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BARBARA CRANEBARBARA CRANECENTRE POMPIDOU Place Georges Pompidou 75191 Paris 11 SET - 06 JAN 2025 Barbara Crane: “Uma paixão imperdível pela (caótica) maré-alta da humanidade”! [1]
Nos anos 80 eu fazia questão de passar – sempre que estivesse em Paris – pelo bairro do Beaubourg, onde permanecia horas intermináveis em Les Halles e na praça do ‘Pombidou’, a desfrutar da arte de rua, que era um must da cidade. Os músicos rock/pop, clássicos ou eruditos, os mimos, os poetas, os pintores e artistas de todos os géneros elegiam o bairro como o palco privilegiado para as suas performances. Era de facto fantástico poder-se usufruir gratuitamente de espectáculos, ali, na hora, disponíveis para quem passasse. Era (é?) um bairro histórico e vibrante, conhecido pelas suas galerias de arte, boutiques, restaurantes e cafés, e uma forte ligação com a cultura parisiense. E, claro, para os fotógrafos, esta era (juntamente com o Marais, Saint Michel e Saint Germain des Prés), a zona mais fervilhante de Paris. Nos anos 80’s ainda se sentia ‘no ar’ a onda cultural despoletada pelo Maio de 68, que se traduzia por uma vibrante energia criativa a todos os níveis. Enquanto Londres (nos 60’s conhecida como a "Swinging London") reflectia a cultura Pop, a moda de Carnaby Street de Mary Quant e da famosa modelo Twiggy, do cinema com David Bailey em Blow Up de Antonioni, da música com os Beatles, Rolling Stones ou os The Who, Paris transportava-nos mais para uma imersão cultural das exposições, das galerias, dos museus. Quando em 1984 visitei pela primeira vez o Mois de La Photo (bienal de fotografia iniciada em 1980), fiquei ciente de que as mais de 50 ou 60 exposições que estavam patentes em outras tantas galerias e museus, naquele mês de Novembro, representavam a força da fotografia em França.
O vanguardismo de Crane Confesso que não conhecia bem o trabalho de Barbara Crane (1928-2019). Por uma razão ou outra ter-me-á passado um pouco ao lado dos nomes mais famosos da fotografia documental da segunda metade do século XX. Talvez por isso, despertou-me enorme curiosidade que um museu tão importante exibisse uma retrospectiva individual de mais de 200 fotografias. A visão inovadora e experimental desta norte-americana, nascida em Chicago, manifesta-se logo no início da exposição. Podemos ver as famosas ‘Repeats’, que parecem provas de contacto dispostas de forma agregada, mas que no seu conjunto se tornam peças únicas. Loring Knoblauch (2010) descreve as séries desta forma: “À primeira vista, os Repeats de Barbara Crane parecem provas de contacto normais, com várias imagens semelhantes umas a seguir às outras. Mas, após um olhar mais atento, revela-se-nos algo completamente diferente e mais complexo, em que as obras finais se tornam muito mais profundas e do reino da abstração”. [2] "Human Forms" e "Private Views", são outras duas séries que mostram a multiplicidade de abordagens visuais de Crane. Em Human Forms, Crane dá-nos uma perspectiva quase abstracta do corpo humano. Usando a sobreexposição, a artista cria imagens que quase se assemelham a finos desenhos. As suas fotografias são fragmentos do corpo, que se transformam em composições gráficas que buscam a essência da forma ‘escultórica’ dos seus modelos. “A ideia era que a fina linha preta da sombra delineasse ritmicamente o corpo no espaço branco, como se de um desenho se tratasse. Nestas imagens, a delicadeza da linha era importante e encontrava-se nas dobras do corpo ou debaixo dele”, afirma Barbara Crane (1966). [3] Em Private Views Crane leva-nos para uma narrativa que podemos incluir na chamada fotografia directa: uma parte das suas fotos fazem-nos lembrar o trabalho de William Klein (1926–2022) e também um pouco de Diane Arbus (1923-1971), em que o uso de uma abordagem frontal dos seus fotografados em espaços públicos e eventos, revelam a individualidade e também o comportamento humano em multidão. Em People of North Portal: Doorway realizadas entre 1970 – 1979, Crane fotografou dezenas de pessoas que saiam pela mesma porta do Chicago's Museum of Science and Industry. O resultado é uma surpreendente visão da dinâmica e ritmo da actividade diária dos visitantes, a partir dum mesmo local e cenário, com a câmara posicionada sempre na mesma direcção [estas sequências lembram-me o filme Smoke (1995) de Wayne Wang, em que Auggie Wren (Harvey Keitel) é dono de uma loja de venda de tabaco e fotógrafo, tem tirado fotografias à sua loja, mas do outro lado da rua, sistematicamente às 8:00 da manhã, exactamente no mesmo local, todos os dias, durante meses]. Por último tenho que mencionar as séries Chicago Loop (1976-1978), as suas conhecidas fotografias sobre a arquitetura da zona comercial de Chicago, sua cidade natal. “Crane trabalhou no projecto Chicago Loop durante três anos, expondo mais de 550 negativos 12X18cm com a sua câmara de grande formato. (…) Com enorme precisão e expressão visual, ela extrai os seus temas de um contexto urbano mais vasto e concentra-se na forma, no ritmo, na justaposição e na geometria da arquitetura que tem diante de si.” [4]
O balanço Esta excelente exposição retrospectiva reflecte a enorme diversidade de narrativas visuais de Barbara Crane. Ela mostra-nos como a fotografia é um vasto campo de possibilidades criativas e estéticas. A sua liberdade criativa e busca experimental, remete-nos para a sua visão do mundo, certamente inspiradora para os amantes da fotografia. Nascida em Chicago, Barbara Crane (1928–2019) estudou História da Arte na New York University. Em 1964, Crane concluiu um mestrado em Belas Artes pela School of the Art Institute of Chicago onde ensinou mais tarde durante quase 30 anos, influenciando várias gerações de artistas. O seu trabalho foi exibido em museus prestigiados, como o Museum of Modern Art (MoMA) e o Art Institute of Chicago. Barbara Crane recebeu inúmeros prémios e é reconhecida como uma figura visionária que elevou a fotografia para os patamares mais importantes da arte contemporânea.
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Notas [1] Rebecca Bengal, (2021), SSENSE magazine
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