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FABRIZIO MATOSAo Quilómetro SeisMCO ARTE CONTEMPORÂNEA R. Duque de Palmela, 141 e 143 4000-373 Porto 08 MAI - 15 JUN 2009 Da paisagem e do cénicoNella notte la terra non ha piú padroni, se non voice inumane. Il sudore non conta. Ogni pianta ha un suo freddo sudore nell’ombra e non c’è piú che un campo, per nessuno e per tutti. (1) Cesare Pavese «Paesagio III» in Lavorare Stanca. O trabalho que Fabrizio Matos (1975, Figueira da Foz) nos mostra com a exposição “Ao Quilómetro Seis”, constituído por pintura, fotografia e vídeo, possui vários elementos que quando apreciados na sua totalidade descrevem um topos (encontro) dialéctico onde a paisagem natural emerge em desarticulação com o indivíduo (sujeito). A natureza, quer em abundância de escala com o sujeito, quer nas soluções plásticas de Fabrizio; realça o sujeito como elemento inintegrável. Surge a dimensão da falta, mas sem a densidade psicológica do termo ou as derivações platónicas acerca do desejo. Ela surge mais, por uma visível desarticulação topológica (2) e que é criada para que entre em cena a ordem do suspenso e da suspeição (suspense). Fabrizio Matos descobre numa escarpa da cidade do Porto (à medida de seis quilómetros) uma paisagem que lhe possibilita uma abordagem pictórica evocativa de algumas pinturas românticas. Gaspar Friedrich (3) é um dos nomes que, num texto explicativo da exposição, Fabrizio diz encontrar vários referentes. E de facto existem muitos pontos em comum, com o mestre do romantismo e autor do célebre quadro: “O Caminhante em frente ao mar de nevoeiro” (1818). Um quadro bastante conhecido, que em Portugal teve a particularidade de ter sido usado por uma editora para ilustrar a capa da edição de bolso do Ecce Homo de Nietzsche. Nas pinturas de Friedrich é recorrente o uso de paisagens com céus nocturnos, nevoeiros misteriosos, árvores enigmáticas ou ruínas de estilo gótico. E onde se encontram, numa escala reduzida, silhuetas humanas em poses contemplativas. Semelhantes elementos são usados por Fabrizio nesta exposição onde a paisagem natural, é utilizada como um cenário, e a noite, o vento e o nevoeiro são integrados como elementos que alterando a sua composição, juntamente com a presença ou a ausência do indivíduo, força a imaginação a criar potenciais situações que não se deixam determinar numa única valoração lógica. Porque, por fim, só existe o cenário – essa suspensão para a suposição. O cenário como potência e a escarpa como potência. Relembremo-nos, a título de exemplo, de Heidegger e os seus passeios pela floresta negra, onde o encontro com uma clareira, com a visão dessa imagem: determinou uma kéhre (viragem) no seu pensamento filosófico. A clareira era, para ele, uma imagem-potência. Esta potência de utilização do cenário, tem em Fabrizio Matos um momento invocativo na sua memória, do tempo passado em Itália junto aos estúdios da Cinecittá, onde enormes estruturas cénicas eram amontoadas depois da sua utilização. Para adquirirem nesse amontoado uma fantasmagoria, uma “aura” própria das ruínas e do grandioso abandonado. Deste modo, algo de artificioso torna-se imponentemente real. É assim que num primeiro momento da exposição podemos encontrar uma série de pinturas, com a incorporação dos elementos que já referenciei, dispostas juntamente com outras duas, onde é representada uma plateia de cinema que se encontra atenta à acção do filme. As pinturas invocam um momento anterior e posterior a um acontecimento que a composição não nos permite aceder. São-nos dados alguns indícios simbólicos que nos informam que algo de inquietante terá passado. O que contribui significativamente para o ambiente de suspensão e de suspense que é criado na primeira sala de “Ao Quilómetro Seis” e que de resto não se resolve ao longo da exposição. Numa segunda sala deparamo-nos com uma série fotográfica onde a mesma paisagem volta a ser retratada. Tons de sépia e captações nocturnas, que parecendo estudos para o trabalho de pintura acabam por rivalizar, com ela, em beleza e ganhar assim um estatuto de autonomia. Um vídeo, numa terceira sala, conclui a exposição. Nele é visível um trepedar das folhas da árvore que se encontra na escarpa, e que surge diversas vezes nos trabalhos aqui expostos. Uma árvore com enormes ramos entrelaçados e uma folhagem densa, que ajuda a construção do cenário ao estilo romântico e certamente um dos motivos principais da opção de escolha por esta paisagem. O vídeo, em loop, permite assim dar alguma realidade àquele cenário. Torna-o vivo ao mesmo tempo que através da técnica utilizada para sua feitura (um stop-motion fotográfico) faz com que não perca as suas características imanentemente cénicas que contribui para que pareça que estamos diante de uma imagem representativa de uma época já passada, onde o elogio às virtudes do modernismo com visões de novos mundos possíveis eram ainda frequentes. As ciências sociais habituaram-nos à construção dos cenários, que depois são facilmente integrados num discurso político. O cenário pessimista, o cenário optimista, o cenário realista. Enfim, todos os dias é-nos proposto um discurso cénico para uma gestão política da vida; para uma biopolítica. Forma-se um mundo de perceptos e conceitos que agem sobre o conteúdo existente e as suas disposições fazendo-nos duvidar do real. Temos que pôr a hipótese de nunca termos sabido e nunca vir a saber o que é o real. O que significa uma frase como por exemplo: o cenário ou o panorama das artes em Portugal?… Os seus agentes, dimensões ou mercados? Discute-se o quê? Disposições num cenário… É esta a paisagem fabricada para todos e para ninguém. É fácil encontrarmo-nos sós e diminuídos quanto a esta escala cénica. NOTAS (1) De noite a terra não tem donos, mas tem vozes não humanas. O suor não conta. Cada árvore tem o seu próprio suor frio no escuro e os campos são um campo único, de ninguém e de todos. Cesare Pavese «Paisagem III» in Trabalhar Cansa, trad. Carlos Leite, Cotovia, Lisboa, 1997. (2) Le sujet, si un tel effet existe, est matériel, comme tout ce qui est. Il est donc saisissable en reflet et en asymptote, en algèbre et en topologie. Alain Badiou, in Théorie du Sujet, Éditions du Seuil, Paris, 1982, p. 259. (3)Caspar (Gaspar) David Friedrich (1774 – 1840✝).
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