|
JORGE GALINDOBLACK PAINTINGS![]() GALERIA DUARTE SEQUEIRA R. da Galeria nº129, 4700-803 Braga 18 JAN - 22 MAR 2025 ![]() Uma experiência sensorial e intelectual que nos desafia a adoptar uma nova forma de observar o mundo![]()
Um encontro com a audaciosa obra do enigmático artista espanhol Jorge Galindo exige uma reavaliação constante daquilo que entendemos por expressão artística e pela própria relação entre o gesto, a forma e o significado. A escala monumental das suas telas, que exploram a relação entre o gesto expressivo, a abstração e a figuração, através de um uso vibrante da cor e de gestos pictóricos irrestritos e dramáticos, traduz a busca incessante do artista por liberdade, renovação e transcendência. Galindo, nascido em Madrid em 1965, distingue-se não apenas pela técnica, mas também pela incessante procura de se surpreender a si mesmo, desconstruindo convenções e mergulhando nas contradições que permeiam a sociedade e a sua própria biografia. O artista trabalha com uma urgência quase selvagem, deixando-se guiar pelas surpresas e imprevistos que surgem durante o processo criativo. O objetivo nunca é repetir o que já foi feito, mas ir além, desafiando a própria tendência de criar uma assinatura estética. Um dos maiores expoentes da pintura espanhola contemporânea, Galindo subverte fórmulas pré-estabelecidas e explora o campo da abstração apropriando-se de elementos figurativos simbólicos e transformando-os de maneira imprevisível até adquirirem uma profundidade peculiar e se transformarem em algo novo. As flores, tema e motivo recorrente e central na sua obra, são uma metáfora do próprio processo criativo: um campo fértil onde a vida e a morte se entrelaçam, onde o efémero encontra o eterno e a figuração se dissolve na abstração. Na sua carreira de mais de quatro décadas, a cola que une diferentes estilos e abordagens é uma iconografia muito pessoal, que tem raízes na sua infância em Madrid. A sua obses-são por objetos em segunda mão e imagens do passado remonta às suas incursões no mercado de El Rastro, onde os seus pais o levavam a passear. A obra de Galindo engloba uma diversidade de influências da cultura popular, como filmes, capas de álbuns, imagens recortadas de revistas de publicidade antigas e até calendários, criando um repertório visual único. As suas séries de pinturas de flores, que se tornaram icónicas, nasceram de uma obsessão por imagens florais presentes em postais antigos: flores fabricadas, comercializadas, quase naturezas-mortas cliché. Galindo começou a dedicar-se mais intensamente ao desenvolvimento de séries de pinturas com flores a partir de 2009, inspirado em particular pela reprodução de Peter Saville da imagem da natureza morta A Basquet of Roses do pintor francês Henri Fantin-Latour na capa do álbum Power, Corruption & Lies da banda inglesa New Order, que ouvia compulsivamente no seu estúdio nessa altura. Como não conseguia obter os resultados que queria ao pintar ramos de flores ao natural, Galindo decidiu pintar as flores usando colagens, recortes e imagens antigas como referência. Comprou postais antigos de flores e naturezas-mortas online e começou a pintar a partir deles, quer sobre tela quer sobre acumulações de cartazes publicitários arrancados da rua. Desta forma, conseguiu assim pintar com a força, as cores e a intensidade que desejava. Mais recentemente, o artista tem inovado ao fazer algumas pinturas sobre telas impressas digitalmente com imagens ampliadas desses postais antigos. Para Galindo, o uso de flores em pintura tornou-se uma forma de celebrar a vida e a liberdade de expressão, num processo criativo livre de qualquer restrição formal. Fruto de uma investigação sofisticada, os seus temas florais não se limitam a representações naturais ou românticas, mas constituem entidades complexas, cuja cor, forma e textura se sobrepõem e se confrontam, produzindo imagens de grande carga emocional e estética. As flores que surgem nas suas telas não são meras imagens, são, na verdade, símbolos de uma energia que transcende a superfície pictórica e se impõe com uma força quase selvagem. Em 2019, Galindo colaborou com o cineasta Pedro Almodóvar num projecto em que, utilizando um processo colaborativo que mesclava pintura e fotografia, reinterpretou as fotografias de flores tiradas por Almodóvar. A peça final desafia tanto a pintura clássica quanto a fotografia moderna, tornando-as simultaneamente reais e irrealistas, emotivas e distantes. Nesta obra, Ga-lindo transcende a simples representação realista da flor, transformando-a numa metáfora da transitoriedade da vida, da manipulação da imagem e da repetição obsessiva das formas. Em Black Paintings, o artista continua a explorar o tema das flores, mas com uma abordagem mais subjetiva e pessoal. Apresentando onze telas que incorporam não apenas o tema floral, mas também a interação entre elementos figurativos e a abstracção, a cor e o preto, a escala, a gestualidade e o acto performativo de uma prática experimental que desafia a noção tradicional da representação floral. A exposição estende-se por duas salas: uma ampla, onde estão expostas seis pinturas de escala monumental, e uma de menores dimensões, que permite uma relação mais intimista com a obra do artista. O título faz referência ao fundo preto presente em todas as pinturas, que enfatiza a representação em cores vibrantes da gestualidade expressiva do artista. Abordagens quase abstratas em que formas florais emergem de traços de tinta e marcas de pincel intensas. Elogio dos Símbolos (2024), com explosivos laranjas e magentas saturados e exuberantes verdes e rosas claros, emerge com força da superfície pictórica, lembrando uma ampliação reconfigurada de uma pintura floral flamenga do século XVII, em que as flores no centro da composição emergem de um fundo negro, criando uma sobreposição entre o antigo e o moderno, o de-corativo e o gestual. Voz e Silencio, Espejo en el Cielo e Sinfonia das Estrelas (ambas de 2024), destacam as flores no centro da composição, com os seus azuis e amarelos vibrantes nas pétalas e os seus verdes nos caules. Nelas, vemos uma exploração contínua de possibilidades, onde o gesto e a cor se encontram num campo de energia e transformação. Estas três imagens gigantes confrontam-se com a monumental pintura performativa Luces Del Tiempo (2024), com uns ambiciosos 380 cm de altura por 790 cm de largura. As grandes telas de Galindo, que são simultaneamente explosivas e líricas, convidam-nos a imergir num mundo de cor e forma, onde o decorativo e o gestual se misturam numa celebração da criatividade irrestrita. Somos literalmente esmagados pela dimensão destas obras e a transição para uma escala mais humilde, que nos permite percepcionar de forma mais intimista os pormenores técnicos das telas a óleo I, III e IV da série La Voz Subversiva (2024), constitui um paradoxo agradável. La Voz Subversiva III, com o seu traço visceral, está no limiar da abstração.
Black Paintings, Jorge Galindo, Galeria Duarte Sequeira, 2024. © Filipe Braga
Rosas & Espinhos II (2024), com a sua paleta de amarelos, verdes e castanhos e pinceladas que criam pontos de luz e a conferem organicidade ao motivo, estabelece uma tensão visual que remete para a ambiguidade do gesto, mas também para a rigidez do decorativo, criando uma relação entre o improviso gestual e as convenções históricas subjacentes à cultura visual. Galindo estabelece uma relação peculiar com os materiais que seleciona. Desde o início da sua carreira que o artista se destaca pelo uso de materiais não convencionais, como tecidos de lona e de juta, e pela incorporação de elementos encontrados, como cartazes amassados, papéis de parede reciclados e tecidos usados, frequentemente adquiridos em mercados de segunda mão. Esta prática reflete a capacidade de Galindo entrelaçar o passado e o presente, oferecendo um comentário sobre a passagem do tempo, a repetição da história e a reinvenção constante da imagem. Para o artista, o lixo cultural e os objetos descartados não são apenas resíduos; são fragmentos de um passado que ainda pulsa e que pode ser reconfigurado e transformado em algo novo. Ao longo dos anos, Galindo foi aperfeiçoando a sua técnica, integrando mais ativamente a fotomontagem e a colagem no seu trabalho. A prática do artista pode ser vis-ta como uma evolução contínua, desde os seus primeiros trabalhos, que exploravam a materialidade e a textura, até às suas pinturas mais recentes, que apresentam uma sintaxe visual mais refinada e complexa. A obra de Galindo transcende a mera exploração estética, tocando em questões mais profundas de memória, identidade e o impacto da cultura popular. O tema floral, que lhe traz reminiscências de capas de álbuns, postais e cartazes de flores, mas também de festas populares e tradições urbanas de Madrid, serve como ponto de partida para uma reflexão sobre a efemeridade da experiência humana. Com uma habilidade única de manipular e subverter a pintura, Galindo desafia-nos a reconsiderar as convenções da arte, da memória e da cultura. A sua obra é um convite à celebração do inesperado, proporcionando uma experiência sensorial e intelectual que nos desafia a adoptar uma nova forma de observar o mundo. Jorge Galindo está em exposição na Galeria Duarte Sequeira, em Braga, até 22 de Março de 2025.
![]()
|
