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FOTÓGRAFOS-VIAJANTES & VIAGENS DE FOTÓGRAFOS
ANTÓNIO JÚLIO DUARTE // CAIO REISEWITZ // CRISTINA ATAÍDE // MARCELO MOSCHETA // MARIANA VIEGAS // YNAIÊ DAWSON
Curadoria: Mª de Fátima Lambert
“O viajante, no seu movimento incessante, vê tudo à distância. Silhuetas recortadas contra a paisagem. Imagens arquitecturais se destacando no horizonte. Pessoas e lugares que pretende encontrar depois da próxima curva. A viagem é produção de simulacros, de um mundo puramente espectral erguido à beira da estrada."(1)
“Será que o drama contemporâneo não vem do fato de que o desejo de errância tende a ressurgir como substituição, ou contra o compromisso de residência que prevaleceu durante toda a modernidade?” (2)
Em registo fotográfico, presentificam-se as imagens de existências, encenações e/ou simulacros com tópicos de genuinidade. Assim se demonstram subjetividades de autores nos territórios estéticos da fotografia.
Numa fotografia, supostamente, congela-se o tempo e o espaço. Congelam-se as figuras individuadas no tempo pois deixam de ser pessoas e talvez sejam, transitoriamente, personagens. Estas localizam-se ou ausentam-se, consoante os casos e as estratégias estéticas dos autores. Inequívoca é a decisória presença do fotógrafo-viajante, aquele que concretiza acto e obra. Não é verdade?
“Em minha opinião, não há nenhum [caminho] mais atraente do que andar no encalço das próprias ideias, tal como o caçador persegue a caça, sem procurar manter um dado caminho.” (3)
O próprio fotógrafo-viajante torna-se visível – em proposição de autorretrato – ou oculto, consoante sua intencionalidade ou desejo. Mas é a sua afirmação de sujeito/agente artístico que determina a produção das fotografias que o “antecedem”, o estimulam e o acompanham a posteriori. Através do seu ato, que concebe e concretiza obra, mantém laços com as imagens fotográficas, conferindo-lhes – ad simultaneum – autonomia e projeção. Os fotógrafos-viajantes cativam pessoas e lugares, convertendo-os, respetivamente, em figuras/personagens e em paisagens.
“A paisagem não se entrega. O que você vê não se fotografa.” (4)
As paisagens, com alguma frequência, correspondem a tempos de respiração, quer do pensamento, quer da ação/atividade do fotógrafo. O ritmo da viagem decide os intervalos na paisagem, as consequências de sobrevivência de ideias ou de substâncias. Fragmentos, parcelas ou secções presidem às escolhas espontâneas ou morosamente destinadas pelo autor em jornadas, caminhadas e transportando-se. O veículo em que desloca condiciona o ritmo da captação de imagens; os momentos em que dispõe uma paragem ou a continuidade do seu movimento. As tomadas de vistas são distantes, conforme o viajante as realiza enquanto condutor de um automóvel (p.ex.) ou não. Assim, está-se perante tomadas de vista com ponto de fuga numa estrada ou encarada na lateral, esperando aquilo que se vai descortinando. Se a deslocação ocorre num comboio, a ambiguidade relativa entre a paisagem (aparentemente em movimento) e a ilusão hierática do viajante, gera imagens de uma cativação insustentável e precária. A paisagem que é consequente da mobilidade da viagem anatomofisiológica assume pressupostos diferenciados de uma viagem de indexação psicofisiológica…e assim por diante. A viagem preenche, recheia ou esvai a paisagem, propiciando uma reentrado no si mesmo do fotógrafo-viajante:
“A paisagem em volta esvaziada de sentido, reflectindo-se nos meus olhos, brotava dentro de mim…” (5)
Definitivamente as pessoas alocam-se a lugares – mesmo que estes se possam configurar, teoricamente, enquanto “não-lugares” (seguindo Marc Augé) e, consequentemente, os espaços efetivos transcendem o tempo real, expandindo-se e adquirindo uma simbologia transfiguradora – independentemente de seu índice ou percentualidade documental.
“Julgamos que nos libertamos dos lugares que deixamos para trás de nós. Mas o tempo não é o espaço e é o passado que está diante de nós. Deixá-lo não nos distancia. Todos os dias vamos ao encontro daquilo de que fugimos.” (6)
Seja um deambulador, flâneur, Wanderer, peregrino, caminhante… et allie… uma qualquer, entre as distintas tipologias de viajantes…os fotógrafos asseguram para nós a autenticidade, tanto quanto nos garantem uma gestante ilusão. Marcam, estipulam ou estabelecem com rigor – que pode oscilar entre o topográfico e o metafísico - lugares e territórios específicos, onde as confluências de imaginário e real definem o humano, onde paisagem e natureza entrelaçam vidas.
“Dans un voyage, on évolue, on change, on se transforme. Et souvent, on rentre et tout est annulé par le retour. »
* Ainda para ti, passeante dileto no mundo.
(1) Nelson Brissac Peixoto – “Miragens”, Cenários em ruínas – a realidade imaginária contemporânea, Lisboa, Gradiva, 2010, p.137
(2) Michel Maffesoli, Sobre o Nomadismo, Rio de Janeiro, Record, 2001, pp.23-24
(3) Xavier de Meistre, Viagem à roda do meu quarto, Lisboa, & etc, 2002, p.25
(4) Bernardo de Carvalho, Mongólia, São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p.41, p.115
(5) Yukio Mishima, O templo dourado, Lisboa, Assírio & Alvim, 1985, p.148
(6) Carlos Drummond de Andrade – “Mãos dadas”, Antologia Poética, Lisboa, Dom Quixote, 2002, p.149
(7) Raymond Depardon, Errance, Paris, Seuil, 2000, p.56.
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“Dans un voyage, on évolue, on change, on se transforme. Et souvent, on rentre et out est annulé par le retour. » (1)
Agosto de António Júlio Duarte resultou de um percurso, curiosamente, desenvolvido em Portugal, se atendermos às latitudes e longitudes das viagens do autor que, com maior frequência, o conduzem pelo Oriente e aí o estabilizam por períodos de duração significativa.
“O vazio “em si” e em conotações, o “nada”, o branco, o espaço em branco, o silêncio, a pedra, a impossibilidade, a solitude, o desconhecido, as potencialidades, etc. e seus valores criativos na filosofia e na estética do extremo oriente (e comparativamente, alhures).” (2)
O display em dípticos orienta o meu olhar as dicotomias, ambiguidades e/ou consolidações, evidenciáveis durante uma viagem. A força de um rosto, a morfologia de elementos afastados ou próximos ao espectador propiciam um jogo quase de cena (parafraseando o título do filme de Eduardo Coutinho). Entenda-se, a flexibilidade manifesta no acto de recepção estética, gerida pela efabulação perceptiva-afectiva-conceptual, pertença de cada um, exercendo sua identidade pessoal sobre o produto de artístico de outrem - interpretação falar-se-á, mas não apenas…Assim, sabe-se que a definição imaginal de díptico conduz a um “diálogo do visível”, parafraseando René Huyghe, pois o confronto de referenciais “identificados” (diferente de se saberem “reconhecidos” ou “parecidos”) é pura sedução e volúpia para as relacionalidades ressaltarem. As notas identitárias patentes em cada uma das unidades que constituem os 15 dípticos abordam elementos visuais que cativaram pessoas, objetos, fragmentos de paisagem; oscilando entre o afastamento do “alvo” fotografado e sua proximidade; propondo reconhecimentos ou conduzindo para equivocidades percetivas visuais, ricas em pensamento e afeto. É inevitável a emergência de certa avidez para “reconhecer”, de buscar o parecido dentro dessa caixa de memória (desse arquivo mental/imagético) que cada espectador transporta em si; é acto intuitivo, semi-inconsciente e/ou implícito na “apropriação estética” que advém das fotografias enquanto tal.
A vasta obra de fotografia de Caio Reisewitz organiza-se em séries específicas, refletindo uma identidade documental que se apropria da paisagem, plasmando-a em imensidão que estreita a alma do autor com os espectadores. A dimensão sublime que se desprende de suas fotografias é de uma evidência subjetivante e, em simultâneo, glosando os parâmetros conceituais que Kant, depois de Edmund Burke, soube definir. Sublime dinâmico e sublime grandioso (ou matemático) pontuam, nalguns casos uma mesma imagem, noutros um privilegia e expande-se sobre o outro. Mamangua enfrenta aquele que vê e sabe contemplar, demorando-se na paisagem adentro. À semelhança de outras séries do fotógrafo, o elemento| matéria dominante é a água, estabilizando o recorte, na vegetação, através de uma afirmação “terra” que nos lembra as reflexões sobre a imaginação poética desenvolvida por Gaston Bachelard. Mas a dominante, no caso da fotografia de grande formato, presente nesta mostra é a água. A água tranquila e parada que não se confunde com estagnação numa acepção castradora ou à qual esteja arredada a vida pulsátil. Seria impossível não associar as significações matriciais que, com frequência, reverberam no respeitante a este elemento (em termos cosmogónicos e cosmológicos). Mas, a imagem ultrapassa mais e mais, assegurando uma experiência estética única para cada um, quanto sabemos seja um dos tópicos adstritos a definição de sublime. A presença do espetador ausenta-se num mundo onde evanescência e lucidez são cúmplices; onde a dimensão estética, a artisticidade é a efetividade imprescindível de uma natureza consciente e em causa sócio-cultural. A correnteza que se queda muda, expondo em visbilidade o silêncio, atinge o âmago de uma memória circular filogenética, quanto também ontogenética. O espelho de água absorveu a ausência ou a presença do humano, desde os tempos primordiais: nós ficamos nesse tempo de suspensão, interpelados e vigiando para que o mundo seja um Cosmos ordenado e redimido de ações irreversíveis.
My Unknown friends e Fotografados, todas as presentificações pessoais que Cristina Ataíde cativou durante uma de suas muitas permanências na Índia, focam-se na complementaridade intrínseca do que sejam as diferentes componentes constitutivas de “fotografar” e “fotografia”. Em locais específicos, dentro de um cenário que é o real envolvente em sua potência extrema, a artista fotografou aqueles que exerciam seu acto de fotografar outrem e, por outro lado, tornou os “anónimos” em sujeitos identificados na sua pose convertendo-os em retratados. O retrato passa a alojar um sujeito, estando comprometido - ele mesmo e precisamente - por relação de sujeito: implica um sujeito suposto, por referência a si. O sujeito do retrato é o sujeito que é o próprio retrato. No caso de uma das sequências da série de Cristina Ataíde, verifica-se existir um desdobramento, pois a artista fotografa aqueles que exercendo o ato de fotografar…; propiciando e expandindo concatenações intersujetivas entre retratados, retratos e aqueles que retratam (que concebem e autorizam o retrato…).
Tal afirmação não equivale àquilo que possa ser “tachado” de excesso subjetivado. Não, ao que me refiro é à inevitabilidade. A fotografia é soberana, decide, alimentando-se e consubstancializando-se no domínio da inevitabilidade.
O sujeito no retrato que fica da paisagem, lembrando Bernardo de Carvalho que assinalou: “Você não está procurando um lugar. Está procurando uma pessoa.” (3)
Em 2009, Marcelo Moscheta desenvolveu uma residência artística em Cerveira (norte de Portugal). Daí resultaram diferentes séries de trabalhos, posteriormente concretizados, entre os quais os registos fotográficos emancipados, subsumados na séria Tracked Pictures. Nas imediações da casa onde ficou alojado, o artista brasileiro foi pesquisando pormenores, detalhes e deles tomou posse. Daí resultaram imagens fotográficas, reveladoras de uma cúmplice proximidade que o próprio sabia encontrar e que os demais tomam como lugar inominado e não-reconhecido, atendendo à subtil decisão de tomada de vista, enquadramento e intencionalidade. As imagens, tomadas por um dispositivo digital foram trabalhadas a posteriori. A sequência de intervenções mínimas, que o fotógrafo realizou, traduziu-se em séries gráficas, de quase equações encriptadas, espécie de relato dos procedimentos para quem saiba decifrar essa “escrita” que ladeia a fotografia, uma a uma.
Moscheta, de forma rigorosa, tem pretendido marcar as coordenadas de locais que regista ou de onde desloca materiais, através de códigos GPS. Esse método equivale a opções estéticas, de pensamento artístico que direcionam para a realização de ações a converter finalmente em obra. O bucolismo destes excertos de paisagem que de estranha lhe passou a ser familiar, progride numa acepção de viagem que sedentariza transitoriamente o autor a um lugar de destino. O questionamento do que se entende seja a duração na transitoriedade semântica e pragmática da viagem, coincidem numa experiência prolongada na resistência da obra fotográfica. Tempos distintos cohabitam e as memórias antecipam-se no ato de virem a ser, não devendo confundir-se com “lembranças”. Os locais de paisagem dentro das fotografias de Moscheta podem ser seguidos por nós, numa busca intermedial entre algo é remetido para um destinatário e a possibilidade deste fazer o rastreio progressivo da sua localização até ao momento em que o irá receber…
Mariana Viegas desenvolve presentemente um projeto de pesquisa que concilia literatura e fotografia, ganhando corporalidade através do display das suas peças. A partir de Walden ou a Vida nos Bosques, de Henry David Thoreau… O livro foi escrito quando o autor americano - de vocação transcendentalista – passou a habitar uma cabana em Walden Pond (Massachusetts) abandonando a cidade onde vivia. Esta tensão para a transição, envolve a condição de viagem. Tanto efetiva deslocação, pois trasladação de sua pessoa para assumir “uma vida nos bosques”, com todas as consequências daí advindas, que recordam as tradições ingenuista e utopistas, desde o Emile de Rousseau até às ideologizações de Taine, Proudhon… propugnando uma estética doutrinária de cariz sociológico utópico e operativo…permitindo-me certas extrapolações. Essa densidade da escrita decisória que domina a vida, num quotidiano que não é destino de viagem mas é, por deliberação, uma permanência, desdobram-se um dos scrolls – enquanto display de duas unidades daquilo que se dirige para uma obra “completa” ainda em devir.
O livro representa a paisagem ideal – interpretada conceptualmente como um lugar que encontramos quando nos focamos no que temos diante dos nossos olhos: o tempo presente – representando para mim, desta forma, o momento fotográfico.
O processo de trabalho combina a leitura do texto com a experiencia da natureza que se encontra na vida de todos os dias.
Neste contexto serão realizadas fotografias de um lugar nas imediações da Arrábida que tenho vindo a fotografar ao longo dos anos e outras, no lugar onde vivo actualmente. (4)
A artista procura transpor em imagens as vivências narradas pelo escritor, interrelacionando-as às suas experiências pessoais, transcrevendo excertos, “compostos a partir do original mas apresentando pequenas fissuras que provocam uma nova leitura do mesmo, abrindo a leitura para uma realidade actual e mundana.” (5)
Nos apontamentos alusivos à Ynaiê Dawson na Série Linhas de Passagem, a fotógrafa refere:
Interessa-me a idéia da viagem como processo, como metáfora da própria vida, um trilhar de caminhos sem destino certo, em busca de (auto-) conhecimento. Não importa aqui de onde se partiu e com que destino, importa apenas o estar ‘entre’. O que se descobre ou se revela ao longo desse ‘caminhar’, contínuo interseccionar das paisagens interior e exterior, contínuo fluxo de sensações a nos tomar conta da alma?
A fotografia, em si mesma sempre um ‘entre’ – pressupõe um antes e um depois, temporal e espacial – e que por excelência conserva, busca aqui conservar apenas o desejo latente que desencadeou a produção de cada imagem e que continua latente nela, sempre se transformando, renovando, devindo desejo a cada vez que se estabelece um novo contacto entre as fotografias e um sujeito.(6)
A concatenação de imagens fotográficas apresentadas, gerem intervalos que correspondem a etapas de jornadas empreendidas pela artista nos 2 últimos anos. Paralelamente a um trabalho académica em decurso, as viagens verificavam-se imprescindíveis.
As reflexões que Ynaiê Dawson procurou em autores emblemáticos da filosofia, sociologia, estética e literatura precisavam seu espelhamento nos atos de conceber as viagens e, obvio, de as concretizar. [De várias conversas com Ynaiê, por motivos de sua investigação, surgiu precisamente a proposta, que me foi endereçada, para que esta curadoria fosse delineada.]
Atendendo à história e estética da fotografia no séc. XX, depara-se com casos paradigmáticos de fotógrafos que desenvolveram viagens, com um ritmo quase compulsivo, sendo os produtos de suas deslocações, permanências e trânsito consubstancializados em fotografias incomparáveis.
Entre os muitos autores que se poderiam mencionar, reduziria a citação a Raymond Depardon, Bernard Plossu, Luc Delahaye… As motivações para a viagem prendem-se com antecedentes e contextos diversificados que se relacionam nalguns casos com a tradição de fotógrafo em cenários de conflito, fotografia mais diretamente documental ou projetos mais pessoalizados e auto-identitários. Se bem que, a meu ver, todos projetos fotográficos são em certa escala e enfoque de vertente auto-identitária quanto societária.
Com frequência os fotógrafos publicam livros com imagens fotográficas associadas a narravtivas e/ou reflexões aprofundadas sobre os seus projetos, permitindo assim a um público mais vasto o conhecimento de suas fundamentações, ideias e realizações em obra.
La quête du « lieu acceptable » est la quête du « moi acceptable ». C’est à dire d’une vie assumée comme sienne. L’homme qui s’exprime ainsi est un voyageur, un nomade, un photographe, un cinéaste etc. Mais d’abord un individu qui se cherche et qui ne trouve pas. Ou plutôt qui définit un angle, un cadre, un sujet (la route), une perspective, celle du chemin justement.(7)
A busca de lugares, passíveis de serem denominados, quanto eventualmente “reconhecidos” pela vida do espectador, quase se projecta naqueles lugares (aparentemente) anónimos, propostos pelo fotógrafo. Promovendo extrapolações geográficas que galgam países e regiões…o “exotismo” adentro de uma paisagem portuguesa ou de uma qualquer e outra radicação, providencia, transforma e concretiza, de modo intenso, a ânsia de viagem de e para um público – doseando ou expandindo seus desejos ou demandas.
Ou seja, e podendo aplicar-se a uma certa teorização da (por assim a designar) acção dos fotógrafos-viajantes, entendo como um dos denominadores comuns entre os 6 casos patentes (e em muitos outros que poderia referir) a constatação de certa gula de imagens em devir, convertidas em potenciais alvos de fixação por parte de um fotógrafo-autor.
Ao longo do friso imaginário que – para mim – o ver os dítpticos implica, confrontam-se aproximações e afastamentos, detalhes, pormenores e dissidências antropológicas e societárias que a poiésis subjacente, sabe ser coerente…, pois a vida, o mundo se constituem a partir de dissemelhanças, de similitudes, de ausências ontológicas mesmo quando todo aquele “material” que se converte em visibilidade aparentemente expandida, cujos conteúdos semânticos viabilizam campos perceptivos e argumentativos infindos. A decisão de “enxergar” na imagem fotográfica determinado fragmento do suposto “real” surge conotado com a circunstância do artista (lembre-se Ortega y Gasset).
Talvez quando se viaja, se permaneça no mesmo “lugar”, pensando com Guimarães Rosa:
“Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais.”(8)
RJ | BR, Agosto, Setembro 2011.
* Ainda para ti, passeante dilecto no mundo.
(1) Raymond Depardon, Errance, Paris, Seuil, 2000, p.56.
(2) Pedro Xisto – Lumes, uma antologia de Haikais, SP, Berlendis & Vertecchia, 2007, p.17
(3) Bernardo de Carvalho, Mongólia, São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p.41, p.115
(4) Mariana Viegas, excerto inédito, Agosto 2011.
(5) Idem, ibidem
(6) “Nesse contexto, a fotografia é tida não como representação, mas sim expressão. Expressão da multiplicidade de sensações ou intensidades de um sujeito, expressão de uma paisagem interior que encontra-se em constante processo de transformação, sempre a (re)criar-se a partir do apre(e)nder as forças das paisagens.” Ynaiê Dawson, excerto inédito, Julho 2011.
(7) « Rêves d’errances » - Pierre Givodan in Raymond Dépardon, Errance, Paris, Seuil, 2000, p.181.
(8) João Guimarães Rosa - “A terceira margem do rio”, Primeiras Estórias, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, (1962), 2004, p.80
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(Sophia de Mello Breyner)