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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição Gil Delindro, A Audição Vibratória. © nvstudio - Fundação de Serralves.


Vista da exposição Gil Delindro, A Audição Vibratória. © nvstudio - Fundação de Serralves.


Vista da exposição Gil Delindro, A Audição Vibratória. © nvstudio - Fundação de Serralves.


Vista da exposição Gil Delindro, A Audição Vibratória. © nvstudio - Fundação de Serralves.


Vista da exposição Gil Delindro, A Audição Vibratória. © nvstudio - Fundação de Serralves.


Vista da exposição Gil Delindro, A Audição Vibratória. © nvstudio - Fundação de Serralves.


Vista da exposição Gil Delindro, A Audição Vibratória. © nvstudio - Fundação de Serralves.


Vista da exposição Gil Delindro, A Audição Vibratória. © nvstudio - Fundação de Serralves.

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ARQUIVO:


GIL DELINDRO

A AUDIÇÃO VIBRATÓRIA




MUSEU DE SERRALVES - MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Rua D. João de Castro, 210
4150-417 Porto

24 JAN - 10 JUN 2025


 

 


O tambor

O vácuo quântico de um tambor corresponde a um estado no qual o valor médio dos deslocamentos, em qualquer um dos lados, é zero. Quer isto dizer que o tamborileiro não está a tocar o tambor. O que é surpreendente é que a quietude do tambor não é, no entanto, garantida. Mesmo na ausência de perturbações externas, não há facto determinante de que o couro do tambor esteja perfeitamente imóvel ou não. Na mecânica quântica, tudo é incerto. A quietude perfeita do tambor viola o princípio da indeterminação. Até a quietude tem de ser incerta. Chegamos então à conclusão de que o tambor tem necessariamente de emitir um som muito leve de vibração quântica. Para o calcular, concluímos que o vácuo não é apenas o estado de nada, mas fervilha na realidade com atividade quântica. No entanto, essa energia não é suficientemente intensa para se criarem partículas a partir desse vácuo, originando aquilo a que se chama partículas virtuais. Mas, a ciência discute, ainda, a possibilidade da existência dessas partículas. Continuando a vasculhar a compreensão e a caracterização da (in)existência das (im)possibilidades do nada, e do vazio. Isto significa resolver um dos maiores problemas da física: a aplicação da teoria quântica à gravidade.

      *

O mundo, também, existe a partir das coisas que não alcançamos visualmente, como acontece com o som. Este que se caracteriza pela propagação em meios materiais, quer sejam sólidos, líquidos ou gasosos, de uma onda longitudinal, mecânica e acústica, cujas propriedades ondulatórias o sujeitam a fenómenos como interferência, refração, difração, reflexão. É neste sentido que a exposição “A audição vibratória” de Gil Delindro, com curadoria de Pedro Rocha, e patente em diferentes espaços da Casa de Serralves (capela, torre e piso –1), entre 24 de janeiro e 10 de junho de 2025, versa sobre a corporificação poética do enlace entre a fisicalidade dos objetos com a (i)materialidade das ondas sonoras. Operando numa desconstrução da objetificação dos limites materiais que atingidos pelas diversas vibrações, compõem ‘paisagens’ visuais mutáveis e efémeras, que jogam na liminaridade da visualidade e invisibilidade. As sonoridades escolhidas, profundas e altissonantes do catálogo geofónico, chegam-nos num sublime sonoro entre a paixão, o terror e a tragédia que o mundo natural nos confere, e que hiperssensibiliza a multissensoralidade dos nossos corpos.

 

Quando digo que vejo um som quero dizer que, à vibração do som, faço eco através de todo o meu ser sensorial e, em particular, através desse setor de mim mesmo que é capaz das cores. O movimento, compreendido não como movimento objetivo e deslocamento no espaço, mas como projeto de movimento ou "movimento virtual", é o fundamento da unidade dos sentidos.

Maurice Merleau-Ponty (1908-1961)

Em “Fenomenologia da perceção” (1999 [1945]), p.314

 

‘Ouvir’ com o corpo todo.

Não posso, antes de mais, deixar de mencionar a carta que Helen Keller (1880-1968) endereçou à Orquestra Sinfónica de Nova Iorque, a 2 de fevereiro de 1924. A escritora norte-americana, que ficou cega e surda como consequência de uma doença que a assolou em tenra idade, agradecia à orquestra a apresentação da Nona Sinfonia de Beethoven, no Carnegie Hall, no dia anterior. Helen foi capaz de ‘ouvir’ a música através do toque, uma vez que os seus dedos serviram de ponte entre as vibrações melódicas e o ‘ouvido’ da sua mente.

 

[Excerto da carta de Helen Keller]

Last night, when the family was listening to your wonderful rendering of the immortal symphony someone suggested that I put my hand on the receiver and see if I could get any of the vibrations. (...)What was my amazement to discover that I could feel, not only the vibrations, but also the impassioned rhythm, the throb and the urge of the music! The intertwined and intermingling vibrations from different instruments enchanted me. I could actually distinguish the cornets, the roll of the drums, deep-toned violas and violins singing in exquisite unison. How the lovely speech of the violins flowed and plowed over the deepest tones of the other instruments! (...) The women’s voices seemed an embodiment of all the angelic voices rushing in a harmonious flood of beautiful and inspiring sound. The great chorus throbbed against my fingers with poignant pause and flow. Then all the instruments and voices together burst forth—an ocean of heavenly vibration—and died away like winds when the atom is spent, ending in a delicate shower of sweet notes.

 

A obra de Gil Delindro, “Para lá da escuta” (2024), exposta na capela da Casa de Serralves, foi desenvolvida com particular atenção à comunidade de pessoas surdas. Pelo que se apresenta como uma experiência sonora física integrando, além da escuta convencional, a perceção visual, auditiva e física. Ondas sonoras de baixa frequência animam uma placa de alumínio, parcialmente, coberta por uma fina malha de cobre, colocando a descoberto uma matéria que, por ser usada comumente como condutora de ondas elétricas, permanece não visível. Há uma poética delicada na forma como este ‘tecido’ de cobre se bamboleia, devido às vibrações, e como o reflexo da luz nos metais nos confere uma fórmula quase divina. Uma espécie de hierofania que contrasta com a sonoridade pujante e abstrata, mas que paradoxalmente dela provem.

Nas esculturas “A Natureza não reza - o tom mais baixo e mais alto combinados” (2024) e “O som de um terramoto contido numa sala” (2022), as diferentes vibrações sonoras aplicadas produzem, visualmente, uma contínua transformação ‘paisagística’. A primeira escultura, composta pela gramínea sazonal da Serra de Arouca, é ativada por infrassons, ou seja, sons de gama baixa que no encontro com a fragilidade da matéria orgânica geram uma paisagem sonora minimalista de frequências altas. A gravação de campo inicial, portanto dos sons da natureza, gera um espaço acústico primário que ao ser amplificado produz um loop entre captação/reprodução/captação. A segunda obra, um painel onde milhares de pauzinhos feitos de madeira industrial de bamboo foram colocados um a um, é afetado por frequências sonoras da atividade geológica e sísmica da terra e que são produzidas abaixo do limiar da nossa capacidade auditiva fisiológica (entre os 3 hz e 23 hz). Uma vibração inaudível que, no contacto com o objeto, passa ser ‘visível’. Nas duas esculturas, as diversas vibrações e os movimentos por elas gerados, conduzem a uma espécie de ‘retexturização’ da matéria. Ou seja, à visão, e à potencialidade do toque, chegam-nos dois objetos animados, em constante transformação, que vão da apreensão mais nítida, pormenorizada, ao disforme. Como se a vibração sonora os ‘pincelasse’ num staccato impressionista.

Nas obras de Delindro há um pendor de efemeridade, um estado pulsante de iminência de um fim indeterminado. No estado processual, a aleatoriedade vinga e o que nos chega aos sentidos não é estático, provocando-nos uma apreensão, substancialmente, encorpada dos acontecimentos. Tal encontra ressonância em “Marégrafo” (2022), uma escultura constituída por uma placa de zinco, que parece conter um espaço enigmático, uma escuridão que ao mesmo tempo atemoriza e é chamativa, e onde o nosso reflexo se mostra profundamente difuso. Ao aproximarmo-nos da peça, percebemos que esta sofre um desgaste físico constante, através das forças eletromagnéticas que geram uma sonoridade acústica que faz mover as tachas metálicas nela cravadas e em permanente rotação. O que leva à composição de um desenho que vai se transformando até a um possível desmoronamento da obra. À semelhança, “Jardim não tão zen” (2024) apologiza a liminaridade que resulta do enlace entre binómios como estabilidade/instabilidade, visível/invisível e criação/destruição. A dinâmica da efemeridade surge a partir da fricção, causada por infrassons captados em vulcões ativos de diferentes geografias, na gravilha, pigmentos avermelhados e detritos vulcânicos, pousados sobre uma estrutura de metal, iluminada por um foco de luz. Mais uma vez, as ondas sonoras surgem como forças portadoras do fatalismo da erosão e, consequentemente, do desaparecimento de outras matérias.

Não obstante os fenómenos naturais comportarem as suas sonoridades, de intensidades variadas, a catastrófica ação humana no planeta e no desgaste dos seus recursos tem levado a outros sons indicadores dessas perdas e alterações constantes. Sendo disso exemplo o degelo dos glaciares resultado do aquecimento global, por sua vez causado pela intensificação do efeito de estufa. O que tem conduzido a que vários artistas integrem, nas suas práticas, essa problemática sócio-ecológica. Como o caso de Katie Paterson (“Vatnajokull (the sound of)”, 2007-2008; “Langjökull, Snæfellsjökull, Solheimajökull”, 2007), Soliman Lopez (“Manifesto Terrícola”, 2023) e Gil Delindro. Este último frequentou a residência artística “La Becque”, em 2019, ocorrida nos Alpes Suíços, onde procedeu à recolha de áudio, através de equipamento como sensores, hidrofones e microfones de alta sensibilidade, das grutas de gelo e túneis do glaciar Ródano, que se encontra em vias de extinção. Resultado da residência, a obra audiovisual “Ródano” (2021, vídeo 4K de 27’’ em loop), confronta-nos com as captações sonoras do colapso e movimento do glaciar, que se estendem a frequências baixas (infrassons). A audição só é possível através do uso de headphones, pelo que a imersão numa escuta ativa é apurada com o sentido de apelo à ultra consciência para essa destruição que a Humanidade, perversamente, vem costurando para o mundo. A captação de infrassons do movimento do Glaciar de Ródano, quando este atravessa o vale geológico, foi utilizada para compor a instalação “Ródano – suspensão” (2021). Num invólucro cilíndrico transparente, a gravilha depositada movimenta-se, num desgaste contínuo, devido à energia acústica. A nuvem de poeira que se forma é uma dança etérea desses detritos que se vão condensando na estrutura interna do recipiente, e que comprometem o alcance visual.

A título de remate, retorno a Merleau-Ponty para sublinhar esse encontro entre as sensações e as perceções, o visível e o invisível, e as (i)materialidades. Referiu o filósofo que para além do som objetivo proveniente do instrumento, e que ressoa fora de nós, outros sons são ‘esculpidos’. O atmosférico, que está entre o objeto e o corpo, e o que vibra em nós como se fossemos o instrumento ou o pêndulo. Por último, quando o som desaparece fica a experiência de modificação do corpo todo. E talvez seja isso que levamos entranhado, em nós, quando saímos da exposição de Gil Delindro. Uma experiência que continua a latejar, porque ‘ouvimos’ com o corpo todo.

 

 

Sandra Silva
Licenciada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e mestre em Estudos Artísticos - variante Estudos Museológicos e Curatoriais, pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, com uma dissertação sobre a interligação entre arte e ciência. Dedica-se à investigação independente, com particular interesse pelos diversos temas da arte e curadoria contemporânea.

 


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Bibliografia

Barad, K. (2012). What Is the Measure of Nothingness? Infinity; Virtuality; Justice In 100 Notes -100 Thoughts /100 Notizen -100 Gedanken (N.º 099). Ostfildem: Hatje Cantz Verlag.
Merleau-Ponty, M. (1999[1945]). Fenomenologia da perceção. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora.
Rocha, P. (2025). Sobre as obras. Gil Delindro – A Audição Vibratória.
Keller, H. (2024 [1924]). My heart almost stood still. Letters of Note.



SANDRA SILVA