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COLECTIVA'SE EU TIVESSE MAIS TEMPO, TERIA ESCRITO UMA CARTA MAIS CURTA.'![]() FIDELIDADE ARTE Largo do Chiado, 8 1249-125 Lisboa 27 JAN - 03 MAI 2025 ![]() ![]()
“Se eu tivesse mais tempo, teria escrito uma carta mais curta.” é a oitava exposição do ciclo “Território”, um projecto de parceria entre a Fidelidade Arte e a Culturgest, que vem apresentando exposições no espaço do Chiado. Com curadoria de MARQUISE, a exposição “Se eu tivesse mais tempo...”, apresenta até 2 de maio obras de seis artistas nacionais e internacionais: Daan van Golden, Fiona Connor, Gianna Surangkanjanajai, Hans-Peter Feldmann, Laurent Dupont e Lourdes Castro.
Fiona Connor, I haven't arrived yet (2024). © Vera Marmelo
Logo à entrada das salas de exposição, vemos um conjunto de sapatos pousados à porta que poderiam ser confundidos com os dos visitantes, não fossem eles feitos de bronze. A dúvida sobre tirar ou não os sapatos antes de entrar no espaço pode passar pels cabeça do visitante, assim como a dúvida sobre o que se “passará” lá dentro para termos que tirar os sapatos. Para Pedro Ramos, esta instalação de Fiona Connor cria uma ambiguidade na classificação do espaço expositivo, que pode ser visto como um espaço semelhante ao doméstico, onde se “passa” algo distinto do que ocorre no espaço público. Também pode chamar a atenção para as outras coisas que acontecem num espaço expositivo para lá da centralidade das obras. Para Fiona, pode remeter também para a ideia do espaço expositivo como um espaço asséptico, limpo. É curioso que logo ali na entrada esteja também a primeira “marca” na parede, a sujar esse “white cube”. Haverá mais duas ao longo da exposição. Tratam-se de Scuff #3, #6 e #7, obras em grafite que são stencils de marcas feitas pelo roçar de coisas em paredes, recolhidas pela mesma artista em edifícios (neste caso numa escola) e que, segundo ela, reproduzem “a marca perfeita do contacto do corpo com a arquitectura”. Uma das marcas está colocada debaixo de uma tomada, porque era assim que estava no local original.
Fiona Connor, Scuff #6 (2024). © Liz Vahia
Na sala inicial deparamo-nos com as primeiras obras de Laurent Dupont e Daan van Golden. Laurent Dupont colecciona caixas de cartão das viagens. Ao mostrá-las, a caixa original fica escondida sob uma pintura acrílica que reproduz fielmente a cor e o design da caixa (excepto o fundo, que podemos ir espreitar para comparação). Não é uma réplica da caixa que se mostra, é a caixa mesmo, que serve de modelo e suporte à pintura.
Laurent Dupont, Lucky Boat (2024). © Liz Vahia
De Daan van Golden, encontramos nesta primeira sala um livro de fotografia desencadernado e mostrado como série fotográfica, numa espécie de reapropriação do seu próprio trabalho. Na última sala, voltamos a ver uma obra sua, Insel Hombroich (1988/2012), três fotografias da filha do artista a fazer a roda em frente de uma pintura de Yves Klein. Nestas obras, debatem-se algumas das questões que percorrem a obra do artista, como o fazer artístico presente em todas as suas acções pessoais, a repetição e o emergir do novo ao voltar a olhar. De Lourdes Castro, podemos ver uma obra menos conhecida, feita com pratas de chocolates e tinta sobre acrílico, Automóvel (1965). Tem alguma ressonância com as caixas de cartão de Laurent Dupont, porque tal como elas se podem espalmar e voltar a montar, esta imagem de um automóvel visto de cima também tem qualquer coisa de estrutura de cartão que se pode montar, passar da bidimensionalidade do quadro à tridimensionalidade do uso quotidiano. Na última sala encontramos cinco cilindros com cola líquida no interior dispostos no chão, uma obra de Gianna Surangkanjanajai. A cola torna visível o cilindro de acrílico e cria uma relação curiosa entre peso do objecto e leveza visual. Já na saída para a última sala, encontramos Autorrádios fotografados enquanto tocava boa música (1970s-1990s), de Hans-Peter Feldman. Seis fotografias a preto e branco e a cores, que parecem “objet trouvé”, que pelo curioso título despertam uma interrogação sobre a relação entre o sonoro e o visual, a “qualidade” artística ou musical, o “gosto”, etc. A terminar a exposição, a projecção de Atelier 2007-2008, le film (2009), de Laurent Dupont. O artista filma as argolas de fumo que vai fazendo ao fumar no seu atelier. Filmado durante um ano, combinando diferentes excertos, "o vídeo pode ser visto durante um minuto ou uma hora". Vemos as formas circulares a rodopiarem no ar e vemos também, voyeristicamente, os detalhes do seu atelier. Possivelmente porque estamos já influenciados por uma imagética da criação digital, esta simples actividade “analógica” que todos reconhecemos ganha de repente uma nova perspectiva, especialmente nos momentos em que as argolas flutuam pelo ar como criações artificiais, já sem um referente à sua origem, apenas como formas geométricas que se sobre-impõem ao espaço. Este contraste e conexão entre formas perpassa toda a exposição. Mas, segundo Pedro Ramos, “as relações entre as peças não são finais”. Ao convocar estes artistas e estas obras, MARQUISE propõe uma entrada num território que não se quer circunscrito, nem de perspectiva única. Podemos habitá-lo sem sapatos, percorrendo silenciosamente o espaço, mas podemos também procurar as marcas que outros deixaram, que se agarram aos objectos, às paredes, ao desenho do lugar, e assim vermos todos territórios distintos.
Liz Vahia
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