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ESPECIALISTAS EM MANUSCRITOS REVELAM QUE AS MULHERES DESEMPENHARAM UM PAPEL FUNDAMENTAL COMO ESCRIBAS MEDIEVAIS

2025-03-19




Antes de ser inventada a primeira imprensa tipogråfica no século XV, os livros tinham de ser feitos à mão. Eram os monges que geralmente trabalhavam na produção de pergaminhos e tinta, na escrita de textos e na encadernação das påginas acabadas, tudo isto para criar uns impressionantes 10 milhÔes de manuscritos entre os anos 400 e 1500 d.C., de acordo com uma estimativa recente. No entanto, as antigas suposiçÔes de que apenas os homens faziam este tipo de trabalho estão finalmente a ser desafiadas graças a uma nova investigação sobre o papel anteriormente ignorado das mulheres escribas.

O artigo, publicado este mĂȘs na “Nature Portfolio’s Humanities and Social Sciences Communications”, foi escrito por especialistas em manuscritos medievais da Universidade de Bergen, na Noruega. Argumentaram que, embora os estudiosos tenham reconhecido a existĂȘncia de escribas ou de comunidades produtoras de livros, provavelmente existiam mais exemplos que ainda nĂŁo foram identificados.

O artigo descreve a primeira tentativa de analisar quantitativamente a contribuição das mulheres medievais para a produção de manuscritos, de modo a compreender melhor o seu Ăąmbito. Isto foi conseguido atravĂ©s do estudo dos chamados “colofĂ”es”, declaraçÔes curtas, semelhantes a assinaturas, acrescentadas no final de manuscritos manuscritos que fornecem informaçÔes sobre o local e a data da sua produção e o nome do escriba. Uma escriba pode usar o seu nome ou descrever-se como mulher, por exemplo, usando os termos “scriptrix” ou “soror”.

Utilizando o catĂĄlogo de colofĂ”es beneditinos, que contĂ©m 23.774 colofĂ”es entre 800 e 1626 d.C., como conjunto de dados, os investigadores descobriram que cerca de 254, ou 1,1%, foram escritos por mulheres escribas. Embora fossem relativamente raras, os autores do artigo afirmam que as mulheres escribas existiam em maior nĂșmero do que se tinha contabilizado anteriormente.

Fizeram ainda a observação de que o nĂșmero estimado de escribas “permanece relativamente constante atĂ© 1400”, mas depois “o nĂșmero de colofĂ”es femininas aumenta significativamente, especialmente para os manuscritos vernĂĄculos”. Este nĂșmero volta a cair apĂłs 1500, para compensar a adoção da imprensa.

VernĂĄculo aqui refere-se a uma lĂ­ngua que nĂŁo Ă© o latim ou o grego antigo, mas Ă© mais amplamente falada e compreendida na regiĂŁo local. “Se assumirmos que os manuscritos com colofĂ”es vernĂĄculos tambĂ©m tendem a ser escritos em vernĂĄculo, isto sugere que um ‘mercado’ maior para os manuscritos vernĂĄculos aumentou a contribuição das mulheres escribas”, especularam os investigadores.

A anålise levou a equipa a inferir que mais de 110.000 manuscritos foram feitos por mulheres, ou 1,1% dos 10 milhÔes de manuscritos produzidos na época medieval. Sabendo que apenas cerca de 75.000 destes 10 milhÔes sobreviveram, os investigadores deduziram que existem provavelmente cerca de 8.000 manuscritos copiados por mulheres que ainda hoje existem. Em alguns casos, sabemos que foram produzidos por coletivos de vårias escribas que juntaram os seus nomes no mesmo cólofon.

O catålogo de colofÔes beneditinos foi compilado por monges beneditinos em Le Bouveret, na Suíça, entre 1965 e 1982. Regista 23.774 colofÔes provenientes de manuscritos originais e catålogos de manuscritos disponíveis na época. Não foi possível determinar o género de todos os escribas por detrås dos cerca de 5.000 colofÔes anónimos do catålogo, mas em 50 casos os investigadores conseguiram identificå-los como sendo de mulheres.

HĂĄ outras razĂ”es pelas quais estes cĂĄlculos feitos de acordo com colofĂ”es tĂȘm limitaçÔes. Os autores do artigo referiram que “aqui hĂĄ indĂ­cios de que algumas mulheres podem ter escondido o seu gĂ©nero escrevendo colofĂ”es ‘masculinos’ ou de gĂ©nero neutro e que as mulheres eram menos propensas a escrever colofĂ”es”. Algumas escribas escreveram os seus nomes na margem em vez dos colofĂ”es dos seus manuscritos, o que significa que as suas contribuiçÔes nĂŁo seriam contabilizadas no estudo.

NĂŁo sabemos se os manuscritos escritos por mulheres tinham mais ou menos probabilidades de sobreviver atĂ© ao sĂ©culo XX, quando o catĂĄlogo de colofĂ”es beneditinos foi compilado. TambĂ©m nĂŁo sabemos se as entradas dos catĂĄlogos representam uma boa amostra aleatĂłria do nĂșmero total de manuscritos produzidos na Idade MĂ©dia. Por esta razĂŁo, podemos considerar 1,1% como um limite inferior para a proporção de manuscritos escritos por mulheres.

Um exemplo de um colofĂŁo de uma escriba do catĂĄlogo beneditino Ă© a entrada 21.616: “scriptrix donetur in celis merces scribentis”, que em latim significa “que a escriba receba a sua recompensa no cĂ©u”.

Outro do sĂ©culo XV, entrada 2.235, escreveu: “Ego Birgitta filia sighfusi soror conventualis in monasterio munkalijff prope Bergis scripsi hunc psalterium cum litteris capitalibus licet minus bene quam debui, orate pro peccatrice.” Isto traduz-se em:

“Eu, filha de Birgitta Sigfus, freira no mosteiro de Munkeliv, em Bergen, escrevi este saltĂ©rio com iniciais, embora nĂŁo tĂŁo bem como deveria.”

Os autores do artigo esperam que as suas descobertas inspirem pesquisas futuras para compreender melhor quais os contextos geogrĂĄficos, socioeconĂłmicos e polĂ­ticos que apoiaram as mulheres que trabalhavam como escribas na Idade MĂ©dia.


Fonte: Artnet News