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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição Janelas, de Ana Elisa Egreja. © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Toalhinha laranjas (2023). Óleo e toalha bordada sobre tela, 30 x 40 x 3,5 cm. © Kubikgallery


Vista da exposição Janelas, de Ana Elisa Egreja. © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Saboneteira laranja com sabonete branco e bucha verde (2023). Óleo sobre tela, 40 x 30 x 3,5 cm. © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Toalhinha cobra coral (2023). Óleo e toalha bordada sobre tela, 40 x 30 x 3,5 cm. © Kubikgallery


Vista da exposição Janelas, de Ana Elisa Egreja. © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Natureza morta com vaso azul e margaridas (2023). Óleo e cortina (em andamento) sobre tela, 56 x 40 x 3,5 cm. © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Natureza morta com vaso azul e margaridas (2023). [pormenor] © Kubikgallery


Vista da exposição Janelas, de Ana Elisa Egreja. © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Prato cia das índias com mamão papaya (2023). Óleo sobre tela, 23 cm diâmetro. © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Prato cia das índias com physalis e ratinho (2023). Óleo sobre tela, 20 cm diâmetro. © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Agnus Dei tropical, 2023. Óleo, renda e persiana sobre tela, 150 x 200 x 4 cm. © Kubikgallery


Vista da exposição Janelas, de Ana Elisa Egreja. © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Pavão de Krishna (2023). Óleo e cortina de miçangas sobre tela, 180 x 270 x 4 cm. © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Pavão de Krishna (2023). [pormenor] © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Pavão de Krishna (2023). [pormenor] © Kubikgallery


Ana Elisa Egreja, Janela com vista para o mar - Praia da Barra, BA
 (2023). Óleo e persiana sobre tela,100 x 70 x 3,5 cm. © Kubikgallery

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ARQUIVO:


ANA ELISA EGREJA

JANELAS




KUBIKGALLERY
Rua da Restauração, 2
4050-499 Porto

06 JUL - 10 SET 2023


 


Diluindo os limites entre realidade e fantasia, a prática pictórica de Ana Elisa Egreja (São Paulo, 1983) atrai o olhar e a curiosidade do espetador, envolvendo-o num universo exuberante e fantasioso. À medida que percorremos Janelas [1] em exibição na Kubikgallery (Porto), são-nos desvendadas camadas que se cruzam e intercetam dentro de uma lógica de sobreposições metafóricas e reais que acompanham a exposição. Os ambientes criados por Ana Elisa Egreja, revelam-nos cenas de interiores domésticos que subvertem a realidade, histórias fantásticas que se desenvolvem num tempo cíclico, numa dimensão espácio-temporal indefinida que a pintura permite captar. A perceção do tempo como cíclico ao invés de linear, a estética fantástica e o interesse de Ana Elisa Egreja em mostrar o irreal e o absurdo como algo comum, perpassam o corpo de trabalho da artista em narrativas descritivas criadas a partir de pinturas figurativas. Como um conto, cada pintura tem uma história que encerra em si mesmo, e o personagem principal é sempre a casa e os objetos que estão em volta, que eu escolho representar na pintura, os coadjuvantes para essa história que quero contar. [2] O realismo das obras é realçado pelo caráter detalhista, pela abundância de cores, texturas de materiais e padrões dos ambientes retratados numa harmonia cromática e compositiva, em que cada pintura é pensada e concebida como um mundo possível numa aproximação ao realismo fantástico. Trabalhando tanto com cenas reais como imaginadas, Egreja revela-nos em Janelas uma mistura total entre realidade e fantasia em pinturas algumas das quais encenadas, e outras concebidas a partir de imagens registadas pela artista. Se no início da sua trajetória, Egreja inventava paisagens domésticas a partir da pesquisa de imagens de objetos recorrendo à técnica da colagem digital, nos últimos anos a artista explora a organização cénica e a fotografia, transpondo a imagem construída para a temporalidade da pintura. A familiaridade com os dois métodos de trabalho é visível ao longo da exposição em obras onde retoma a técnica da colagem e introduz elementos decorativos reais.

Como uma encenação teatral, a artista reconfigura o real apresentando-nos universos paralelos – simultaneamente absurdos e familiares - nos quais nos convida a entrar.

O caráter nonsense das suas narrativas fantásticas é-nos revelado em Pavão de Krishna [3], 2023, pintura que nos recebe assim que entramos no espaço da galeria. Conto fantástico em forma de pintura na Casa Modernista da Rua Bahia/Gregori Warchavchik [4], a obra revela-nos uma cena fantasiosa e utópica do pavão enquanto pássaro das Portas do Paraíso. A mestria e o domínio da técnica de pintura a óleo e da materialidade da tinta pela artista, são-nos revelados na reprodução de diversas texturas e relevos, pela presença forte da cor e transparências, pelos jogos de sombra/luz, e movimentos que enfatizam o olhar detalhista da artista e o virtuosismo da representação pictórica que se confunde com fotografia. Observamos o registo realista do ambiente onírico envolvente e a intensidade da luz solar da paisagem exterior que, atravessando a portada de vidro semi-aberta, ilumina o interior de uma sala que somos convidados a habitar. A janela que Ana Elisa Egreja nos oferece em Pavão de Krishna possibilita um prolongamento do interior da sala e a sua relação com o exterior dentro de uma lógica de sobreposições e ambiguidades que acompanham a exposição. A aura nostálgica da composição é reforçada pelo chão alagado da sala, espelho de água que acompanha a largura da janela refletindo o espaço e os seus elementos, num jogo de expansão e duplicação. Flutuando na água, plantas aquáticas acentuam o abandono da sala inundada e povoada por pavões, num diálogo entre a natureza que invade e se funde com a arquitetura construída pelo homem, esbatendo-se as fronteiras entre o espaço público e privado. A exuberância e o tropicalismo da paisagem exterior - com árvores de frutos, aves exóticas e uma cobra coral [5] que se enrosca no corrimão - remetem para uma brasilidade que se estende ao espaço interior da composição, ao acrescentar azulejos modernistas de círculos e semicírculos azuis e verdes de Athos Bulcão que revestem as paredes. Chama-nos a atenção o tratamento pictórico da luz natural do sol que, entrando pela janela semi-aberta, cria sombras nas paredes que alteram ligeiramente o tom dos azulejos. De igual modo destacamos a presença de autocolantes [6] - de dimensão kitsch e pop, mas também religiosa, política e cultural - que pintados no vidro da janela de correr transportam o observador para o tempo histórico atual, criando uma relação interessante com os vários adesivos que, colados nas duas janelas da fachada lateral da galeria, complementam a cenografia e o desenho expositivo. A dimensão cenográfica da obra Pavão de Krishna é acentuada pela introdução de um adereço real sobre a tela: a cortina de missangas, que iludindo o nosso olhar se transmuta, ao surgir refletida - como pintura - no espelho de água.

 

Ana Elisa Egreja, Pavão de Krishna (2023). [pormenor] © Kubikgallery

 

 

Na mesma sala, contrastando com a grandiosa escala da obra anterior, observamos agrupado na parede um conjunto de três pinturas de pequeno formato que simulando pratos Companhia das Índias abrigam sofisticadas composições de frutos e animais - cobra coral, ratos e insetos - que infestam os pratos e comem os alimentos. Artigos domésticos colecionáveis os pratos Cia das Índias evocam a exportação de porcelana chinesa. Ao cariz histórico do conjunto Ana Elisa Egreja introduz frutos exóticos - mamão papaya, caquis e physalis - que remetem para as suas origens sul-americanas. O interesse pela pintura e as suas possibilidades, a qualidade táctil dos elementos que retrata, os relevos, texturas e volumes conseguidos com a tinta a óleo são exploradas por Egreja, tanto em obras de grande formato quanto de pequenas dimensões, conforme nos revelam as imagens da saboneteira e dos dois toalheiros, artigos banais da arquitetura doméstica, que a artista enobrece dando-lhes um foco detalhista. Transportando-nos para o ambiente íntimo do interior da casa, estes elementos quotidianos comuns surpreendem pela linguagem realista: desde a colorida Saboneteira laranja com sabonete branco e bucha verde, 2023, cujo revestimento azulejar (datado) que serve de pano de fundo à composição e criado pela artista, às composições minuciosas de Toalhinha cobra coral, 2023, e Toalhinha laranjas,2023, onde Egreja volta a explorar a relação ente a técnica da pintura e os adereços, ao integrar toalhas bordadas físicas sobre as telas, que libertando-se do suporte quebram as fronteiras entre o mundo pictórico e real. Explorando a tridimensionalidade, Ana Elisa Egreja combina um diálogo entre o plano, matéria, cor e sombra, aspetos que reencontramos em Natureza morta com vaso azul e margaridas, 2023, obra na qual promove a encenação dentro da pintura, confundindo-se os limites entre realidade e ficção. A temática clássica da natureza morta adquire contornos atuais através da simulação pictórica do vidro texturizado canelado - que marcou a arquitetura das décadas de 50 e 60 do século XX – da janela, revelando-nos a cena velada e distorcida. A complementar a composição, a cortina de contas sobre a totalidade da tela que oculta e desoculta a cena retratada, adicionando uma nova camada de texturas e movimentos à pintura.

 

Ana Elisa Egreja, Toalhinha laranjas (2023). [pormenor]  © Kubikgallery

 

 

O interesse da artista pela pintura de interiores e naturezas mortas enquanto temas principais da sua prática e pesquisa, materializa-se na obra Agnus Dei tropical, 2023, onde habitamos e observamos parte de uma sala, cuja decoração clássica, chão em madeira, riqueza dos estampados do sofá, almofadas e motivos decorativos do tapete chamam a atenção. Encimando o sofá, rasga-se uma janela panorâmica de onde avistamos a praia de Botafogo por entre persianas reais, cujo reflexo se revela habilmente espelhado na mesa. Dispersos na mesa, uma variedade de frutas e legumes - diospiros, mamão papaya, physalis, abóboras, cenouras, cajus, mangas, entre outros - compõem a natureza-morta tropical da artista, à qual acrescenta a apropriação da imagem Agnus Dei Pictural (1635-1640) de Francisco de Zurbarán. Na fronteira entre a natureza-morta e pintura religiosa, o significado simbólico do Cordeiro de Deus, enquanto metáfora de sacrifício, (...) aquele que se tem de sacrificar para assegurar a salvação [7], representado vivo, de patas atadas e deitado sobre o sofá da sala, adiciona uma camada narrativa à composição, inserindo-a no realismo mágico. 

Explorando um vocabulário que mistura o popular e o erudito; o banal e o absurdo; o profano e o religioso; a alta e baixa cultura, Ana Elisa recorre com frequência ao excesso na própria pintura, preenchendo-a numa lógica de acumulação que para a própria é sinónimo de conforto. O excesso na pintura a que a artista nos habituou, assim como a ausência de figuras humanas – muito embora hajam indícios da sua presença nas cenas retratadas – são-nos também reveladas em Janela com vista para o mar – Praia da Barra, BA, 2023. Estrategicamente colocado num espaço da galeria voltado para a via publica pública, como uma janela dentro de outra janela, observamos a paisagem estival através das portadas de vidro fechadas. Se o título da obra nos remete para a praia de Porto da Barra em Salvador, os guarda-sóis azuis e brancos pintados pela artista evocam outra geografia – Nice – talvez numa possível crítica da artista ao turismo desenfreado de ambos os destinos. A referência espacial – Sorria você está na Bahia - e temporal da obra é nos revelada pela variedade de autocolantes pintados na janela: desde signos religiosos cristãos e hindus, referências a desenhos animados ou slogans de refrigerantes. Impressionam os jogos lumínicos e cromáticos da paisagem, as variações de tons azuis que dominam a composição e a habilidosa representação das nuvens no céu, dos barcos e da baleia que avistamos a saltar no mar pela janela – talvez a de um quarto – que recorda as de Matisse.

O potencial poético da janela enquanto passagem e o seu caráter dual entre o espaço privado, íntimo e o público, entre o individual e o coletivo são explorados por Ana Elisa Egreja em ambientes onde o absurdo e irreal coexistem como algo normal nos mundos fantásticos que artista pinta e que nos fazem questionar se seria possível a existência na vida real, pois como diz Hans Belting (...) o mundo é um mundo a ser visto e se abre ao olhar por detrás de uma janela simbólica [8].

 

 

Mafalda Teixeira
Mestre em História de Arte, Património e Cultura Visual pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estagiou e trabalhou no departamento de Exposições Temporárias do Museu d’Art Contemporani de Barcelona. Durante o mestrado realiza um estágio curricular na área de produção da Galeria Municipal do Porto. Atualmente dedica-se à investigação no âmbito da História da Arte Moderna e Contemporânea, e à publicação de artigos científicos.

 


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Notas

[1] Inaugurada a 6 de julho a exposição Janelas pode ser visitada até dia 10 de setembro de 2023.
[2] Citação da intervenção da artista no vídeo PIPA 2018: Ana Elisa Egreja. Produção: Do Rio Filmes, Ano: 2018, 1’11’’. Disponível em https://www.premiopipa.com/artistas/ana-elisa-egreja/.
[3] Para os hindus o pavão é atributo de várias divindades, entre as quais Krishna – um dos avatares de Vishnu - frequentemente representado com uma pena na cabeça como símbolo do domínio da vaidade, da luxúria, da beleza e da concupiscência.
[4] A Casa de Warchavchik na Rua Bahia, São Paulo, faz parte do conjunto de três edificações concluídas em 1930, consideradas das primeiras obras de arquitetura moderna no Brasil.
[5] Com a sua coloração de cores vibrantes, a cobra coral é um dos animais mais venenosos e letais da natureza, sendo uma das espécies de serpentes mais conhecidas no Brasil. A sua presença enquanto signo é frequente na obra da artista, por vezes associada ao pavão - Pavão de Krishna e Toalhinha cobra coral – o que poderá estar relacionado com simbolismo imortal do pássaro no hinduísmo, capaz de absorver o veneno da serpente e de se manter viva.
[6] Elementos colecionados pela avó da artista dos lugares que visitava, os autocolantes compõem o universo afetivo de Ana Elisa Egreja que os retrata com frequência nas suas pinturas.
[7] CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain: Dicionário de Símbolos. Livraria José Olympio, Editora S.A., Rio de Janeiro, RJ. Tradução: Vera da Costa e Silva...(et.al). 6.ª edição, 1992, p.287.
[8] BELTING, Hans. A janela e o muxarabi: uma história do olhar entre Oriente e Ocidente. In Pensar a Imagem. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. p. 116.

 

 

 

 

 

 



MAFALDA TEIXEIRA