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O FEMINISMO GESTUAL DAS MULHERES IRANIANAS2024-11-19Num recente acto de desafio, Ahoo (Mahla) Daryaei, uma estudante de doutoramento em Literatura Francesa no ramo de Ciência e Investigação da Universidade Azad, em Teerão, protestou contra a aplicação opressiva do hijab obrigatório no Irão, despindo-se apenas de roupa interior no campus. Terá sido assediada por membros do grupo paramilitar Basij da universidade – uma fação da Guarda Revolucionária Islâmica – que alegadamente rasgaram as suas roupas por não cumprirem integralmente o código de vestuário islâmico. Em resposta, Daryaei despiu a restante roupa, sentou-se no terreno do campus e andou de cuecas, deixando os transeuntes atordoados. Foi logo presa e alegadamente levada para um hospital psiquiátrico, uma estratégia frequente utilizada pelo regime contra os manifestantes. As imagens do gesto ousado de Daryaei espalharam-se rapidamente pelas redes sociais sob a hashtag #GirlofScienceAndResearch, desencadeando o diálogo nacional e internacional sobre os direitos das mulheres no Irão. A hashtag galvanizou uma enxurrada de representações artísticas do desafio de Daryaei, retratando-a em cenários simbólicos poderosos: elevando-se sobre uma cidade repleta de polícias da moralidade, posicionando-se desafiadoramente diante de um tanque ou rompendo um muro estampado com a bandeira da República Islâmica. Estas representações visuais, que dominaram as redes sociais e até apareceram em forma de graffiti, são paralelas a outros símbolos icónicos de resistência, como a fotografia do “Homem Tanque” tirada por Stuart Franklin durante os protestos na Praça Tiananmen de 1989, na China. Este não foi um protesto isolado. As mulheres iranianas há muito que resistem ao hijab obrigatório, recorrendo a actos não-verbais para desafiar os rígidos códigos de vestuário do Estado. Este movimento começou há anos em formas mais silenciosas e subtis: mulheres a usar lenços soltos na cabeça, a descartar os véus e a expressar dissidência através de uma linguagem corporal subtil, mas poderosa. Em 2017, uma mulher chamada Vida Movahed levou esta resistência para o palco público. De pé sobre uma caixa de utilidades na movimentada rua Enghelab (Revolução) de Teerão, agitou um lenço branco numa vara – uma imagem impressionante que captou a essência da luta feminista do Irão e inspirou inúmeras outras, mais tarde conhecidas como “Raparigas da Rua da Revolução”. Desde então, as mulheres têm realizado atos criativos de desafio com os seus lenços, rodando-os, atirando-os ao vento e até queimando-os. O ato de Daryaei de ficar apenas com roupa interior dá continuidade a esta tendência. Uma ilustração capta de forma pungente esta ligação, retratando Daryaei a correr em direção a um obstáculo rotulado como “liberdade” numa pista, enquanto recebe o icónico lenço branco numa vara como um bastão de Movahed. Estes atos incorporam uma maior luta pela autonomia corporal, pela liberdade e pelo direito à autoexpressão. O recente livro, “Women, Art, Freedom: Artists and Street Politics in Iran”, explora a forma como as artistas usam a linguagem gestual para desafiar o regime. Durante a revolta ‘Mulher, Vida, Liberdade’ do outono de 2022 à primavera de 2023, desencadeada pela morte de Mahsa (Zhina) Amini às mãos da polícia moral do Irão depois de esta ter usado o seu hijab de forma incorreta, a artista Nasrin Shahbeygi recuperou o espaço público ao rolar pelas ruas de Mashhad, enquanto a artista Zohreh Solati permanecia em cruzamentos movimentados em redor de Teerão sem hijab, vestido com uma roupa feita de peças de espelho em formato quadrado. Esta expressão dinâmica do ‘Feminismo Gestual’ destaca a resiliência e o espírito criativo da comunidade artística do Irão em tempos de resistência. Este efeito cascata ressoa não só nas trocas entre o protesto popular e a arte performativa, mas também nas obras de arte visuais que surgiram em solidariedade com Daryaei e outras mulheres manifestantes. Artistas e activistas de todo o mundo imaginaram a sua imagem, orgulhosamente vestida de roupa interior, muitas vezes pairando sobre figuras que simbolizam as autoridades do regime. Alternando entre protestos espontâneos e arte performativa deliberada, o Feminismo Gestual no Irão é mais do que um mero desafio; é uma linguagem, uma forma de arte e um movimento. Esta linguagem gestual redefine o activismo, fundindo-o perfeitamente com a arte e demonstrando que, por vezes, as declarações mais poderosas não precisam de palavras. Fonte: HyoerAllergic |