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PATRÍCIA ALMEIDAPortobelloZDB - GALERIA ZÉ DOS BOIS Rua da Barroca, 59 1200-049 Lisboa 11 SET - 15 NOV 2008 A ficção do lazer em tempo de solO turismo é um tema bom para pensar os lugares onde vivemos. E também aqueles que visitamos ocasionalmente, onde na maior parte dos casos se perpetua, ainda que involuntariamente, uma dicotomia entre tempo de lazer e tempo de trabalho, a partir da qual o Verão ganha contornos de El Dorado anual. Em Portobello, Patrícia Almeida (Lisboa, 1970) transporta-nos para um Algarve conhecido de todos: o Algarve do turismo de massa, das praias, das discotecas, do bronzeador, do engate, do postal ilustrado, da fotografia de grupo, do inglês como língua dominante, do corpo enquanto expoente máximo do ser, dos engarrafamentos, dos “bifes” e das “bifas” (para utilizar a gíria local), da restauração inflacionada, mas acima de tudo o Algarve do Verão, porque sabemo-lo de antemão: o Algarve não é igual todo o ano. Mas se o Algarve estival que nos mostra Patrícia Almeida se apresenta como a outra face da moeda de um Algarve que não é contemplado pela sazonalidade do lazer, aqueles dos algarvios e das localidades fantasma, não há aqui um lado falso e outro verdadeiro, nem um bom e um mau, nem tão-pouco um “autêntico” e outro “descaracterizado”. Pelo contrário, a premissa de que devemos partir para compreender Portobello, é a de que todo este Algarve é “genuíno”, todo ele é “típico” e que o turismo faz já, ele próprio, parte do Algarve “tradicional”. Na verdade, no Algarve como em muitos outros lugares, o boom do turismo veio transformar as paisagens físicas e sociais em outras paisagens não menos autênticas do que aquelas sustentadas pelas memórias e pelos vestígios de um passado “genuíno”, intocado e autóctone. Mas obviamente não terá sido intenção de Patrícia Almeida produzir um retrato social do Algarve dos dias de hoje, nem tão-pouco apresentar duas realidades complementares e antagónicas entre o espaço turistificado (“plástico” e “galvanizado”) e o espaço autóctone (“genuíno” e “tradicional”). O que aqui nos interessa, e que terá porventura interessado também a Patrícia Almeida, é o Algarve enquanto ethnoscape (cf. Appadurai), enquanto lugar de identificação culturalmente construído, lugar esse que não tem forçosamente de coincidir com a sua localização física, nem com uma ideia de cultura espacialmente produzida e circunscrita. Mais do que a artificialização e a simulação dos lugares, e da recriação de identidades locais, temos nas imagens de Portobello a encarnação dos três “s” associados ao fenómeno turístico: sea, sex and sun, onde o culto do corpo aparece interligado com uma ideia de consumo de um lazer instantâneo, pré-fabricado e descartável. Assim, as fotografias presentes em Portobello assumem a função de “testemunhos”, tal como a clássica fotografia de férias, que demonstram e provam que se esteve e que se experenciou o lugar. Aí a pose, em grupo ou individualmente, é a performance ritualizada, mimetizada, daquilo que é a imagem mais que repetida da ideia de lazer, e que é explorada por Patrícia Almeida enquanto tal. Aqui o lugar perde a sua “localidade” e ganha contornos de cenário ou de acessório, como um pano de fundo despojado e desterritorializado. Mas este Algarve, se bem que “ (…) poderia ser a costa espanhola, ou grega, ou brasileira”, é também um “lugar” onde o corpo ganha expressão máxima, tal como nos revelam as imagens de Portobello. O corpo bronzeado e sexualizado, o corpo da praia e da discoteca, o corpo dos “locais” e o corpo dos “estrangeiros”, de onde a ideia de exotismo adquire dialecticamente todo o seu poder, de uns corpos para os outros, e do fascínio e do deslumbramento que a dimensão “exótica” provoca em tempo de lazer. Em Portobello estão presentes todos os clichés do Verão, e desse pacote fazem também parte a encenação e recriação dos lugares. Assim, a uniformização é a chave para a felicidade do turista, para que este se sinta sempre em casa, sem grandes choques identitários e culturais, feliz no usufruto dos “não-lugares” turistificados e produtores de significados pacificadores e inócuos. Mas o “percurso” de Portobello leva-nos a transitar da experiência macro para a experiência micro, do público para o semi-privado, dos grandes enquadramentos para os detalhes do corpo e dos códigos de sedução. Entrar em Portobello é também fazer a trajectória do dia para a noite, das pequenas aproximações até ao desenlace final: das fotografias de grupo na praia, na piscina ou nos escorregas aquáticos, dos casais, das amigas e dos amigos, das famílias, o dia acaba por ser a antecâmara da noite, onde tudo acontece. E aí, Patrícia Almeida deixa-nos vislumbrar os pequenos momentos da preparação da noite e das suas personagens principais, para depois nos conduzir a uma sala onde a projecção vídeo em loop de uma bola de espelhos silenciosa, nos revela a dimensão impúdica da noite algarvia, onde a linguagem corporal substitui definitivamente a palavra, e o lazer adquire, tanto quanto possível, um significado “físico”. E felizmente, entre o dia e a noite, a praia e a discoteca, Portobello não faz parte de um roteiro nostálgico que procura ou lamenta a “autenticidade” perdida de um Algarve imaginário.
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