos em que participaram e em 2004 incluem a representação de Portugal em eventos internacionais. Os AUZ projeckt são uma associação ainda mais jovem de recém licenciados que recentemente foram notados pelas premiações que vem obtendo a sua prática alternativa.
Durante os meses que demorou a concepção desta exposição, para além da escolha das obras e elementos a expor, discutimos também o entendimento que fazem do seu trabalho, do dos outros, e da disciplina. Percebemos que não existia uma “arquitectura portuguesa”, para lá dessa atitude de retirar vantagem de uma condição de escassez produtiva, o que constitui uma marca específica referente a um background histórico-cultural e económico de pertinência para um contexto mais abrangente e internacional. Por outro lado, percebemos que havia uma interessante consciência do contexto nacional, e da diferença das suas posturas (sujeitas a diferentes afinidades, recursos e propósitos), o que permitiria assegurar uma exposição crítica sem ser de tendência.
Pretendíamos que a visita da exposição, para lá de resultar numa leitura de qualidades estritas de obras ou de gerações, revelasse a tensão contemporânea, fomentando uma reflexão sobre posturas e balanços de continuidades e rupturas operadas face a uma condição disciplinar nacional também crescentemente instrumentalizada.
Entender o “sistema da Arquitectura” agora conformado requer focá-la como prática discursiva que fala e é falada num espaço-tempo cultural; e assim, no limite, o que ali pretendemos expor não são obras de arquitectura, ou a sua linguagem e signos, mas os “actos da linguagem” Arquitectura.
A revelação de tais actos faz-se mediante uma plataforma indagadora, que os desfragmentou em vários suportes permeabilizando as suas “margens”; e arqueologia fazendo-os coexistir com discursos institucionalizados e com os “outros discursos”. A possibilidade de uma “receptividade crítica” pretendia ser favorecida pelo asseguramento “escrito” e “falado” (isto é, o suposto catálogo não editado, as entrevistas gravadas e reproduzidas durante a exposição, o debate entre comissários, arquitectos seleccionados e audiência na AA, etc.) de uma temporalidade que resista à voracidade da imediatez mediática. Objectivamente, mais que promover a sucessão atropelada de “gerações” (como frequentemente acontece com análises lineares, catalogadoras e auto-legitimadoras, que cedam as possibilidades de “diagramar” no “arquivo”), apenas providenciamos a possibilidade de um diagrama (pouco mediático mas explícito) de leitura.
As práticas presentes tomam opções de continuidade e ruptura a vários níveis frente do “status contemporâneo” e sistema produtivo da instituição. Num país onde a arquitectura se difunde, onde a "mobilidade“ é um facto, mas que, progressivamente, está tão repleta de oportunidades como de burocracia, de contributo como de servidão e de habilidades pragmáticas, de visibilidade como de bluff. E um país onde por outro lado, (independentemente dos benefícios que pode comportar operar desde dentro da espectacularização mediática) uma parte do mainstream sobre-visível se regozija de ser “globalmente visível” sendo cego a um “território em destruição”.
A retórica da exposição, neste momento em que a nova condição disciplinar em conformação possui um impacto no território físico e social relativamente superficial-estéril, remete para a afirmação da capacidade intelectual e expressiva de propostas arquitectónicas, que mesmo isoladas se revelam importantes para o enriquecimento da prática de arquitectura.
Gostávamos de poder crer, que a assemblagem destas práticas arquitectónicas, que expressam tensões, similitudes e opções conscientes quanto ao que continuar e romper, pode favorecer um debate plural e a delineação de posturas mais conscientes e críticas para confrontar um panorama em institucionalização.
Pedro Maurício foi há uns anos congratulado com o prémio “revelação” e, após ter realizado uma série de exposições e concursos e fixado o seu atelier, foi recentemente alvo de uma premiação merecida e cujo significado como o próprio nos referiu foi impactante (dado constituir um recado explícito à instituição paradoxalmente vindo do próprio mainstream?).
As casas de Pedro Maurício aqui expostas, em termos gerais, parecem manifestar uma atitude não (sobre)-extasiada, que se expressa pela reintrepretação e uso seguro de formas estabelecidas que asseguram uma continuidade sensível com o local.
Mas acentue-se que a nosso ver o que mais “desafia” a prática mitificada em Portugal é a personalidade e atitude projectual de Pedro e que está para lá da aparência de simplesmente mesclar o local com uma abstracção geométrica claramente detalhada.
Pedro contrapõe uma comovente humildade ao elitismo do mainstream, realizando “arquitectura de uma forma muito pragmática”(2) e incluso disponiblizando-se a partilhar a sua autoria com o cliente que inclui na realização do projecto. Segundo Pedro, a Arquitectura parece hoje “desejar mais imagens que fantasiar sobre espaços e sua vivência”.(2) Para ele a Arquitectura deve ser uma “promessa de felicidade”,(2) o que nunca está ausente, mesmo nos colegas expostos, quer seja no stylish dos AS ou como de forma crítica nos AUZ.
Parece certo tratar-se de uma Arquitectura de continuidade, mas a formação dessa opinião deve contemplar o contexto cultural em que se insere e de onde é lida: ainda que no continente estas casas possam ser vistas como obras de continuidade, no contexto periférico de uma ilha a meio do Atlântico são percepcionadas como uma grande ruptura, o que demonstra logo a “volatilidade” do par signo “continuidade-ruptura”. Independentemente deste aspecto, não deixa de conotar uma postura precisa, a proposta de uma arquitectura que reencontre na prática profissional a comunidade e a vida. Para Pedro “A Arquitectura deve ser mais um serviço do projecto e construção conformado pelas condições e oportunidades presentes”,(2) e não a generalizada “competição de objectos [...movida pelo] complexo de não estar up to date, de ficar fora do mundo”,(2) que mesmo sem meios frequentemente produz resultados artificializados. Embora ironize reduzindo a dimensão política da sua arquitectura ao controle do processo construtivo, onde começa “por seduzir o encarregado da obra” e procura no fim prometer uma “vida mais feliz” ao cliente (2); o facto de ousar obter resultados arquitectónicos muito semelhantes aos “institucionalizados” sem a sobredeterminação de um processo projectual obsessivo, não deixa de constituir polémica. Como o desconforto silencioso em que a crítica esteve envolvida aquando da sua obra, um pouco fora do “mainstream”, ter obtido uma premiação geralmente conferida a “carreiras”.
O Atelier de Santos, do ponto de vista de uma análise meramente formal, parece constituir um balanço das outras duas práticas no que se refere a “continuidades” e “rupturas”, propondo linguagens graficamente ricas e tectonicamente expressivas, que oscilam entre diálogo e contraste com o existente. Mas o que a nosso ver é interessante no Pedro e na Célia é curiosamente a mescla que fazem de um pragmatismo saudável tipo Pedro Maurício com uma conceptualização tipo AUZ.
Os AS, apesar de formados na mesma escola (mas com experiências profissionais que vão da Ásia à Holanda), procuram um método “mais táctico”, que privilegie “a ideia” e que pondere no que é que pode transformar com certo resultado.(3) Assumem a humildade da dúvida incluso quanto à linguagem resultante (verifica-se uma heterogeneidade quando comparamos estas com outros projectos aqui não expostos), “querem investigar mais que repetir histórias meias escritas”.(3) A imagem forte dos primeiros projectos com que ficaram conhecidos, quase pop no sentido da sua fácil identificação, curiosamente mais que de uma “estetização” resulta de uma materialização muito directa e imprevisível do projecto-ideia. Têm uma convicção de que “basta fundamento para existir arquitectura”,(3) e por isso são as ideias que são expressas construtivamente em formas que não estão preocupadas “se o objecto é feio” ou bruto.(3) Como argumenta Pedro Costa, tiram também vantagem da falta de meios, que seria a única especificidade que poderia ter uma “Arquitectura Portuguesa” se existisse.(3) Aqui não elevam a escassez dos meios a um resultado disciplinar convencionalmente reconhecido, mas com um mesmo “grande pragmatismo” tira-se vantagem para além das condicionantes inscritas na escassez; isto é ousa-se, nas palavras de Pedro Costa, “propor conteúdos com pouca coisa” (3) (orçamentos geralmente baixos, obras à distância que dificultam o acompanhamento, etc.) Esta Arquitectura dotada de um vocabulário desviado do mais convencionalizado no país, demonstra “ideias”; não de como a arquitectura se pratica e da relação-papel do cliente como acontece em Pedro Maurício, mas de que a arquitectura contornando limites metodológicos pode projectar ideias transformadoras.
Nos AUZ projeckt há um desejo de experimentação que se destaca-critica códigos instituídos, apelando e imaginando novas possibilidades que expressem a cultura urbana cosmopolita em que nos circunscrevemos. O que é interessante nos AUZ é serem uma associação de recém licenciados que usam concursos para contornar a desilusão da prática profissional. As propostas presentes, são paródias de imaginários utópicos distorcidos, onde os “outros” excluídos vivem radiantes e felizes nos espaços da realidade pós-moderna tardo-capitalista. Resumem a dicotomia excluído-incluído, no contexto de uma cidade genérica mas onde tudo se possa tornar mais virulógico que guetificado. Os abrigos para sem-abrigos, privatizam o público e são sustentados pela publicidade, usando a mercantilização (geralmente vista pela intelectualidade de esquerda como perversa) para tornar utopias possíveis. Nas palavras de Pedro Santos dos AUZ: “A arquitectura só não estará em risco se enfrentar a relação com novos poderes”.(4)
Pensamos que estas práticas que trabalham sobre cenários hipotéticos, não só são legítimas como válidas, porque podem despoletar consequências menos restritas do que se pode julgar. (Dirigem-se não para o social directamente, mas para a comunidade disciplinar que lhes servirá de mediação transformadora operando a montante).
Curiosamente, como as anteriores práticas, os AUZ asseguram a concretibilidade das suas propostas por um igual pragmatismo construtivo (projectos que por vezes são o manejo de alguns pormenores). De facto, desde o início que operam um “copy paste clip” de um certo projecto-base, que continua a ser premiado. (Tal é compreensível dado que os concursos que seleccionam para participar são movidos por um mesmo propósito.) . Mas vêm o projecto mais do que o resultado de uma ideia, como a ideia crítica em si. A ideia mais que algo enfatizado metodologicamente é um aspecto crítico ou estratégico dirigido à mediatização.
Continua-se de certa forma, como em Pedro Maurício (que curiosamente presidiu o júri do prémio que possibilitou aos AUZ reconhecimento) a fantasiar (ainda que aqui criticamente) sobre a vida, e a ousar construir como nos AS conteúdos e ideias com poucas coisas.
Todos os três arquitectos seleccionados possuem uma visibilidade em ascensão na pequena geografia cultural que é Portugal, e em comum uma consciência dessa realidade (massiva, multidiscursiva, globalizada e mediatizada) - da acutilância dos AS, à ironia do Pedro Maurício, ao abuso parasitário dos AUZ.
Confrontados com o vocabulário estabilizado eles propõem da reintrepretação à recusa. Confrontados com a abordagem metodológica centrada no “processo” convencional eles propõem da enfatização ao contorno. Confrontados com a conceptualização eles propõem da análise espacial ao privilégio de um conceito - como motor projectual. Confrontados com a instrumentalidade eles propõem da representação convencional às estratégias de eloquência.
Confrontados com a nova realidade em transição, eles demonstram uma ideia de “abertura e relacionamento” desde e dentro da Arquitectura, onde ponderar novos balanços criativos entre continuidade e ruptura são a única possibilidade para uma comunidade em explosão, diversificação e sobremediatização. Eventualmente conscientes de que o “estabelecimento de relacionamentos” – para fazer referência à expressão que Siza usa na nossa conversa (1) - é algo que sempre requer tempo. Não podemos excluir a hipótese da muito provável rápida institucionalização das suas posturas actuais no-pelo sistema-arquitectura, nem prever o verdadeiro valor que o futuro possa demonstrar da sua acutilância.
Mas identificamos por agora nessas práticas um enriquecimento do método projectual, em que o arquitecto assume que a “ideia-conceito” que persegue, desenhado ou não, é o motor do projecto. Refira-se ela a uma fantasia de vida, à transformação social ou à crítica do próprio acto arquitectónico. Quer constitua um projecto dirigido à construção de um edíficio ou à construção da Instituição; resulte ele numa continuidade ou numa transformação do lugar; e seja esse lugar território físico ou o ambiente mediático que instrui os profissionais.
Certo é apenas que o significado destas posturas deve remeter directamente para a reflexão actual que propomos. Porque como conota a resposta que Pedro Machado dá quando interrogado se está a propor alguma postura disciplinar: “há todo o interesse do sistema em patrocinar a sua própria crítica” (4) isto é, do próprio status quo em absorver a complexidade e diferença. Olhemos pois hoje estas práticas na generosidade criativa que possuem nas margens da Arquitectura.
Gonçalo Furtado e Pedro Castelo, (Londres, 2004-7).
Notas:
Os excertos das conversas com Álvaro Siza Veiria, tal como com os vários arquitectos selecionados para a exposição, é indicada com uso de aspas e itálicos.
(1) - Conversa com Álvaro Siza Vieira, (conduzida por Gonçalo Furtado e transcrita pelo comissariado), Porto, Setembro de 2004.
(2) - Conversa com Pedro Maurício Borges (conduzida por Gonçalo Furtado e transcrita pelo comissariado), Figueira da Foz, Setembro de 2004.
(3) - Conversa com Pedro Costa dos AS* (conduzida por Gonçalo Furtado e trasncrita pelo comissariado), Porto, Setembro de 2004.
(4) - Conversa com Pedro Santos dos AUZ (conduzida por Gonçalo Furtado e trasncrita pelo comissariado), Porto, Setembro de 2004.