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QUINZE ENSAIOS
Cátia Mingote, Cláudia Rita Oliveira, Diogo Bento, Diogo Simões, Francisco Kessler, Jorge Gonçalves, José Júpiter, Luís Monteiro, Maria Manuela Rodrigues, Marta Castelo, Miguel Godinho, Pedro Maçãs, Ricardo Spencer, Vitor Medeiros.
Curadoria: Ana Janeiro e Bruno Pelletier Sequeira
ARTISTAS REPRESENTADOS
Cátia Mingote
O trabalho de Cátia Mingote radica na ideia de registo pessoal e de memória colectiva. Nascida na antiga colónia portuguesa de Moçambique em 1973, Cátia Mingote cedo conviveu e se interessou pela reiterada presença e existência de imagens e de objectos familiares que registavam situações e momentos de vida desenrolados entre Portugal e África. Fortemente motivada a reflectir sobre as características simbólicas, singulares e partilhadas das experiências vividas e das memórias revividas de gerações com percursos de vida entre Portugal e África, neste projecto, intitulado Lourenço Marques, interessou-lhe indagar esse legado simbólico construindo um projecto de trabalho assente na construção de uma narrativa que oscila entre realidades, contextos espaciais e temporais diversos, entre as imagens da memória e a presença dos objectos num novo quotidiano presente.
Cláudia Rita Oliveira
“Continuidade entre dois seres descontínuos” é o título do projecto apresentado por Cláudia Rita Oliveira. Numa alusão directa à obra “O Erotismo” de G. Bataille, cujo tema é o erotismo e a morte, a experiência de substituir a descontinuidade dos seres por um sentimento de continuidade profunda, Cláudia Rita aborda o poder criativo, ficcional e subjectivo da memória através de um grupo de imagens marcadamente pictóricas e plásticas que representam a ideia de casal, a existência de uma relação amorosa entre dois seres através de um retrato de gestos, de expressões e impressões que consubstanciam uma entidade própria num momento efémero, entre a continuidade e descontinuidade, a eternidade e efemeridade.
Diogo Bento
O projecto de investigação de Diogo Bento constitui uma homenagem à resistência e sobrevivência da memória de Amílcar Cabral, um dos principais responsáveis pela luta, libertação e independência da Guiné e de Cabo Verde. Sendo clara a necessidade de preservar e revisitar a vida e a obra de Amílcar Cabral, a sua proposta de construção de um arquivo dedicado a coleccionar documentos relacionados com o seu legado, sejam fotografias, suportes áudio, vídeo e alguns objectos, constitui uma investigação que não tem o propósito de formar uma narrativa com rigor documental e/ou histórico. À luz das práticas artísticas de alguns autores contemporâneos que têm desenvolvido projectos baseados na apropriação de imagens documentais e na releitura desse legado, Diogo Bento revela assumidamente o desejo de construir uma ficção geradora de novos significados assente numa visão parcial, reflexiva, sobre a vida de Amílcar Cabral.
Diogo Simões
A questão da identidade, da comunidade e o sentimento de pertença são abordados na obra de Diogo Simões (n. 1988, Miratejo) mediante um exercício fotográfico de registo diário de um conjunto de amigos pertencentes ao seu círculo. Nascido em Miratejo, Diogo Simões tem mantido através da sua obra artística uma forte ligação ao seu contexto envolvente, ao espaço, às pessoas, à história, ao sítio em que vive. Neste conjunto de imagens evidenciam-se formas de vida, contextos, vivências, paisagens, ambientes, estados de alma, cujo registo resulta e só é possível com um acompanhamento próximo, com uma visão não exterior a esta comunidade. São imagens relevantes do ponto de vista sociológico, provocadoras no seu significado político e social e que acima de tudo revelam, no equilíbrio discreto do seu testemunho vivencial, a naturalidade em que institui o seu olhar. Nelas Diogo Simões expõe os outros, mas não se limita a isso, joga com a força e o peso da sua contribuição biográfica.
Francisco Kessler
As fotografias apresentadas por Francisco Kessler constituem dois ensaios de um projecto fotográfico mais vasto do autor que tem como referente essencial questões políticas e ecológicas implícitas à edificação de grandes obras públicas. No caso destas imagens, trata-se da construção de uma barragem (Foz Tua) e de um aeroporto internacional (em Beja) que geram polémica: a alteração de uma paisagem ambiental considerada património da Humanidade pela UNESCO e a consequente destruição de uma linha de comunicação centenária (Linha do Tua); e a construção de uma infra-estrutura aeroportuária sem viabilidade económica. Nos dois casos, a questão situa-se na falência ou não das promessas de crescimento económico e prosperidade que suscitam debate a nível nacional e europeu.
Jorge Gonçalves
Neste trabalho de Jorge Gonçalves, “Casamento/Divórcio/Diversos” encontramos uma série constituída por imagens de espaços, fotografados em conservatórias do registo civil, maioritariamente salas e ambientes onde se realizam casamentos, divórcios e outro tipo de ‘contratos’. Nelas está patente a homogeneidade, a padronização do tipo de decoração, e mesmo a destituição de especificidade na escolha dos actos que aí se celebram. Nas imagens estão ausentes as marcas da presença humana surgindo autenticamente destacado o uso inexpressivo, descaracterizado, ficcional, clínico, não natural, das estruturas burocráticas que suportam alguns dos actos e rituais emblemáticos da vida humana.
José Júpiter
Em “Billy”, José Júpiter associa um modelo de mobiliário comercializado pela multinacional IKEA, de estrutura elementar, a blocos habitacionais cuja configuração arquitectónica, modernista, formada por inúmeros edifícios modulares de apartamentos isolados do exterior, que sugerem um modo de viver a cidade e a arquitectura na sociedade contemporânea. Tomando por referência a obra “Cell Block, Egospheres, Self-containers”, de Peter Sloterdijk, José Júpiter cartografa visualmente as noções de “isolamentos interligados” e de “egosfera” propostos pelo autor para caracterizar o habitat do homem contemporâneo e a visão que hoje temos da cidade e do objecto arquitectónico. A sua intervenção remete-nos assim para composições habitacionais formadas por fachadas de corpos fechados que atestam o desaparecimento da dimensão de esfera pública bem como as marcas a-comunitárias provocadas pelo estabelecimento de relações baseadas na ilusão de auto-suficiência.
Luís Monteiro
O projecto de Luís Monteiro constitui-se enquanto narrativa de uma viagem de exploração e de aventura. Neste ensaio, a viagem é apresentada como um processo de descoberta que promove o encontro com o espaço exterior e fundamentalmente enquanto experiência potencial de viagem ao interior de si próprio, capaz de produzir uma transformação na forma de viver, de olhar, de sentir e encontrar sonhos e fantasias. Não lhe interessa documentar os acontecimentos que compõem a viagem de descoberta, antes questionar as interpretações que o documento visual pode assumir, questionar que perspectivas de verdade são criadas pela informação fotográfica, apresentada, tradicionalmente, como fundamento imposto e quase inquestionável de conhecimento.
Referências: Held in the collection of the Royal Geographical Society (with IBG): S0004829, S0000151, S0019751, S0022327, S0013541, S0019282, S0019283; U.S. Navy Photograph - Antarctica, autor inderminado; Earless Seal Hunting Antarctic Winter Old Photo 1880's; Photographer/Credit : Interphoto; 1965 American Air Defense Command Greenland Wire Photo; autor indeterminado; Greenland, 1926;autor/publicado por: H. Hammel
Maria Manuela Rodrigues
Na sua obra “Cidades Globais”, Maria Manuela Rodrigues coloca em perspectiva as noções de identidade global e de normalização social e os efeitos e as implicações que a globalização económica, política, ideológica exercem sobre a sociedade actual. Manuela Rodrigues procede a uma síntese de registos e fragmentos fotográficos que nos situam perante imagens características da vida nas cidades da Europa e do Médio Oriente, destacando através dessas fotomontagens aspectos da arquitectura e da paisagem urbana actual. Dessa abordagem faz também parte a representação da dimensão massificada da cultura popular, a profusão de marcas comerciais e de padrões e hábitos de consumo, que testemunham experiências e movimentos de uma existência quotidiana uniformizada e padronizada.
Marta Castelo
A dimensão da experiência, o processo de investigação e o conhecimento de metodologias laboratoriais são parte inerente da intervenção artística de Marta Castelo e muito particularmente do trabalho que agora apresenta. Em “Limites da Consistência” apresenta-nos uma intervenção artística que incide na observação da argila no seu meio ambiente e no conhecimento da natureza dessa matéria através da realização de experiências em atelier e no laboratório de geologia. Partindo do meio natural, interessa-lhe observar e documentar a metamorfose do material e as suas características, procurando nos fragmentos uma relação com a natureza e a paisagem de onde este provém, mas sobretudo o conhecimento de metodologias, a dimensão processual do projecto e o conhecimento sensível produzido durante a pesquisa, anterior à tradução da experiência em factos e números.
Miguel Godinho
A obra de Miguel Godinho incide, desde 2005, na expressão e evocação de aspectos reais, históricos da realidade existencial, social, cultural do seu mundo familiar. O seu trabalho, essencialmente realizado em fotografia, vídeo e livro, reflecte circunstâncias da história individual do artista. Nesta exposição mostra-se “Esta é a minha família”, a mais recente série de trabalhos do artista que reúne maioritariamente fotografias antigas deterioradas da sua família – desde imagens da infância da sua mãe, casamentos, baptizados, viagens em Portugal e ilhas, Açores e Madeira – em que o artista expõe o verso, as marcas da deterioração da imagem e os efeitos da passagem do tempo, com o objectivo de desencadear planos de leitura metafórica para a situação de luta pela sobrevivência económica que a família viveu após a falência financeira que se seguiu a um prémio elevado dos jogos sociais.
Pedro Maçãs
O conjunto de fotografias de Pedro Maçãs, que tem por título “No surprises" (2010), pode ser definido como um processo de aproximação, captação e realização de ambientes representativos de esferas de experiência humana. A sua obra caracteriza-se pela tradução visual da experiência, do imaginário, de reflexões ou visões e, por vezes, pela criação de situações que podem ter lugar em diferentes contextos do espaço privado e público. A caracterização de uma geração pode ser uma referência fundamental do seu trabalho, que transpõe a dimensão fragmentária, indirecta, livre, da experiência e do tempo para diferentes dimensões sequenciais da imagem. A constante da sua obra define-se ainda pelo registo de visões que destituem a fronteira entre realidade e imaginário e por exercícios de interpretação, de codificação de uma realidade processada tendo em consideração perspectivas que transcendem a percepção directa do mundo real.
Ricardo Spencer
“Menos Vinte e Cinco” é o título e o fio condutor deste trabalho de Ricardo Spencer. Trata-se de uma série de composições fotográficas, nas quais o artista explora a identidade do lugar a natureza e o contexto de determinadas paisagens frias registadas em Helsínquia. A questão da adversidade, a dificuldade de caminhar, o isolamento, colocam-se metaforicamente através delas, construindo-se um projecto centrado na reflexão sobre o horizonte não programático de conhecimento e experiência propiciado em viagem e o percurso criativo que o próprio artista tem desencadeado em busca de imagens que lhe revelem secretamente planos e paisagens visuais construídas em contacto com referências culturais e literárias que o acompanham.
Títulos (da esquerda para a direita) Ficções; De Profundis Valsa Lenta; Possibilidade de uma Ilha.
Vitor Medeiros
A produção artesanal é um dos temas que compõe a realização do mais recente trabalho de Vítor Medeiros. “Resistentes” constitui um projecto desenvolvido em torno de um conjunto de unidades de produção artesanal, ofícios, personagens, artistas e mestres, que representam a história do mundo do trabalho. Vítor Medeiros desenvolve registos fotográficos onde apresenta espaços, ambientes, práticas, instrumentos de trabalho, artefactos, processos produtivos que evocam a dimensão singular e única desta cultura e o impacto que sobre ela poderá ter o constante progresso tecnológico, a uniformização e a padronização dos processos produtivos. Porque do seu projecto resulta uma forte impressão nostálgica, este é um trabalho que vai muito além de um documento histórico. Vitor Medeiros expõe a crescente distância que nos separa da sua realidade e ao mesmo tempo a carga simbólica que advém da acção de quem teima em salvaguardar a memória e resistir à passagem do tempo.
A PLATAFORMA REVÓLVER é uma associação privada, independente - sem fins lucrativos. Promove a arte contemporânea através da organização de exposições e de residências, e participa activamente na difusão e no diálogo internacional da arte.
A Plataforma Revólver construiu um espaço activo para o público de Lisboa, plataforma de novas ideias acerca da arte contemporânea; produz exposições temporárias, oferecendo a possibilidade aos artistas plásticos para poderem apresentar e discutir os seus trabalhos, colmatando, deste modo, um dos problemas fundamentais com que se debatem os novos criadores: a dificuldade em encontrar um lugar a partir do qual se façam conhecer, expressando-se e, simultaneamente, receber o contacto com o público – vital para que os seus projectos evoluam - submetendo-se ao seu olhar, olhar esse que poderá ser absolutamente crítico ou complacente. Apesar do foco ser a arte que os mais jovens actualmente fazem, o programa da Plataforma Revólver também inclui artistas bem-conhecidos, estabelecidos.
A Plataforma Revólver apoia e estimula a criação de arte contemporânea, em concordância com o carácter da prática artística nos dias de hoje, integrando as exposições vários meios e métodos de produção. A composição das exposições é ditada, por um lado, por um comissariado exterior à direcção do espaço, por outro, pela preocupação com a arte contemporânea e onde a arte assume um papel no desenvolvimento da cultura cívica e do pluralismo.
Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida.
(Sophia de Mello Breyner)