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COLECTIVALE JOUR IL FAIT NUIT![]() KUBIKGALLERY Rua da Restauração, 2 4050-499 Porto 22 FEV - 05 ABR 2025 ![]() Do visual ao sonoro, na Kubikgallery, com curadoria de André Cepeda![]()
Desde logo, ao afirmar que “durante o dia faz-se noite”, a exposição anuncia-se desafiante, sugerindo repensar concepções e rejeitar o comum e o pré-definido. Mais especificamente, como indicado, a mostra assume-se enquanto forma de resistência e inconformismo com a atualidade, através das obras e dos encontros que entre elas se promovem. Com efeito, apesar de se constatar uma ampla diversidade plástica e expressiva na exposição, há uma nítida coerência linguística e discursiva, bem como uma proximidade em qualidade e valor estéticos. Ocorre que, embora os artistas e as suas obras se situem, cada um, na sua esfera criativa própria, uns e outros encontram-se num campo sensorial partilhado. Há, portanto, um foi condutor e unificador que trespassa toda a mostra e que a torna harmoniosa, sendo, contudo, heterogénea, dinâmica e desafiante. Sublinhe-se, igualmente, que foi sob a premissa de total liberdade criativa que o galerista João Azinheiro dirigiu o convite a Cepeda. A partir daqui o curador moveu-se não só pelo desígnio acima referido, mas também por gosto, apreço e proximidade aos artistas. Por conseguinte, esta exposição emerge também de relações. Porém, apesar da variedade criativa da exposição, a fotografia sobreleva-se. Como esta é ela própria uma prática definida pela pluralidade, na medida em que se encontra inscrita e ativa em diferentes áreas e disciplinas, vai aqui, de acordo com essa variedade, revelar e apontar para os mais diversos referentes. A prática fotográfica ora é mais criativa, ora mais documental, isto que surge, respetivamente, pela autoria do artista Miguel Proença, cujas fotografias convergem o real fotográfico no abstrato, e por Leonardo Martins, com dois envolventes retratos de particulares contextos de Atenas e Nápoles. Refira-se, também, a obra de Diogo Simões, uma belíssima composição de quatro fotografias na qual o humano e o social contrastam com o animal e a paisagem. Cruzam-se cor e preto e branco, conjugação que, sendo pouco usual, é já recorrente na obra deste artista. O seu olhar fotográfico acentua a frieza, a pobreza e a tensão próprias das zonas suburbanas representadas e revela-se sob a forma de imagens com um caráter intemporal. Destaque-se, igualmente, a marcante fotografia que ao lado se expõe, de Cristiana Ortiga, intitulada “A Man in My Living Room”, passível de associar ao snapshot-style um estilo de registo que integra uma das mais importantes tradições fotográficas e que se define, habitualmente e no caso desta imagem, enquanto retrato intimista e natural. Sob uma outra forma de exposição do fotográfico, surgem as peças da artista Adriana João, que se situam entre o imagético e o escultórico na medida em que se tratam de impressões de jatos de tinta manipuladas para se apresentarem sob a forma de dois cilindros. Essas fotografias ganham, assim, tridimensionalidade, e opõem-se tanto quanto se complementam, criando a sua própria esfera no Kubikulo. Outros processos que têm lugar no laboratório fotográfico surgem numa sui generis e misteriosa composição de Anne Lefebvre, cujas imagens, na sua maioria impressões de gelatina de prata, desafiam o visível e o invisível, parecendo revelar e omitir, expor e esconder, a presença de um outro. Ao lado, em outra parede, encontra-se o registo de uma performance de Mariana Maia Rocha, “Uma ferida que carrego, o exoesqueleto de uma cidade”. Como a própria esclarece, o seu corpo surge como “fragmento da pele da cidade” e “cura a ferida urbana, assumindo-se simultaneamente como cicatriz e como agente de cura, participando no processo de regeneração do território”. A artista entende que as feridas e cicatrizes da cidade preservam a memória coletiva da mesma, em semelhança às da pele humana, nas quais se mantêm vivos os seus traumas. Efetivamente, nesta obra, a artista funde-se na cidade e o seu corpo existe como um prolongamento das lesões provenientes de conflitos, abandono e negligência.
Fala Mariam, Night and day (you are the one), 2023. Impressão jacto de tinta / Inkjet print 45 x 55 cm. © Kubikgallery
Mas o pictórico marca também presença na exposição, tanto pela mão de Fala Mariam, com uma sensível impressão de jato de tinta, como por Pedro Leitão, num forte e expressivo trabalho a óleo numa manta tradicional algarvia. Também em óleo, mas sobre tela, expõe-se um autorretrato de Ana Almeida, que requer uma observação mais atenta e demorada, inclusivamente pela sua predominante escuridão, face à qual se requer procurar a luz para que a imagem se revele. De certo modo, a obra “solicita-nos a profundidade do ver”, expressão de Eugénia Vilela, no belo texto lírico que acompanha a exposição. Igualmente objeto de demorada observação é a obra de Rui Moreira, na segunda sala, “Madrasto, Madrasdrasto jr. e fada do bem. Encontro surpresa no supermercado”, título que ecoa a amplitude do campo interpretativo da própria obra, a qual consiste numa colagem que se joga entre o real e o surreal, o reconhecível e o irreconhecível. Assinale-se que este é um belo exemplar do trabalho do artista que se inspira em viagens e diferentes culturas. Na montra, ainda de Ana Almeida, encontra-se uma peça sonora, sendo o som um elemento essencial da exposição. Com efeito, também o interior da galeria está contaminado por uma sonoridade, proveniente de uma peça de Marta Mateus, um vaso que ecoa no espaço, criando uma atmosfera tanto da ordem do transcendental quanto do natural, apelando-se, aliás, de “Fogo do Vento”. Foi também com música que se fez a inauguração, no dia 22 de fevereiro, com um concerto de Fala Mariam 3, com Fala Mariam no trombone, Bruno Silva na guitarra elétrica e Seu Barradas na pequena percussão, seguido de uma performance de Adriana João. Ficou expresso, então, o caráter plural, híbrido e expansivo do projeto de André Cepeda, numa exposição efetivamente original e contemporânea. A visitar, até 5 de abril.
Constança Babo
Notas [1] Texto publicado na introdução do livro “O Estúdio de Alberto Giacometti”, de 1988, pela editora Assírio e Alvim.
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‘Le Jour il fait Nuit’, patente na Kubik Porto, parte do projeto do ‘Ciclo da Cobra’ de André Cepeda, que propõe uma relação entre a música e a arte. Cepeda reúne os artistas Adriana João, Ana Almeida, Anne Lefebvre, Cristiana Ortiga, Diogo Simões, Fala Mariam, Leonardo Martins, Marta Mateus, Mariana Maia Rocha, Miguel Proença, Pedro Leitão e Rui Moreira.
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