|
Pedro Telmo Chaparra, Miguel Faro, Alexandre A. R. Costa, Biana Costa, Teresa Forbes, Javier Núñes Gasco, André Graça Gomes, Stefan Kornacki, Dominik Lejman, Melanie Manchot, Régis Perray, João Ribeiro, José Eduardo Rocha, André Teles.
Curadoria | Mário Caeiro
Objet Trouvé. A cidade é um cadáver esquisito.
OBJET TROUVÉ é a segunda de uma série de exposições dedicadas ao objecto do ponto de vista da ética da arte pública. A primeira exposição – OBJET PERDU – manifestou aspectos críticos da produção objectual face ao regime da arte contemporânea: o valor da imponderabilidade no processo colaborativo, o dinamismo da interligação entre os níveis da representação e da reflexão ou, finalmente, a multivocidade da acção artística no quotidiano. Na trama de argumentos, conforme concretizada na modalidade do dispositivo expositivo, a noção de perda constituiu o leit motiv para relacionar a produção artística com um certo distanciamento dos criadores face às narrativas culturais e ideológicas, mormente a própria ‘arte’.
Em 2012, este padrão de reflexividade, típica da arte crítica, desenvolve-se, ironicamente, no sentido do reencontro com o objecto. OBJET TROUVÉ reúne treze artistas cujos trabalhos contribuem para uma perspectiva multidimensional da vida colectiva, enquanto lugar-objecto de redenção social. Num encontro tão frágil e efémero quanto fulminante, e independentemente das estratégias de representação e interacção estética em causa, a ideia de palimpsesto enquadra esta emergência de uma forma social de que todos somos personagens à procura de um autor. Tal formação é historicamente uma deriva utópica, motivada por carências pedagógicas e terapêuticas (como na Bildung romântica). Na tradição da arte como techne, trabalho sobre as formas nas coisas, redunda num ethos que acarreta escolhas ao nível do dispositivo plástico e projectual. Os objectos tornam-se então testemunhos das acções que os definem; mas genuinamente graciosos apenas quando encontro com o outro e com o social, compassivamente.
Em OBJET TROUVÉ, este jogo crítico da inscrição do poder da arte continua a assentar na possibilidade da concreção objectual. Não como na praxis surrealista (reduzida pela história a uma linguagem), mas algures entre a noção mundana da trouvaille, o motivo processual da serendipidade e o desejo meta-comunicacional do aforismo. Em tempo de sound bites e verdades extremamente residuais, e face ao estertor tanto da reflexão política como do modelo de produção industrial, será que a discreta auto-contenção destas obras, fruto da distanciação dos autores para com as narrativas colectivas dominantes, não poderia ser vista como uma moral transparente da arte como tradição superada?
No quadro confinado dos espaços galerísticos, estas questões têm-se traduzido em práticas relacionais, nem sempre o discurso indo ao encontro de uma experiência produtiva do sublime. Daí a relevância de uma arte que traduz em luminosos encontros estéticos os sentimentos que mais fundamente motivam o devir da cidade, esse palimpsesto urbano violentamente descontrolado que entretanto se constitui como imagem representativa da nossa espécie e suas formas de habitar. Ao mesmo tempo, essa arte – transmissão de memória, vislumbre de possíveis, resiliência da polis – é antes do mais um modo produtivo de ir ao encontro do(s) objecto(s), experimentando mecanismos de jogo e acção, de encenação ou afastamento, explorando toda uma gramática da consciência e em particular a do efémero específico da condição artística no socius. Só que então, se a cidade é ela própria o objet trouvé destas práticas de apropriação e análise, não seremos nós próprios sucessivos ready mades (cada vez menos energéticos?) e a cidade o nosso museu, pejado de objectos perdidos e encontrados? A cidade é um cadáver esquisito.
Mário Caeiro
Lisboa, 2012