Inauguração "Estado de Sítio" - 15.05.2014 | Imagem: Fabio Salvo ©


Inauguração "Estado de Sítio" - 15.05.2014 | Imagem: Fabio Salvo ©


Vista da exposição "Estado de Sítio" | Imagem: Fabio Salvo


Inauguração "Estado de Sítio" - 15.05.2014 | Imagem: Fabio Salvo ©


Vista da exposição "Estado de Sítio" | Imagem: Fabio Salvo


Vista da exposição "Estado de Sítio" | Imagem: Fabio Salvo


Vista da exposição "Estado de Sítio" | Imagem: Fabio Salvo


Vista da exposição "Estado de Sítio" | Imagem: Fabio Salvo


Vista da exposição "Estado de Sítio" | Imagem: Fabio Salvo


Vista da exposição "Estado de Sítio" | Imagem: Fabio Salvo

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ESTADO DE SÃTIO


Coletivo Tempos de Vista
Inês Teles, Joana Gomes, Margarida Mateiro, Maria Sassetti e Xana Sousa

 

 

ACÇÃO e DURAÇÃO num espaço aparentemente neutro

Carlos Vidal


“ESTADO DE SÍTIO” (não, não foram usados no título os termos “estado de excepção”, “lei marcial” ou “estado de emergência”, mas estes vários termos teremos de os pensar como um conjunto que cancela as regras do lugar e do espectador).
Este é o título da presente proposta do já conhecido colectivo (e precisamente muito conhecido enquanto “colectivo”, já na sua quarta exposição) “Tempos de Vista”, aqui, como noutros lugares e noutro tempo (recentíssimo), com obras de Maria Sassetti, Xana Sousa, Joana Gomes, Inês Teles e Margarida Mateiro. É um colectivo que tenho acompanhado desde a exposição inaugural (de um processo próprio de interacção operativa), “Tempos de Vista: Seis Perspectivas Artísticas em torno do Lugar”, no Reservatório da Mãe d’Água, às Amoreiras (espaço que “obra de arte” já era e que as autoras com ele se relacionaram cirurgicamente), intervenção de há cerca de 5 anos, portanto; “Seis Perspectivas” estas então acrescidas de um convite à participação de Magda Delgado, com as autoras que aqui temos presentes na Plataforma. (Nesse anterior projecto, curiosamente, Magda expôs um desenho de grande formato com, recordo-me, um corpo jacente, que sublinhava memórias do lugar pretendendo superar contingências arquitectónicas, seus limites e estruturas ou funções de condicionamento: um mote interessante para todos os trabalhos de “Tempos de Vista” que, em qualquer dos seus lugares, ou dos lugares intervencionados, se revelou capaz de dialécticas interior/exterior, lugar fechado e cidade, como se os trabalhos apelassem para algo não visível – paradigmática foi a intervenção no Observatório Astronómico de Lisboa, onde o exterior, mais do que a cidade, é o próprio universo, metonímia da criação, da criação artística, Cosmos).
Conhecendo a actividade in situ e as particularidades (de linguagem) de cada autora em todas as suas intervenções públicas (certamente conhecendo eu as decisivas), a Mãe d’Água, o Observatório Astronómico de Lisboa (2011) e a antiga Carpintaria Mecânica da Carris (2012), conhecendo e retrospectivando este percurso original, concluo que tais singularidades se reúnem num Uno-Todo, que estas quatro são uma só exposição onde unidade e fragmento se buscam mutuamente, que as obras tendem a (aspirar a) uma autoria colectiva para um espectador colectivo (citaria Wagner, quando este diz que em arte há um “eu” e um “tu” e uma dissolução de ambos que não torna impossível a reconfiguração dos fragmentos), para deduzir que, apesar dos espaços marcados anteriormente intervencionados pelo colectivo, neste espaço aparentemente neutro (isto é, galerístico) uma outra vez emergem claramente as características deste (autor) colectivo para o (espectador) colectivo. Destaco duas características: a atenção de cada autora ao lugar ou ao pedaço de lugar que lhe cabe (ou que ela inventa!), partindo do “lugar” para a reinvenção da ideia de “lugar” e nunca para um trabalho passivo que se acomode a um “espaço”. Falando da fonte das imagens-matriz da imaginação, fala-nos Bachelard de imagens ligadas a um “espaço feliz” ou de uma “topofilia”, de uma operação que torna os espaços em “espaços amados”, “espaços louvados”. Não se trata de sacralização, mas de relação, ou melhor, de uma consciência de relação, pois o “espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração ou reflexão do geómetra” (La Poétique de L’Espace). Há aqui, no texto de Bachelard, uma poética que vai da “casa” ao mais ínfimo lugar (uma gaveta, por exemplo).
Este espaço, bachelardiano, pode relacionar-se com o a duração (durée) bergsoniana (segunda característica), que é uma experiência metafísica, embora ao autor de Essai sur les Données Immédiates de la Conscience, lhe interesse perceber, ou marcar a possibilidade, dos momentos sucessivos do tempo independentemente do espaço. Mas há aqui um traço interessantemente comum, pois enquanto Bachelard nos fala de “espaços louvados” (como antítese do neutro, cumulativo e descritivo), Bergson fala-nos de um tempo “qualitativo”, indivisível e irredutível à soma.

Vejamos mais de perto. Sabemos com Bergson que apenas podemos chegar a uma soma quando privilegiamos o que há de “idêntico” entre as partes (uma sucessão de idênticos que conduz à contagem e, no final, a uma soma). Entretanto: “Pelo contrário, desde que se fixe a atenção nos traços particulares dos objectos ou dos indivíduos, pode-se fazer a sua enumeração, mas nunca a soma” (Essai sur les Données Immédiates de la Conscience). É este segundo tópico que aqui sucede.
Em síntese alargada ou rápida, diria que Maria Sassetti, aqui em Tilt ou em Do Céu para a Terra, da Terra para o Céu, no Observatório Astronómico de Lisboa (na colectiva citada) se ocupa de questões que eu classificaria como de “representação”: no Observatório tínhamos uma instalação desenhística com vistas da Terra para o céu e deste para a Terra, paisagens abstractizantes montadas junto a um telescópio como que a dizer-nos que há uma verdade e uma visão artística (desenhos instalados) e uma verdade científica (o telescópio, o que dele se vê, instrumento tão elogiado em La Dioptrique por Descartes). Temos agora matrizes ou gravuras calcográficas que fazem alusão a superfícies vulcânicas, esculturas, magmas e metáforas. O círculo fecha-se – cosmos, arte e matéria, como que a dizer-nos ser a arte uma forma de sublimação, mas nunca para lá da matéria.
Representação, portanto, representação/definição do acto criador, que é fuga e também coisa física, magma finito. Xana Sousa interessa-se aqui pela percepção e pelo ponto de vista (mas a ligação entre as suas obras e entre elas e as do resto do colectivo constituem uma durée, ou uma ligação sem uma totalidade fechada, pois as obras interagindo estão sempre além da sua enumeração, conta, descrição “certa”); trabalha então a autora em torno de linhas de observação do interior para o exterior do espaço galerístico: como as paisagens mostradas por Maria Sassetti no Observatório – imagens de uma fuga ao espaço fechado, imagens ou imaginação além da cientificidade do telescópio.
Joana Gomes também se ocupa de percepções, de vistas, planos de vistas, não tão alicerçadas num ponto de fuga do espaço interno, mas num ponto de vista que transforma essa “internalidade” (ou espaço interior, repito), alargando a ideia de pintura como imaginário, pois esta expansão supõe que nela se projectem imagens: interessante duplicação, pois a pintura nunca deixa de ser ecrã (com ou sem projecções). O que deve sublinhar-se na colisão entre as imagens físicas e texturadas da pintura e as projecções em movimento é a referência às intrigantes pillow shots do magnífico Ozu (planos de curtos segundos, momento non sequitor de uma narrativa, abstractos ou deslocados, abertura significacional). Pintura e imagem projectada, como diria Bergson, individualizam-se e não são totalizáveis, como as pillow shots, aparentemente, não pertencem à sequência narrativa.
Ora, é esta não-ligação que é uma durée, pois nada é cumulativo e enumerável no espaço (que em Bergson não interfere, ou diverge, da sucessão do tempo). Se antes falámos em representação, fuga ou percepção (no fundo a mesma coisa, os mesmos entes), agora poderíamos falar em espaço, mas um espaço feito de espaços, pois esta exposição, e sua durée, tem uma relação com as outras propostas das autoras, tratando-se de 4 exposições e, claramente, de uma só (que é o paradoxo deste colectivo “Tempos de Vista”).
Fazendo-me recordar Lygia Pape (renovando experiências físicas em espaços fechados), Margarida Mateiro preencherá o espaço de linhas rectas penetráveis. Digamos que os “direitos” do espectador do “white cube” são flagrantemente “violados”, pois entrando ou não na galeria/sala ele sabe que está perturbada a sua condição de espectador movente no neutro interior, a sua percepção é sensorial tendo de recorrer ao tacto e à visão (desalojada da sua posição cimeira). Margarida altera o espaço interior, produz um aquém-espaço novo, quando no Observatório terá gerado um além-espaço com imagens celestes para onde, na “galeria”, olhávamos com telescópio. No fundo, um além que era também um aquém (pois a visão telescópica “esbarrava” em fotos suspensas).
Entretanto, as figuras geométricas que Inês Teles pinta nas paredes, também por reinvenção espacial, subvertem o quadro-janela, pois a vista destas obras não é forçosamente frontal, o que à autora interessa pelo menos nos seus projectos onde um círculo não pode deixar de ser uma elipse. A pintura é aqui um corpo, pela sua espessura e leveza: está na parede ou suspensa? Em suma, o que é o espaço? É o tempo? O que é o nosso ponto de vista? É a nossa visão? E há diferenças entre ponto de vista (movente) e visão (um tema também caro a Bergson e outros autores sobretudo franceses).
Pois como a duração bergsoniana não está dependente do espaço, diremos que estas obras aqui num lugar aparentemente neutro (que as autoras farão para que não o seja…) em nada diferem das instalações das mesmas autoras (em espírito, propósito e significação) nos lugares marcados da Mãe d’Água ou na Carpintaria da Carris. Trata-se aqui de explorar, numa trajectória que tem uns anos, imagens em extensão e não pontos singulares no espaço ou sua adição.
Todo o projecto expositivo de “Tempos de Vista” (desde a Mãe d’Água) é a transformação de um “estado de sítio” (na política, este é o momento da suspensão da ordem jurídica às mãos do soberano, ele que suspende a lei mas, ao mesmo tempo, a integra, ver o conceito de Ausnahmezustand em Carl Schmitt), transformação de um “estado de sítio” num “estado do sítio”. Sítio que a exposição constrói, como se este antes fosse um ente neutro sem existência.

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

 

 

/// A premissa global do coletivo Tempos de Vista é a confluência de diversas perspetivas de um mesmo Lugar, sob um olhar artístico, consciente da importância histórica e cultural que os espaços tomam na comunidade.
Praticamos uma abordagem holística do projeto, que se constrói através da interdisciplinaridade dos médios e transversalidade das referências e conteúdos conceptuais moldando-se às condições do Lugar, aos que habitam a sua periferia e à própria coletividade. Embora no presente contexto, e tendo em conta as características do espaço expositivo, pudéssemos ter explorado novas direções que não necessariamente o Lugar, reencontrámo-nos por via dos interesses individuais, numa ideia a si associada: uma noção de Espacialidade. Ou seja, abraçando este desafio, o coletivo delineou como premissa da exposição o conceito de espacialidade, na sua pluralidade. Assim, um dos seus desdobramentos inicia-se na própria geografia do espaço, explorando-se a ideia de mapeamento no sentido de encontrar as coordenadas que definem a sua geometria. Consequentemente, a esta proposição surge associado o posicionamento de um corpo no espaço, a noção de escala e a experiência sensorial.
O percurso expositivo desenha-se a partir de um diálogo sequencial entre as obras individuais, que convidam o espectador a participar, por um lado, pela atuação da sua memória corporal direta e, por outro, através do reconhecimento de elementos que despoletam memórias do foro coletivo. Estas duas noções de memória concretizam-se em dois patamares: Cinestesia, termo que nomeia o conhecimento empírico do sujeito face à ação motora necessária à sua orientação, equilíbrio e deslocação no espaço; e Sinestesia, semântica que designa a união de distintos planos sensoriais, pela atribuição linguística de adjetivos que pertencem a outros sentidos.
A proposta do coletivo vive de paralelismos e duplicidades entre os conceitos desenvolvidos, nomeadamente, da parte para o todo/do uno para o múltiplo; dos vários tempos da memória – tempo simultâneo/tempo passado; de Cinestesia e de Sinestesia; de espaço físico e de espaço simbólico-abstrato.
 

 

 

Plataforma Revólver (para a arte contemporânea)

Rua da Boavista 84 1200-068 Lisboa Portugal

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Ter/Sáb: 14:00 - 19:00 // Tue/Sat: 2pm -7pm
(última entrada: 18:30 // last entrance: 6:30pm)
Encerrado nos feriados // Closed on public holidays

Como chegar // How to get here:
Autocarro // Bus: 774, 714
Eléctrico // Tram: 25E
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