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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Pintura Habitada. Fotografia: Filipe Braga


Estudo. Fotografia: Filipe Braga


Desenho, 2012



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ARQUIVO:


HELENA ALMEIDA

HELENA ALMEIDA: A MINHA OBRA É O MEU CORPO, O MEU CORPO É A MINHA OBRA




MUSEU DE SERRALVES - MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Rua D. João de Castro, 210
4150-417 Porto

17 OUT - 10 JAN 2016

Serralves veste a pintura de Helena Almeida

 HELENA ALMEIDA: A MINHA OBRA É O MEU CORPO, O MEU CORPO É A MINHA OBRA
DE 17 OUT 2015 A 10 JAN 2016
CONSTANÇA BABO

 


Tudo estava em tudo, e eu compreendia isso, que era global. Que tudo estava em tudo, que a tela estava totalmente em mim da mesma forma que eu estava completamente na tela (Helena Almeida, 2000 [1]).

 

 

Na obra de Helena Almeida, os limites da pintura e da tela surgem através de sombras, cores, pontas dos pés e das mãos, movimentos físicos e quebras de estruturas, em forma de registos fotográficos com vida. O corpo manifesta-se cruzando várias práticas artísticas, tornando evidente que nele está a origem de toda a criação. Nesse sentido, surge como indiscutível que, por mais variadas expressões que os artistas apresentem, o ponto de partida será, sempre, neles próprios. Daí nasce a obra, daí nasce a arte. Evocando esta questão intemporal, dificilmente, algum dia, Helena Almeida deixará de ser contemporânea.

Suzanne Cotter encara a artista como uma pintora. Entende que a forma como ela combina a fotografia e as ações performativas é de um tal compromisso e requer um tal processo de concentração e estudo, que é como pintar com formas que transcendem a técnica do pincel. A diretora do Museu de Serralves tinha o desejo, desde que assumiu o atual cargo, de produzir uma exposição sobre Helena Almeida. Não se tratando de uma retrospetiva, a mostra percorre todo o percurso da artista, dezasseis anos depois da sua primeira grande exposição nesta instituição e estará patente desde o dia 16 de Outubro até 10 de Janeiro. A exposição surge como o resultado de várias conversas, ao longo dos anos, com a criadora, numa procura para assumir um ponto de vista novo sobre o seu trabalho.

Helena Almeida (Lisboa, 1934), filha do artista Leopoldo de Almeida, esteve desde cedo em contacto com arte e manteve o seu universo familiar a ela ligado ao casar-se com o arquiteto e escultor português Artur Rosa, que aparece numa das obras da exposição: O abraço (2013). A artista sente que ele é, para si, o outro espaço onde é traçado o seu próprio limite. Em grande parte do seu trabalho, o limite de cada espaço e o limite do corpo são uma procura visível a vários níveis, sendo claras as várias dicotomias que ela vai dissolvendo, desde o geométrico e o corpóreo, o espaço fotográfico que invade o espaço da pintura ao confronto do interior com o exterior, inscrevendo-se todos esses elementos uns nos outros a certo momento.

Lucio Fontana, em 1959, rompeu, pela primeira vez, uma tela em Spatial Concept: Expectations. Atravessou essa superfície com o seu corpo, marcando-a e desafiando os limites do objeto. Esta atitude inspirou Helena Almeida que procurou levar ao limite uma série de fronteiras, quebrando-as, de que resultam, até hoje, obras de arte ímpares. Num Portugal sofrido pela ditadura, consideravelmente atrasado nas artes em relação ao resto da Europa, a artista rapidamente se destacou por, deste modo, romper com as convenções de época nas suas produções.

Em 1967, realizou a sua primeira exposição individual na Galeria Buchholz em Lisboa, que hoje serve de influência ao comissário João Ribas na produção da presente exposição. Na primeira sala, estende-se uma espécie de recriação desse momento passado, apelando ainda a outras exposições iniciais da artista, das quais tanto nos chegam obras finalizadas como registos fotográficos. Nos espaços de Serralves, estes registos funcionam quase como a obra ela mesma, desafiando a barreira entre função de arquivo e produto final. A técnica fotográfica dá azo a este jogo entre o documental e o artístico e é, precisamente, a prática mais recorrente no corpo de trabalho de Helena Almeida, apesar deste apresentar uma diversidade de técnicas desde a pintura, ao desenho ou ao vídeo.

Ainda na primeira área da exposição, uma parede que se instala no centro, quebra em diagonal o espaço, expondo uma linha de trabalho que atravessa todo o percurso da criadora: o desenho. Estudos e esboços são vestígios constantes do processo criativo e aqui separam a zona que detém telas pintadas da outra onde predominam as fotografias do seu corpo.

Na área seguinte, presencia-se um jogo de espaços entre o atelier da artista e a rua. Pode pressupor-se um certo receio da sua parte em se dirigir para o exterior, na medida em que, na série de imagens fotográficas que produz, Estudo para dois espaços (1977), as mãos da artista agarram grades e portas como se a própria estivesse sempre presa ao interior não se permitindo a libertar-se por completo. Neste caso, parece que o limite do espaço para o seu corpo é onde começa o espaço exterior.

De sala para sala, manifestam-se duas ordens distintas: cronológica e temática. A primeira é, por vezes, anulada, em lugar de uma sequência crucial para a compreensão. Exemplo disso é a tela azul Sem título (1966), com desenhos geométricos, que abre as portas para as célebres séries da Pintura Habitada da década de 70. Este conjunto de fotografias a preto e branco com vestígios de tinta azul, precisamente em formato quadrangular, pode ser entendido, segundo o comissário João Ribas, como o resultado de uma desconstrução da tela azul, da qual saem as suas formas para surgirem emolduradas na sala seguinte.

Na sequência destas imagens, a artista vai-se cobrindo com a tinta azul, agarrando-a e incorporando a própria cor como em Estudo para um Enriquecimento Interior (1934). É, desse modo, que se integra a ela mesma na obra, tornando-se, ela própria, na pintura, numa ação simultânea de ocultamento e desvendamento.

A desconstrução do espaço da obra e do espaço que a envolve, assim como do lugar do artista dentro dos mesmos, fora deles ou em limiares de transição entre eles, constitui o principal enquadramento conceptual da obra de Helena Almeida.

Torna-se, deste modo, fácil compreender como todos os trabalhos se encontram interligados, não havendo, na visita à exposição, uma narrativa imposta e facilmente o espetador sentirá que se move num percurso lógico. Isto é sinal não apenas de uma firme coerência no trabalho da artista, como também na forma como os curadores da exposição, João Ribas e Marta Moreira de Almeida, se ocuparam de o revelar.

Ao abandonar a exposição e encarar, de novo, o átrio do Museu, invadido pelas fotografias do corpo de Helena Almeida, deitado no seu atelier em posições expressivas e marcantes, torna-se inevitável ver estas imagens com um olhar renovado, amadurecido e esclarecido. A forma como a exposição foi concebida permite ao espetador não só conhecer o trabalho desta grande artista portuguesa e compreender em que ele consiste, como possibilita também criar como que uma ligação com a própria autora.

A tela, o material com o qual, inicialmente, se vestiu em Tela Rosa para vestir (1969), acaba por ser o elemento no qual exerce a ação contrária de se despir para permitir o nascimento de um trabalho onde o corpo é a superfície de criação, numa exploração constante do seu eu. Torna-se claro que a sua obra é o seu corpo e o seu corpo é a sua obra.

 

Constança Babo

 

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Notas

[1] AAVV, Catálogo Helena Almeida, exposição no CGAC, Xunta de Galicia, 2000, p. 19.



CONSTANÇA BABO