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ANTÓNIO PALOLOOs FilmesCULTURGEST Edifício Sede da Caixa Geral de Depósitos, Rua Arco do Cego 1000-300 Lisboa 21 JUN - 09 SET 2012 Nota prévia: os filmes Sem Título não são numerados. Este tipo referência utilizada ao longo do texto visa exclusivamente facilitar a identificação de cada filme. * António Palolo (1946-2000) é uma figura notória da arte contemporânea portuguesa mas o seu trabalho em filme continua a ser pouco conhecido. O artista é recordado pelas suas pinturas, onde diferentes e aparentemente contraditórias linhas de pesquisa coexistem (arte informal, arte pop, abstração geométrica ou hard edge), criando um corpo eclético de trabalho, onde, habitualmente, os seus filmes têm uma posição discreta ou mesmo invisível. No entanto, durante os anos sessenta e ao longo da década de setenta, o artista experimentou com os formatos cinematográficos de 8mm e Super 8mm produzindo um grupo extraordinário de trabalhos. Estes filmes foram exibidos pela primeira vez em 2000 nas Caldas da Rainha, no interior do projeto SlowMotion, onde Miguel Wandschneider, curador desta exposição, apresentou durante três anos uma seleção de filme experimental e de artistas portugueses. Esta mostra, entre as poucas oportunidades de ver alguns destes trabalhos, não foi suficiente para os inscrever na história da arte do país. A exposição da Culturgest tenta reverter esta situação e demonstrar a vitalidade e importância destas obras no interior da obra de Palolo e no contexto da produção artística portuguesa. Nos seus trabalhos em filme, Palolo interessa-se pela investigação do corpo como um meio para ampliar a percepção da realidade, apresentando duas fases de desenvolvimento. A primeira exibe diferentes possibilidades de reconfiguração da figura humana, um posicionamento iconoclasta que questiona o caráter reprodutível e formatado de representações mediadas da realidade, aproximando-se de uma lógica surrealista e dadá. A segunda etapa de produção rejeita todo o tipo de estratégias representacionais que são substituídas por dispositivos abstratos com uma forte dimensão metafísica. Os primeiros filmes da exposição, Sem Título (#1), Metamorfose e Sem Título (#2) (todos de 1968-69) reconfiguram corpos masculinos e femininos, imagens de cowboys e pin-ups, entre outros, recortadas de revistas, que são colocados em movimento acompanhados de diversas formas geométricas (círculos e semicírculos, cilindros e quadrados). Os contatos destas primeiras experiências a preto e branco com a pop art, o movimento dadá e o surrealismo, são visíveis pela utilização de imagens provenientes da cultura popular mas também pela utilização das referidas formas geométricas, que lembram alguns trabalhos de Hans RIchter e, especificamente no caso dos recorrentes círculos, Anemic Cinema (1926) de Marcel Duchamp. O círculo é um símbolo vital para Palolo e reaparece ao longo de toda a sua obra. Em Sem Título (#3) (1970-71), por exemplo, um grupo de formigas circula no interior de um recipiente redondo coberto de açúcar. Estas primeiras experiências podem também ser relacionadas com as suas pinturas da época onde o artista explora a articulação entre formas orgânicas e geométricas. Sem Título (#5) (1972-1976) alarga este tipo de composições, adicionando uma linha abstrata às experiências anteriores. O filme é constituído por duas partes. A primeira analisa os elementos primordiais do medium (luz e movimento) através de uma série de dispositivos ópticos que interferem com a gravação de fontes de luz, como o sol, lâmpadas, candeeiros ou chamas de velas, criando uma colagem abstrata, construída a partir de elementos concretos. Neste aspeto, Sem Título (#5) continua uma linha de trabalho presente em Lights (1972-1976), e que será desenvolvida nos seus filmes posteriores. A segunda parte de Sem Título (#5) substitui as fontes de luz por imagens de figuras icónicas, novamente retiradas de revistas, como Marylin Monroe ou Adolf Hitler. Citando René Magritte, Andy Warhol e Tom Wesselman, o relacionamento do filme com o universo pop aproxima-se, por exemplo, do trabalho de Derek Boshier em Link (1970). É interessante notar que em Sem Título (#5) Palolo escolhe opor dois tipos de imagens comuns mas completamente opostas. Se a primeira parte mais abstrata apresenta objetos com os quais todos contatamos diretamente na nossa vivência quotidiana, a segunda seção utiliza imagens com as quais o relacionamento se faz unicamente de forma mediada, e que por isso se tornam símbolo e alvo de desejo. A sequência onde Palolo utiliza recortes de olhos e bocas sublinha a sensualidade do filme e identifica o corpo como o instrumento de relacionamento com o mundo. A inclusão da imagem do próprio artista no início e final do trabalho sublinha esta ideia e indica a sua crença no medium como um mecanismo sensível de conhecimento. Desta forma, Sem Título (#5) pode ser entendido como um trabalho essencial na obra de Palolo, conjugando as duas tendências que alicerçam o seu trabalho cinematográfico e identificando claramente a posição central do medium e do corpo como instrumentos de uma percepção expandida. OM (1977-78) é a manifestação maior deste pensamento e funciona como síntese de trabalhos anteriores como Sem Título (#6 e #7) (ambos de 1972-1976) e Sem Título (#8) (1976-1977). Estes trabalhos apresentam um imaginário isotérico onde células e galáxias são sobrepostas e cruzadas com imagens de fogo, elemento primordial de criação. OM é produzido misturando tinta com outros líquidos na sua banheira, um modelo artesanal de criação que atravessa toda a obra de imagem em movimento do artista. Os líquidos criam uma forma circular fluida, abrindo a possibilidade de uma experiência hipnótica que é enfatizada pelos 95 minutos do filme. OM sublinha a importância do círculo como símbolo na sua obra: as suas aparições anteriores cristalizam-se em termos puramente abstratos, criando um momento de meditação onde o conhecimento se expande e absorve a realidade exterior e interior num conjunto unificado. A natureza não narrativa dos seus filmes resulta numa metafísica dos sentidos que concebe o corpo como instrumento de percepção. Neste sentido, Drawings/Lines (1971) pertence confortavelmente à obra de Palolo. Realizado sem câmara através da ação direta na película, uma técnica utilizada, entre outros, em Free Radicals (1958) de Len Ley, o filme cria uma experiência intensa e hipnótica que, embora visualmente e formalmente muito diferente do resto dos filmes, se encontra profundamente relacionada com as mesmas investigações e temas. Da mesma forma, os filmes a preto e branco da década de sessenta e os trabalhos a cores da década de setenta partilham a mesma investigação corpórea da realidade. Em ambos os casos o momento de projeção constitui uma reflexão sobre o mundo através do corpo. Enquanto que nos primeiros filmes o corpo é uma entidade exterior e observável que aponta para diferentes modalidades de reconfiguração, nos trabalhos dos anos setenta, torna-se o próprio alvo de estímulos que possibilitam uma percepção expandida. A sobriedade do formato expositivo preserva a fragilidade intrínseca das obras e consegue criar um ambiente de intimidade necessário para a fruição das peças. A exibição destes filmes num contexto internacional permitiria a inclusão do artista no movimento influenciado pela cultura hippie e psicadélica, que, durante a década de 1960 e 70, analisou a imagem em movimento como um instrumento de expansão da mente através da experiência física durante a projeção.
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