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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição The Poetics of Dimensions. © Nicholas Lea Bruno / Cortesia ICA


Anthony Akinbola, Neapolitan, 2023. © © Nicholas Lea Bruno / Cortesia ICA.


Vista da exposição The Poetics of Dimensions. © Nicholas Lea Bruno / Cortesia ICA


Shinique Smith, Bale Variant No 0014, 2008. Colecção Michael Hoeh, New York.


Vista da exposição The Poetics of Dimensions. © Nicholas Lea Bruno / Cortesia ICA


Moffat Takadiwa, The Towering Twins, 2020. Cortesia do artista e Nicodim Gallery.


Vista da exposição The Poetics of Dimensions. © Nicholas Lea Bruno / Cortesia ICA


Nari Ward, The Martyrs of the Race Course, 2023 (detalhe). Cortesia do artista, Lehmann Maupin e Galleria Continua


Vista da exposição The Poetics of Dimensions. © Nicholas Lea Bruno / Cortesia ICA


Nengi Omuku, The Lighthouse, 2021. Cortesia do artista e Kasmin Gallery.


Vista da exposição The Poetics of Dimensions. © Nicholas Lea Bruno / Cortesia ICA


Anthony Akinbola, Fantasy World, 2023. Cortesia do artista e Night Gallery, Los Angeles.

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ARQUIVO:


COLECTIVA

THE POETICS OF DIMENSIONS




ICA - INSTITUTE OF CONTEMPORARY ART SAN FRANCISCO
345 Montgomery Street
San Francisco, CA

25 OUT - 16 MAR 2025


 


The Poetics of Dimensions é uma das exposições parte do trio de exposições que inauguraram o novo espaço do ICA San Francisco. Trata-se de uma exposição colectiva com curadoria de Larry Ossei-Mensah que, diz-se traduzindo livremente a sua breve biografia disponibilizada, tem vindo a usar a arte contemporânea e cultura num sentido lato como ferramenta poderosa no desafiar das normas instituídas, articulando as nossas percepções da arte e sociedade com inclusividade e inovação e fomentando uma maior compreensão de nós mesmos e do mundo que nos rodeia.

É necessária a paráfrase não só para que se faça jus ao trabalho de curadoria do qual, naturalmente, boas e sólidas exposições colectivas dependem, como também para que a missão auto proclamada sirva como guião de entendimento da evocação de obras e artistas.

The Poetics of Dimensions, patente até 16 de Março de 2025, é uma exposição colectiva cujas obras de artistas se interligam profundamente não apenas por uma visão comum quanto à sua leitura do mundo (lá chegaremos) como quanto à característica forte da pobreza dos materiais utilizados.

Se é a poética das dimensões que intitula este conjunto, poderá considerar-se quais serão as regras que a pautam e a que dimensões nos referimos. Seria literal pensarmos no espaço; em escultura. Contudo esta pobreza que é característica à exposição, é a poiética que permite que se transfira para a poética a consideração das dimensões.

Crê-se que as dimensões entram aqui como possibilidades de classe.

Ora, se são materiais pobres a que estes fazeres e obras recorrem, e se essa é simultaneamente o que os constrói como o que os sustém - a obra de arte é o que se consegue suster a si mesmo, diria Deleuze - não será extensivo dizer que estes aparecem como oposição a uma riqueza de materiais, à ostentação de uso de materiais novos e inconsciência ecológica ou inconsiderações de classe. Seria essa riqueza um empobrecimento da obra. A pobreza é, pela sua materialidade, força.

Pode-se tomá-lo como personalidade. Quer por recurso quer por despojamento, dita a sua pertença a uma das maiores lutas a travar dentro do universo museológico: o esventrar das classes.

Há uma forte presença, retornando ao labor versus valor versus custo material, da tapeçaria e do entretecimento, por oposição ao entretenimento. Foram mãos dedicadas as que construíram estas peças, porque as artesanias a que recorrem muitas delas seriam impossíveis por recurso a mecanismos industrializados. As peças usam a eficácia da mestria! Recorrendo a técnicas têxteis reusam-nas a bom grado para que destas se retire - aqui está! - a poética, a regra que emerge do desregramento do meio. Tal e qual o desafio de Larry.

O que acontece nas exposições colectivas, ou melhor, o que surge do esforço de comentar exposições colectivas é a alusão risível a uma novela; muitos personagens interagem num espaço limitado e as histórias das suas ligações só podem ser interpretadas com consideração à personagem que as sustém. Fosse este texto um guião de uma série, começar-se-ia pelo episódio piloto: a apresentação das personagens. Ora, cumpra-se o riso, e reserve-se algum espaço à breve apresentação dos artistas presentes. Para efeitos dramáticos utilizar-se-ão os primeiros nomes das personagens, digo, artistas; Anthony Akinbola, Miguel Arzabe, Sonia Gomes, Melissa Joseph, Hugo McCloud, Rodney McMillian, Nengi Omuku, Esteban Ramón Pérez, Shinique Smith, Moffat Takadiwa, and Nari Ward.

Este episódio piloto é extremamente necessário para a contextualização desta exposição. Larry realizou o casting considerando exactamente o minar de determinadas retóricas e, não tornando esta como uma exposição que se defende por ampliar vozes ou segurar bandeiras, mas exactamente se defende pela poesia das suas amplitudes, recorre à minudência identitária; às artesanias culturais; ao lixo - global mas localizado. Periférico, tal como seria de dizer destas matérias que insuflam a exposição, o enredo é uma sensível trama de materialidades, “herança cultural, narrativas pessoais e realidades sociais”. Também por essas razões, para que os nomes não sejam apenas nomes, é importante a contextualização breve destes artistas, porque a sua identidade é trazida ao discurso curatorial e impresso nas matérias.

 

*Note-se que a informação quanto às biografias e almejar das práticas foram recolhidas dos seus sites pessoais ou dos sites de galerias que os representam. A paráfrase utilizada é livre e interpretativa e entretecida com uma mão cheia de outras considerações. Informação quanto às suas práticas gerais foram retiradas destes mesmos lugares e da folha de sala, considerações tecidas a partir dessas informações são da minha autoria. **Nota à nota: é importante a ressalva não como salvaguarda mas como reconhecimento e acalmar da aparência de uma sabedoria omnisciente no texto.

 

Uma vez já aqui referido, no texto relativo à representação do Zimbabué na Bienal de Veneza de 2024, comece-se por Moffat.

Continuando a viver no Zimbabué de onde é natural (1983, Hurungwe), Moffat toma como sua prática a transformação dos resíduos descartados fruto de um consumismo exacerbado através de técnicas de tecimento Korekore, sua herança cultural. Tomando a sua voz para tocar temas como a ecologia e o pós colonialismo, Moffat não deixa de considerar a mimetização do oprimido pelo opressor e a complexidade das identidades de nações colonizadas. Uma das duas peças apresentadas em exposição, Object of Influence (5G) de 2021, é construída a partir dos tubos de embalagens de perfumes e de abraçadeiras, numa forma que embora não mimetize lembra uma fase larvar de transformação. O que se apresenta como mais impressionante é não apenas a capacidade técnica de transformação destes materiais - que nos enganam à primeira vista, dissimulados numa imagem maior, tal e qual os problemas que o seu descarte massivo acarreta - exímia, delicada e inimaginavelmente trabalhosa, mas a leveza do gesto. A simples repetição do gesto - recolher, reapropriar, transformar - informa de forma directa todos os assuntos que evoca. A incorporação destes resíduos como identidade do objecto, não serão de forma evidente a compreensão dos complexos lastros coloniais?

Voltando ao espaço e descendo um largo lanço de escadas de madeira clara. Aliás, uma escadaria que lembra a arquitectura de um espaço de assembleia comunitária - onde se pode parar, sentar e reflectir, possibilidades que faltam noutras estruturas arquitectónicas institucionais - permite-nos subir e descer. Descendo, vemos Fantasy World.

Deixa-se a nota de que este espaço onde se encontra agora o ICA San Francisco é um edifício histórico na 345 Montgomery Street, originalmente construído em 1971 para ser a sede do Bank of America e apelidado de “The Cube”. The Poetics of Dimensions está albergada no piso -1 dos três pisos do edifício. O piso de entrada, com frentes envidraçadas para duas ruas movimentadas, convida a que a cidade se imiscua nas exposições. A estranheza das características deste espaço enquanto espaço expositivo são também o que lhe permite que as exposições aconteçam em formatos inevitavelmente não convencionais quanto à relação com as peças.

Anthony, com Fantasy World, apela-nos à fantasia. Esta peça de 2023 é uma máquina de jogo onde podemos tentar a sorte e dirigir a garra mecânica para brinquedos, peluches e outras surpresas. Com a possibilidade de ser jogada e inevitavelmente activando um imaginário de feira e de festividade, é uma peça apelativa. Lúdica. Contudo, a ludicidade com que nos apela é compulsiva; o jogo cria a tensão e o desejo de uma vitória, independentemente do que se ganhe. O valor e a ânsia que nos leva ao desejo da recompensa estão em causa na dança aparentemente inocente que Anthony propõe. Crescido entre o Missouri e a Nigéria, Anthony tem vindo a reimaginar a (sua) identidade através do que diz metáforas para o que uma vivência de primeira geração de emigrantes nigerianos nos Estados Unidos pode aparentar ser.

Sónia Gomes, nascida em 1948 no interior de Minas Gerais, “faz da costura uma espécie de desenho”. Pela sua relação com os materiais têxteis, e através de um conjunto de acções que se repetem ao longo da sua prática, “como amassar, torcer, esticar, tensionar, suspender e embrulhar”, Sónia considera a materialidade do mundo através do cuidado dos gestos partindo maioritariamente de um ambiente de intimidade, a intimidade do corpo, da roupa como segunda pele, e da casa como espaço de conforto. Em The Poetics of Dimensions apresenta duas peças; Um lugar, um corpo, 2014 e Sem ti?tulo (se?rie Torc?a?o), 2013. Ambas se apresentam como estruturas-suporte; uma espécie de esqueletos para uma carne que ainda não cresceu. Exactamente como referido, estes desenhos costurados no espaço, permitem-nos a experiência de uma estranheza de um corpo que desconhecemos e ao qual contudo nos sentimos já próximos e considerados.

Melissa vive em Nova Iorque e tem vindo a referir-se às políticas de ocupação de espaços, especialmente considerando o espaço reservado ao labor das mulheres, dada a sua experiência enquanto segunda geração de emigração indiana nos Estados Unidos.

Hugo, com formação em design industrial, procura a beleza no dia a dia caótico das cidades, criando paisagens a partir de materiais que poderiam, como diz, ser considerados “abjectos”; materiais de isolamento, soldadura, sacos de plástico. Tem vindo a desenvolver técnicas específicas para a utilização destes materiais, equacionando a geopolítica, a economia do trabalho e as implicações ambientais do uso do plástico.

Rodney, nascido na Carolina do Sul em 1969, vive em Los Angeles e procura as ligações entre a história e a cultura contemporânea, procurando a negociação “ entre o corpo de natureza política e a política de natureza corporal.”

Nengi é nigeriano; as suas pinturas a óleo sobre tecidos tradicionais africanos, representam as narrativas de adaptação resultantes dos processos de integração e de pertença. O corpo, sempre presente nestas representações, vive a percepção da figura do “outro”, seja em comunidade ou em isolamento.

Esteban tem uma prática escultórica e pictórica que faz uso de técnicas mistas e pouco tradicionais, enfatizando a camada político-social dos materiais e enfatizando as relações entre memória, espiritualidade e história.

Miguel, também movido pelas referências à história, procura nela material literal e subjectivo. Na exposição apresenta Last Weaving, 2018 , um desenho abstracto e com uma forte presença de padrões e aglomerações de cor, realizado a partir da tecedura de antigos posters de exposições. Reciclando os materiais descartados do próprio meio artístico, Miguel evoca a reciclagem de discursos e a recontextualização de narrativas com referência à sua herança cultural boliviana.

Shinique recorre à sua vivência infantil para a concepção de grandes presenças escultóricas como a apresentada nesta exposição. Bale Variant No 0014, 2008 é não mais que um bloco aglomerado de roupas e tecidos, condensados e mantidos agregados por cordas. Esta peça, criada pela artista, não está distante dos blocos de roupa que podem ser encontrados nos armazéns de grandes cadeias de roupa em segunda mão e que são acumulados, repostos e circulando fruto do descarte contínuo de antigas colecções no contexto americano.

Sendo também conhecida pelas suas pinturas e recorrência à poesia visual e colagem, a colecção conceptual de recortes da sua vivência espelha-se no modo de operação da artista que através de conexões que os atravessam sugere a possibilidade de outros mundos.

Nari, nascido na Jamaica em 1963, recolhe matéria do seu bairro, em Nova York, para o recontextualizar no contexto artístico, justapondo e dirigindo-se a temas fracturantes como a racialização e a pobreza. Como o título indica, The Martyrs of the Race Course, 2023 é uma frase inscrita numa das paredes móveis do ICA San Francisco, de onde cordões de sapatos nascem, como ervas daninhas, e justapostos criam a leitura desta mesma frase, criando um lastro através do comprimento dos cordões caídos.

Assim iniciada a série através deste episódio piloto, esperam-se outros episódios, para que possam acompanhar outras, como Atlanta, que expõe desastres sociais e implicações políticas nas contínuas desgraças - ecológicas, também, mas não só. Conscientes, mas rindo do inevitável.

 

 

 

Catarina Real
(1992, Barcelos) Trabalha na intersecção entre a prática artística e a investigação teórica no campos expandidos da pintura, escrita e coreografia, maioritariamente em projectos colaborativos de longa duração, que se debruçam sobre o questionamento de como podemos viver melhor colectivamente. É doutoranda do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho com uma investigação que cruza arte, amor e capital. Encontra-se em desenvolvimento da Terapia da Cor, prática aplicada entre teoria da cor, arte postal e intuição coreográfica. Mantém uma prática de comentário - nas vertentes de textos de reflexão, textos introdutórios a exposições, entrevistas e moderação de conversas - às obras e processos realizados pelos artistas na sua faixa geracional, com a intenção de contribuir para um ambiente salutar de crítica e criação colectiva e comunitária.
Foi artista residente na Residency Unlimited, Nova Iorque, com apoio do Atelier-Museu Júlio Pomar/EGEAC.

 

 

 

 



CATARINA REAL