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© Elisa Azevedo
A Culturgest traz, de 22 de novembro de 2025 a 22 de fevereiro de 2026, “Boa Good Sorte Luck”, a primeira exposição individual de Sara Graça em uma instituição. Com curadoria de Bruno Marchand, o projeto ocupa a Galeria 2 como quem ocupa um território em permanente transformação: enérgico, frágil, improvisado, espelhando o próprio ritmo da geração a que a artista pertence.
Entre Lisboa, sua cidade natal, e Londres, onde atualmente vive, Sara Graça desenvolveu uma prática que resiste a limites formais. Desenha, filma, modela, edita, monta. Justapõe, desarruma, rearranja. A sua trajetória é uma coleção de fragmentos que se ajustam conforme a vida acontece, uma vida atravessada por mudanças constantes, deslocamentos e tentativas de criar abrigo em um presente cada vez mais incerto. Nada ali se fixa por completo, cada obra é uma hipótese, uma solução temporária, um ato que tenta compreender como continuamos avançando mesmo quando o chão se move.
Em “Boa Good Sorte Luck”, essa instabilidade torna-se método. A sala transforma-se com rampas feitas de materiais reutilizados, resgatados da própria instituição, que alteram alturas, trajetos e percepções. O visitante deixa de ser apenas observador e passa a caminhar dentro da obra, a negociar o corpo com o espaço e a medir o peso e a leveza de cada passo.
Há humor, há fragilidade, há delicadeza. Há, sobretudo, uma familiaridade que aproxima o público do universo da artista. Os objetos encontrados, as colagens intuitivas, as estruturas que aparentam vulnerabilidade e os vídeos que captam movimentos efêmeros remetem para a vida cotidiana que buscamos equilibrar. As fotografias em preto e branco, que brincam com escalas e descansos, condensam momentos de pausa em um mundo que quase não permite parar. Tudo passa a ser matéria para pensar a proximidade entre o que é íntimo e o que é comum.
A obra de Sara Graça sabe que viver nas cidades de hoje implica um constante exercício de malabarismo. Entre rendas impossíveis, trabalhos intermitentes, casas que mudam de mês a mês e corpos que tentam encontrar apoio, ela constrói uma poética do quase. Quase estabilidade, quase sossego, quase casa. Nesse quase, porém, mora uma vitalidade: uma reciprocidade que resiste, uma vontade de criar comunidade, uma atenção cuidadosa aos materiais descartados e às pequenas estruturas que sustentam o dia a dia.
O título da exposição funciona como um amuleto para quem tenta manter o equilíbrio em um solo instável. Mistura línguas, desloca significados, lembra que a artista vive entre países, culturas e ritmos distintos. Deseja sorte, mas também sublinha o esforço - até porque manter-se de pé nos dias de hoje é desafio de resistência.
Ao atravessar a mostra, percebe-se que Sara Graça não procura dar respostas, mas propor perguntas, leituras e modos de estar no mundo. Cria um espaço onde o corpo pensa e sente, onde o improviso vira linguagem e o cotidiano ganha outra densidade. “Boa Good Sorte Luck” lembra que, mesmo na instabilidade, seguimos experimentando e inventando um futuro que, com alguma sorte, ainda podemos construir juntos.
Por Julia Ugelli