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JEFF WALLTIME STANDS STILL. FOTOGRAFIAS, 1980–2023![]() MAAT Av. de Brasília, Central Tejo 1300-598 Lisboa 24 ABR - 01 SET 2025 ![]() JEFF WALL - A propósito (e não à margem) de Time Stands Still, Fotografias, 1980–2023![]()
Jeff Wall (Vancouver, 1946) é um dos nomes mais importantes da fotografia e das artes visuais contemporâneas. Um dos aspectos mais impressionantes do seu trabalho é a dicotomia que o artista define entre o real e o realisticamente representado. Wall constrói cenas meticulosamente encenadas, recorrendo a actores, cenários e um trabalho exaustivo de preparação “cénica”. Para o espectador é difícil a abstração de uma e outra ‘realidades’, dado que Wall nos dificulta essa percepção pela rigorosa composição que ele gosta de apelidar de cinematografia. Numa entrevista filmada em 2024, para a Gagosian Quarterly, Wall refere essa fronteira dúbia entre o real ou o real construído: “And I think that blend between the actual and the artificial is something that I of course use all the time or work with all the time, because I consider it one of the most interesting artistic dimensions of what photography can do, this sense that it is happening and it is not happening, it happened, but it didn’t happen, it happened under certain conditions, but it presents itself having happened under other conditions.” [1]
Entrevista vídeo de Jeff Wall, Gagosian Quarterly 2024.
“Ao combinar o modelo do quadro com parâmetros da fotografia documental, Jeff Wall induz também uma radical reformulação da imagem documental enquanto arte, vinculando-a à representação de um acontecimento fabricado e “textual”, situando-a num espaço intermédio, simultaneamente real e não real.” [2] O trabalho de Jeff Wall lembra em parte, na minha opinião, o trajecto criativo do falecido fotógrafo holandês Erwin Olaf (1959-2023). Embora distante pela abordagem mais cénica e de interiores (ao invés de Wall que invoca uma preocupação mais social, filosófica e numa perspectiva centrada nas questões mais prementes das sociedades contemporâneas ocidentais), “Olaf, nos seus ‘retratos’, combina uma técnica de iluminação dramática e composições extraordinariamente meticulosas, dirigindo os seus modelos em poses estáticas, muitas vezes evocando um imaginário cinematográfico. (…) Olaf cria cenários e atmosferas algo teatrais de uma estética muito elaborada, em que a narrativa evoca uma tensão emocional evidente.” [3]
Erwin Olaf, Clärchens Ballhaus Mitte, 10th of July 2012. Cortesia The Guardian.
Por outro lado, Olaf, embora mais ligado ao universo contemporâneo e pop, também faz alusões à pintura clássica e ao simbolismo visual. As suas fotografias (geralmente de grande dimensão como as de Wall) representam cenas carregadas de tensão emocional, explorando temas como solidão, a sexualidade ou a alienação — muito ao estilo da narrativa cinematográfica. O trabalho de Jeff Wall também nos remete para o universo criativo de Cindy Sherman, um dos nomes mais aclamados no panorama das artes visuais, especialmente no plano da narrativa fotográfica, encenação e construção de identidade, muitas vezes com uma linguagem cinematográfica.
Cindy Sherman, Untitled Film Still #22, 1978. © 2025 Cindy Sherman, cortesia da artista e Metro Pictures, New York.
Cindy Sherman (1954, New Jersey, Estados Unidos), é conhecida pelas suas séries de autorretratos em que se fotografa vestida e maquilhada encarnando diferentes personagens femininas, ao explorar tópicos como a identidade e a feminilidade. As ‘encenações’ de Sherman assumem uma dimensão profundamente performativa: a artista encarna múltiplas personagens e estereótipos culturais, questionando as noções de identidade, género e representação. O que agrega Wall, Olaf e Sherman é o uso intencional da encenação — através da mise-en-scène, da iluminação meticulosamente pensada e da construção de uma narrativa dramática que se traduz em imagens que parecem fotogramas retirados de filmes imaginários. Esta aproximação ao universo cinematográfico introduz uma dimensão ambígua e fragmentada, que convida o espectador a reconstruir mentalmente a história sugerida por cada imagem.
A influência da pintura É patente a influência de Wall (com formação em história da arte e filosofia) nesta evocação entre a pintura (patente nas referências diretas a obras de Goya, Manet ou Delacroix) e o cinema narrativo, muito evidente em alguns dos seus trabalhos mais importantes como “The Drain”, “Insomnia” ou After “Invisible Man”. São ‘quadros’ que simulam fragmentos do quotidiano e reinterpretações críticas do presente, e do universo criativo de Jeff Wall, transportadas para os contextos urbanos e informais do artista. Wall trata as suas fotografias como tableaux vivants mas, subtilmente, introduz personagens e situações que refletem sobre o papel do indivíduo na sociedade contemporânea. Sergio Mah (curador da Jeff Wall, Time Stands Still, MAAT, Lisboa) [4], escreve na sinopse do guia da exposição: “Os seus quadros fotográficos não devem ser vistos como pinturas – não são, efetivamente, pintados –, mas como imagens que combinam e potenciam as estreitas e continuadas relações históricas entre fotografia e pintura (…)”.
Descobrir os detalhes Há quadros de Wall – como o tríptico I giardini / The Gardens/Expulsion Order (2017) e que, dada a enorme dimensão (2,58m x 4,05m), nos ‘obrigam’ a olhar os detalhes: o personagem masculino de meia idade está presente e clonado em cada um dos ‘quadros’. Trata-se de uma história que nós, espectadores desconstruímos através da nossa própria interpretação ficcional. Não basta vermos o global da obra, temos que nos aproximar e percorrer cada centímetro da mesma, por assim dizer. Outro exemplo que achei interessante nesta perspectiva é, entre muitas, a obra Morning Cleaning (1999, 90 x 70 cm): nesta fotografia Jeff Wall representa um momento quotidiano — um funcionário da limpeza a limpar o vidro do Pavilhão de Barcelona, projetado por Mies van der Rohe. A imagem capta o contraste entre a monumentalidade modernista da arquitetura e a banalidade da ação humana. Ao mergulharmos na obra descobrimos alguns pormenores que só uma visualização atenta nos proporciona. Por exemplo a figura feminina nua esculpida, ou os detalhes do material de limpeza, caídos no chão. “O homem na foto é o verdadeiro funcionário da limpeza. A foto é documental no sentido de que é exatamente isso que ele estaria a fazer naquele momento do dia. É o que eu chamo de «quase documental». Embora eu tenha organizado a foto e trabalhado em colaboração com o funcionário da limpeza, a foto assemelha-se muito ao que uma foto instantânea tirada naquele momento mostraria”, explica Wall. Jeff Wall recorre à encenação para transformar cenas quotidianas em composições altamente elaboradas, muitas vezes com referências ao realismo social, em que são incluídas personagens e situações que são o espelho do papel do indivíduo na sociedade contemporânea. “Através da suspensão fotográfica, Jeff Wall opera de modo a parar o tempo numa micrologia do instante que nos faz pensar que há um acontecimento em curso. Daí o efeito de suspense que algumas imagens geram.”, afirma Sérgio Mah. Alguns trabalhos de Wall surpreendem pela simplicidade imediata, como é o caso de Basin in Rome 1 e 2. Trata-se de um chafariz público em que a água corre para dentro de uma bacia em pedra. A nossa reação leva-nos a reflectir sobre se uma composição tão evidentemente simples e directa, convida à contemplação de um quotidiano que, para o artista é isso mesmo, tão só uma imagem de um fontanário. Simples e sem interpretações.
Paulo Roberto
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Notas [1] Jeff Wall, Gagosian Quarterly, 9:43-10:12 ![]()
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