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ORLA BARRY & RUI CHAFESFive RingsMUSEU COLEÇÃO BERARDO Praça do Império 1499-003 Lisboa 02 MAI - 21 AGO 2011 Nas verdadeiras obras de arte há algo de indefinÃvel, um valor aurático ou um valor de Belo que na contemporaneidade perdeu a sua definição para ser remetido para um lugar de pudor. As obras expostas em Five Rings são Belas. Todas elas têm esse valor que Benjamin define como “Uma estranha trama de espaço e tempo: o aparecimento único de algo distante, por muito perto que esteja†(1). Rui Chafes nasceu em 1966 e licenciou-se em escultura pela ESBAL. A sua primeira exposição individual foi na Galeria Leo em 1986, ainda estava a estudar. Orla Barry nasceu em 1969 na Irlanda e frequentou a National College of Art and Design em Dublin. Em Five Rings colaboram pela segunda vez, escolhendo os espaços mais escuros e claustrofóbicos do Museu Berardo para criar uma exposição intimista, mas luminosa. Escolheram a zona expositiva onde melhor controlam todas as condicionantes externas. Se Rui Chafes trabalha no puro domÃnio da escultura, questionando inclusive o próprio lugar desta num museu ou as suas balizas, Orla Barry trabalha em vários media, mas dando especial relevo à literatura ou ao texto como base das suas obras. É a palavra o mote das suas obras e em Five Rings também Rui Chafes se debruça sobre a palavra. Como em Your Voice in the Air that Swirls Around Me (2011) em que duas aspas gigantes contêm uma qualquer palavra ou frase que não vemos nem ouvimos. É o silêncio entre aspas, porque o silêncio não existe e Chafes gosta de trabalhar nas ausências. Na primeira sala, o vÃdeo Five Rings de Orla Barry fala-nos da memória. Um relato pós-apocalÃptico ou post-mortem, na primeira pessoa. Uma voz cadenciada que preenche todo o espaço e acompanha imagens de uma floresta e do mar, imagens escuras que acompanhadas pelo próprio som, nos remetem para esse ambiente pós-apocalÃptico e ao mesmo tempo terrivelmente intimista. Esta peça de Barry é acompanhada por L’Innommable feuille de…, um conjunto de 28 pequenas esculturas de Chafes “para guardar na mão†que à primeira vista quase poderiam parecer pequenas pedras que por terem sido moldadas pelo mar (o mar que vemos no vÃdeo de Barry) adquiriram formas estranhas. Há algo de profundamente táctil nesta obra. E por obra entenda se o conjunto do vÃdeo com as esculturas, pois também o vÃdeo nos mostra texturas que nos reportam para o sentir da mão. Three Sisters Listening to the Sound of the Earth Moving Through Their Bodies (2011) e I Keep You in my Secret Place (2011) são obras de Chafes que remetem para a ideia de próteses. Não como substituição de alguma parte do corpo perdida, mas como um acrescento ao corpo humano, como se fossem uma segunda estrutura óssea ou um instrumento de tortura. Funções tão dÃspares mas que têm em comum a contenção do corpo humano. São peças em que o ferro é trabalhado como se fosse um material maleável que se deixasse esvaziar, como é habitual no artista: “Cada escultura envolve escondendo. A sua estrutura é aberta, através dela, porém, nada há a ver: ela guarda, enleia, deixando-se penetrar pelo pó (…)†(2). Estas obras estão numa segunda sala onde também encontramos Collection 1996-2011 (2011) de Barry. Esta obra é constituÃda por seis vitrinas contendo pequenas pedras, que a artista nomeia segundo o seu aspecto, numa espécie de jogo infantil, em que o objecto artÃstico não é manufacturado, mas é resgatado à sua condição de anonimato para, com o tÃtulo apropriado, ser apresentado num museu. O que importa pois, é o tÃtulo. Essa é a imagem sugerida pelas pedras. Inevitavelmente a obra constituÃda por Burning in the Forbidden Sea (2011) de Rui Chafes e Filling Egg Shells (2006-2011) de Orla Barry, é a peça central da exposição. É para lá que nos encaminham todas as outras numa espécie de ritual iniciático. É a obra patente nesta exposição que melhor condensa e resume o trabalho conjunto dos dois artistas. No centro de uma sala branca com luz esverdeada vemos suspensa uma peça de Chafes que, acompanhada pelo ambiente sonoro criado por Barry e pelo texto por ela declamado, nos transporta directamente para uma celebração xamânica, um apogeu ritualÃstico ou para um qualquer transe induzido por absinto ou mescalina. É a memória do primitivo. Todo o percurso expositivo de Five Rings é atravessado por uma tensão e mistério que provocam no visitante uma forte inquietação. Como se também nós soubéssemos que temos que chegar à quela última peça que poderia ser a única obra desta exposição. Todas as outras parecem um diário do processo de trabalho e de confluência de sinergias entre os dois artistas que culmina de forma brilhante nesta obra que é palavra, mas é corpo, porque na ausência do corpo presente, temos a sua memória e o corpo encarnado que somos nós próprios, quando habitamos a obra. NOTAS (1) BENJAMIN, Walter, “Pequena História da Fotografia†in A Modernidade, Lisboa, AssÃrio & Alvim, 2006, p. 254. (2) MOLDER, Maria Filomena, Matérias SensÃveis, Lisboa, Relógio D’Ãgua, 1999.
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