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COMO COURBET APAGOU A MUSA DE BAUDELAIRE DA SUA OBRA PRIMA “O ATELIER DO ARTISTA”

2025-12-19




Em 1855, Gustave Courbet concluiu “O Atelier do Artista”, uma das suas obras mais importantes e definidoras de carreira. Ao centro, um autorretrato do artista a trabalhar numa grande tela. À sua volta, estão as influências na sua vida pessoal e artística: à sua esquerda, grupos de cidadãos franceses comuns – representando a missão realista de Courbet de pintar o mundo como ele realmente é – e à sua direita, os seus amigos próximos e contemporâneos da elite do mundo da arte parisiense, incluindo o seu principal mecenas, Alfred Bruyas, o romancista Champfleury e, na extremidade da pintura, o poeta Charles Baudelaire. Ao lado de Baudelaire, existe um espaço vazio onde antes estava Jeanne Duval.

Duval era uma atriz e cortesã francesa que teve uma relação tempestuosa e intermitente com Baudelaire, que durou duas décadas. Apesar de ser amplamente considerada pelos amigos como o grande amor da vida de Baudelaire, o poeta nunca se casou com ela, provavelmente influenciado pelos protestos da mãe, que desaprovava a relação em parte devido à ascendência caribeana de Duval.

Acredita-se que a avó de Duval terá nascido na Guiné, antes de ser vendida como escrava e transportada para o Haiti, onde mais tarde trabalhou num bordel em Nantes, no oeste de França. Não se sabe ao certo quem eram o avô ou o pai de Duval, mas é provável que fossem franceses caucasianos. Também não se sabe qual era o seu apelido legal, mas o académico Claude Pichois sugeriu que fosse "Berthe", nome sob o qual Jeanne começou a actuar nas discotecas do Quartier Latin, em Paris.

Duval era membro da boémia da cidade — a periferia da sociedade respeitável — e o seu trabalho teatral alargou a sua rede de contactos, apresentando-a à elite artística da cidade. Em 1842, ao ver Duval pela primeira vez durante uma apresentação no Théâtre du Panthéon, Baudelaire, então com 21 anos, ficou encantado, enviando flores para o seu camarim e solicitando um encontro. Existem controvérsias sobre se Duval nasceu em 1820, o que a faria ter 22 anos quando se conheceram, ou em 1827, quando tinha apenas 15.

A sua relação foi emocionalmente intensa e marcada por abusos: Baudelaire agrediu fisicamente Duval (numa ocasião, fraturou-lhe o crânio com um vaso), além de lhe vender os seus pertences e endividá-la, tornando-a financeiramente dependente dele. Em 1845, Baudelaire tentou suicidar-se com uma faca enquanto estava sentado ao lado de Duval num café, planeando deixar-lhe toda a sua herança em testamento. Ansiava pela sua menor independência e fetichizou-a na sua poesia, referindo-se a ela como “La Vénus Noire” (“A Vénus Negra”) na sua obra-prima Les Fleurs du Mal, de 1857.

Após quatro décadas turbulentas, separaram-se finalmente em 1861, menos de 10 anos antes de ambos sucumbirem a complicações da sífilis. No ano seguinte à separação, Duval foi retratada por Édouard Manet em “A Amante de Baudelaire” (1862), obra que faz parte do espólio do Museu de Belas Artes de Budapeste. Durante uma das suas muitas separações, Baudelaire pediu a Courbet que retirasse Duval do Atelier do Artista. Mas, graças ao facto de Courbet ter pintado sobre a sua figura com aguarela, em vez da tinta a óleo original, o fantasma de Duval tem vindo a reaparecer lentamente como um pentimento na pintura ao longo dos últimos 170 anos. Ela claramente não é fácil de apagar.


Fonte: Artnet News