Links

EXPOSIÇÕES ATUAIS


Francis Bacon, Henrietta Moraes (1966). Vista da exposição 'Francis Bacon. Human Presence', National Portrait Gallery, Londres. © Thelma Pott


Francis Bacon, Study for a Portrait (1949). Vista da exposição 'Francis Bacon. Human Presence', National Portrait Gallery, Londres. © Thelma Pott


Francis Bacon, Head VI (1949). © The Estate of Francis Bacon


J.S. Lewinski Francis Bacon (1967). © The Lewinski Archive at Chatsworth / Bridgeman Images.


Francis Bacon, Self-Portrait, (1973). Vista da exposição 'Francis Bacon. Human Presence', National Portrait Gallery, Londres. © Thelma Pott


Francis Bacon, Studies for Portraits - Isabel Rawsthorne, Lucian Freud and J. H. (1966). Vista da exposição 'Francis Bacon. Human Presence', National Portrait Gallery, Londres. © Thelma Pott


Francis Bacon Three Studies for a Portrait of Isabel Rawsthorne (1965). © The Estate of Francis Bacon.


Francis Bacon, Portrait of George Dyer Riding a Bicycle (1966). © The Estate of Francis Bacon.


Francis Bacon, Portrait of a Man Walking Down Steps (1972). © The Estate of Francis Bacon.

Outras exposições actuais:

TINA BARNEY

FAMILY TIES


Jeu de Paume (Concorde), Paris
CLÃUDIA HANDEM

JONATHAN ULIEL SALDANHA

SUPERFÃCIE DESORDEM


Galeria Municipal do Porto, Porto
SANDRA SILVA

JOSÉ M. RODRIGUES

TRATADO


Galerias Municipais - Galeria Avenida da Ãndia, Lisboa
FRANCISCO MENEZES

ELMGREEN & DRAGSET

L’ADDITION


Musée d'Orsay, Paris
THELMA POTT

FERNANDO MARQUES DE OLIVEIRA

O ETERNO RETORNO, 50 ANOS


Galeria Pedro Oliveira, Porto
RODRIGO MAGALHÃES

FRANCISCO TROPA

AMO-TE


Museu de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto
CONSTANÇA BABO

LUISA CUNHA

ODD


Lumiar Cité - Maumaus, Lisboa
MADALENA FOLGADO

ALEXANDRE ESTRELA

A NATUREZA ABORRECE O MONSTRO


Culturgest, Lisboa
LEONOR GUERREIRO QUEIROZ

FRANCIS ALŸS

RICOCHETES


Museu de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto
THELMA POTT

DANIELLE MCKINNEY

HAVEN


Galerie Max Hetzler, Berlim
CONSTANÇA BABO

ARQUIVO:


FRANCIS BACON

HUMAN PRESENCE




NATIONAL PORTRAIT GALLERY
St Martin’s Place
London WC2H 0HE

10 OUT - 19 JAN 2025

Uma rejeição da similitude em favor da essência do que é ser humano

 

Nascido em Dublin em 1969, no seio de uma família inglesa abastada, Bacon foi o segundo de cinco irmãos. O artista teve uma educação não convencional sendo em grande parte autodidacta. Com apenas 16 anos, foi expulso de casa pelo pai que não aceitou a sua homossexualidade. No entanto, a mãe ajudou-o a sustentar-se dando-lhe uma generosa mesada de 3 libras por semana.

Adolescente exilado, Bacon rumou a Berlim onde descobriu uma visão liberal do sexo gay, que ele viria a evocar posteriormente na sua obra. Em Paris, viu pela primeira vez o trabalho de Picasso - que inspiraria a peculiar estética grotesca das suas obras.

Com apenas vinte anos abre um estúdio de design de interiores em Londres. Tornou-se relativamente bem sucedido e, encorajado pelo pintor australiano Roy de Maistre, dedicou-se à pintura. Bacon emergiu como um pintor importante em 1945 quando expõe em Londres “Three Studies for Figures at the Base of a Crucifixion”. E, a partir da década de cinquenta, surge com o seu estilo distintivo já totalmente formado.

Human Presence mapeia a influência da vida pessoal de Bacon no desenvolvimento do seu trabalho. A representação dos cataclismos vividos nas suas relações mais próximas contribuiu significativamente para o seu característico estilo original, tão inquietante e desafiador. O microcosmos do Soho, na Londres do pós-guerra, apresentou-lhe os seus modelos, temas e musas - um elenco de personalidades desviantes pouco convencionais: artistas, escritores, aristocratas, boémios e alcoólicos que seriam os seus futuros amantes e amigos. Tal como Muriel Belcher, Lucian Freud, Henrietta Moraes, Isabel Rawsthorne, George Dyer, Peter Lacy e John Edwards, Bacon tinha a reputação de viver de forma desregrada. Frequentava assiduamente o clube de luxo Colony Room, que integra repetidamente nas suas pinturas.

Os temas estruturantes da sua obra estão em evidência na concomitância das diversas salas. Nos dois primeiros espaços temáticos: The Portrait Emerges e Beyond Appearance, deparamo-nos com pinturas claustrofóbicas de homens anónimos aos gritos. Personagens enquadrados e como que enjaulados em paralelepípedos de vértices luminosos. Nestes trabalhos é evidente a intenção de Bacon de romper com a tradição clássica do retrato que carecia de renovação no universo transmutado do pós-guerra.

Bacon coleccionava livros didácticos sobre doenças orais e doenças de pele e recortes de um manual de posições para pacientes de radiografia, de massacres como o do filme de Sergei Eisenstein “Battleship Potemkin” e de grandes planos dos primeiros filmes de britânicos. Alguns destes fragmentos de imagens que o inspiraram pontuam a exposição, bem como fotografias dele a trabalhar no seu estúdio e com os amigos e amantes. Harry Diamond, Bruce Bernard e John Deakin, documentaram-no a divertir-se nos bares a norte de Piccadilly com Lucian Freud e Frank Auerbach. Há toda uma parede onde imagens que os fotógrafos Guy Bourdin, J. S. Lewinski, Harry Diamond, Peter Stark, Douglas Glass, Mayotte Magnus, Claire Shenstone, e Neil Libbert fizeram dele. O retrato de Bacon por Lewinski é absolutamente magistral. As oscilações, os deslocamentos, o jogo de opacidades e a sobreposição de camadas ecoam de uma forma sublime as complexidades da sua técnica de pintura.

A exposição salienta a influência das imagens de Papa Inocêncio X (1650) de Velázquez, do Auto-retrato com Boina (1659) de Rembrandt e de O Pintor na Estrada para Tarascon (1888) de Van Gogh no trabalho de Bacon. Reproduções destas obras, a presença do Auto-retrato com Boina de Rembrandt no circuito expositivo e a proeminência das pinturas que Bacon criou em alusão directa aos grandes mestres, reforçam o grau de admiração do artista pelos seus antecessores. Nas suas paletas, a abundância de magentas viscerais, dourados reais, azuis cobalto, púrpuras clericais e laranjas vibrantes em contrastes cromáticos extravagantes demonstram o domínio admirável que Bacon tem da cor e que é equiparável ao dos seus mestres.

Francis Bacon pintou mais de 50 auto-retratos ao longo da sua carreira. Particularmente impressionante é um Auto-retrato de 1973 em que Bacon obscurece o seu olho esquerdo, com uma pincelada de tinta preta, e contorce o rosto numa desfiguração quase total. Como que a documentar o ferimento de que tinha sido vítima no ano anterior, que lhe fracturara o osso do maxilar.

Desafiando as convenções do retrato, Bacon rejeita a precisão da similitude em favor da essência do que é ser humano - a imprevisibilidade, a vitalidade, a crueza da honestidade existencial. Nas suas pinturas, desde os auto-retratos aos retratos de amigos e de amantes que definem o seu trabalho, a energia tóxica das suas relações intensas, marcadas pela tensão emocional, pela violência mas também por uma certa ternura, pulsa em cada tela.

Francis Bacon raramente pinta a partir da vida, sendo para ele mais uma prática experimental e de re/interpretação do que uma prática de observação acutilante e de representação hiperrealista. As suas composições, protagonizadas por figuras plásticas compactadas de rostos alongados, retorcidos, esmagados, amorfos e grotescos que emergem de fundos muitas vezes escuros, oscilam entre a abstração e a figuração.

Num vídeo exibido no início da exposição, que documenta uma entrevista do artista a David Sylvester, Bacon partilha que quando gosta das pessoas que pinta prefere trabalhar nos seus retratos em privado, a partir de fotografias ou de memórias dos amigos e amantes que conhece muito bem. Assim evita o peso de manter os seus modelos distraídos durante horas e a vergonha de ter de sofrer com a interpretação e as reacções negativas ao seu trabalho. Ele explica que, porque muitas das suas musas não são do meio artístico, as distorções grotescas com que ele os retrata ferem as suas susceptibilidades.

No entanto, o seu amante George Dyer posou para ele e Bacon pintou-o a partir da vida. Dyer era um criminoso, nascido no sul de Londres. Em 1963 conheceu Bacon num bar gay e, desde então, manteve com o artista uma ligação turbulenta. Até que o seu suicídio por overdose de álcool e comprimidos num hotel de Paris, em 24 de Outubro de 1971, pôs fim à união. Curiosamente a data correspondeu com a inauguração de uma importante retrospectiva de Bacon no Grand Palais. É este incidente mórbido que inspira a última obra da exposição, um tríptico em grande escala que reencena de forma lancinante a morte hedionda de Dyer.

Infelizmente para Bacon não foi a primeira vez que uma relação terminou de forma trágica. Também o seu amante anterior, o ex-piloto Peter Lacy, se suicidara em maio de 1962 na véspera da retrospectiva do artista na Tate. Bacon retratou o alcoólico Lacy de forma visceral, num interessante contraste paradoxal entre um caos vulnerável de formas nuas e uma brutal transmogrificação do rosto num focinho animalesco.

A morte de Lacy marcou o interesse de Bacon por um novo formato. Após o suicídio do amante sadomasoquista, o artista criou o seu primeiro tríptico de retratos. Ao longo da sua carreira adoptaria frequentemente este formato para representar, de forma crua e desoladora, os aspectos tanto físicos quanto psicológicos dos términos das suas relações íntimas e de amizade.

Os seus Três Estudos para um Retrato de Henrietta Moraes (1963) dialogam entre si numa sequência dinâmica de movimentos do rosto que roda do perfil direito, para ficar de frente e rodar novamente mostrando o perfil esquerdo. Isto numa amálgama amorfa e caótica de magentas com tons de pele e apontamentos de laranja, azul e preto.

Em Três estudos para Retratos: Isabel Rawsthorne, Lucian Freud e J. H. (1966), Bacon reúne três dos seus amigos no mesmo tríptico. O retrato de Freud, com o seu fundo verde e as pinceladas ondulantes de negro, branco e rosa carne, é tão disforme que está no limiar da abstração.

Este nível de deformação do rosto é equiparado no seu retrato Henrietta Moraes (1966). Pintada nua, deitada numa espécie de cama em pose sensual e com o corpo a girar na lateral, como que contorcido. Uma misteriosa linha verde a delinear as suas formas curvilíneas. Bacon convenceu Henrietta Moraes a permitir que a sua nudez fosse fotografada por John Deakin. E pintou-a depois a partir dessas encenações íntimas captadas pela lente do seu amigo fotógrafo.

Na última sala da exposição, dedicada a George Dyer, vemos o sublime Retrato de George Dyer a Andar de Bicicleta (1966). As circunferências coloridas e as pinceladas de branco dão uma indução fascinante de movimento.
A exposição afirma o lugar central da condição humana na obra de Bacon, que se reflecte não só na relação do artista com a representação mas no seu desmantelamento das estruturas de poder tradicionais e nas memorializações perturbadoras das suas conturbadas ligações.

Francis Bacon: Human Presence está em exposição na National Portrait Gallery, em Londres, de 10 de Outubro de 2024 a 19 de Janeiro de 2025.

 

 


Thelma Pott
Nasceu em 1984, é artista plástica e curadora. Mestre em Estudos Curatoriais pelo Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Foi curadora assistente no MOMU em Antuérpia e colaborou posteriormente com galerias e museus nacionais e internacionais a título de freelancer. Trabalhou entre outros com os artistas Michelangelo Pistoletto, Luc Tuymans, Cyprien Gaillard, Kader Attia, Diogo Pimentão, Anri Sala, Claire Adelfang, Idris Khan, Raphaël Zarka e António Soares. Entre os seus textos críticos mais importantes destacam-se os ensaios sobre a obra do Pierre Soulages, Luc Tuymans, Cyprien Gaillard, Diogo Pimentão, Tacita Dean, Frank Bowling, Philippe Parreno e Barbara Kruger.

 



THELMA POTT