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PICTÓRICA FOTOGRAFIA (ANDREAS GURSKY)



DAVID SANTOS

2007-06-20




“A minha preferência por estruturas bem definidas resulta do meu desejo – talvez ilusório – de não perder o rasto às coisas e de manter algum controle sobre o mundo”

Andreas Gursky


Na segunda metade do século XIX, o “Pictorialismo”(2) tornou-se o primeiro movimento ligado à prática da fotografia a manifestar o desejo de alcançar a dignidade e o estatuto de uma artisticidade refinada ou “sallonard”, a que nessa época, de conflito entre a moral e a ciência, só a pintura e a escultura pareciam poder aceder. Determinado pelo elaborado domínio académico e todo-poderoso das chamadas Belas-Artes, essa matriz de espiritualidade culta tornou-se uma espécie de obsessiva tarefa para a nova epistemologia da imagem que ainda hoje designamos por Fotografia. Mas, como manifestação redutora e artificial, o “Pictorialismo” revelar-se-ia uma falsa partida, permanecendo associada a fotografia, pelo menos até meados do século XX, e apesar da reivindicação crescente sobre a sua especificidade artística, a uma certa ideia de menoridade, apressadamente justificada pelo espartilho da pequena escala ou de uma produção na sua esmagadora maioria realizada na exploração cromática do preto e branco, ou dos seus matizes cinzentos, para além de parecer estar muito mais dependente do exercício mecânico, o seu “pecado original”, do que de uma manualidade expressiva e artesanal, limitando assim a manifestação dessa subjectividade essencial, fundadora do mito romântico do artista criador. Essa máquina que fixava o instante ou a pose da humanidade, associada à mágica e “alquímica” transformação-revelação da imagem captada, justificara inconscientemente a manutenção da disciplina da fotografia numa espécie de referência menor. Só no final do século XX, com o desenvolvimento tecnológico a permitir a impressão fotográfica de grande formato, é que a fotografia viria a disputar com a pintura a ocupação das paredes dos museus e dos centros de arte de todo o mundo, produzindo a sua própria “imagem-quadro” e ocupando finalmente um lugar de destaque na história desse conceito chave desde a Renascença(3). Depois de várias décadas de pequenas salas para pequenos formatos, a fotografia conseguia finalmente projectar a dimensão artística numa posição de igualdade, com a cor e a grande escala da imagem a promoveram, por assim dizer, a tão ambicionada ascensão ut pictura.

Deste modo, e no final dos anos 80, uma nova geração pôde beneficiar dessa novidade operacional, apresentando fotografias que voltavam a apelar a uma certa dignidade pictórica, aliando ao registo do real (naquilo que ficou também conhecido como “realismo-documental”) uma extraordinária densidade contemplativa ou mesmo abstracta, como em Wolfgang Tillmans, Frank Thiel ou Roland Fischer, que conferia na realidade um novo regime de presença (imagética e espacial) à própria imagem fotográfica. Jeff Wall, Cândida Höfer, Günther Förg, Axel Hütte Robert Mapplethorpe, Andres Serrano, Jochen Gerz, Thomas Ruff ou Thomas Struth, foram alguns dos muitos nomes que, oriundos da prática da fotografia e ainda que mantendo registos distintos entre si, rapidamente se tornaram conhecidos do meio artístico internacional, precisamente pela amplitude e nova magnificência das suas imagens, convertidas desde aí em objectos de arte com peso, estatuto e dimensão semelhantes às telas pintadas a óleo ou acrílico que podiam ser vistas nesses mesmos espaços de exposição. Andreas Gursky surgirá neste contexto como um dos artistas mais relevantes da sua geração, promovendo uma obra fotográfica que retoma a dimensão da imagem absoluta, onde o tempo, mas também o espaço (e aqui talvez resida muito do seu valor idiossincrático), parecem ganhar uma nova e estranhíssima suspensão.

As fotografias de Andreas Gursky são limpas e meticulosas, de grande formato, a fazer lembrar a melhor e mais ambiciosa tradição pictórica. Este alemão, aprendiz de feiticeiro (foi aluno de Bernd e Hilla Becher na Kunstakademie de Düsseldorf), retém da imagem fotográfica mais do que a sua função narrativa ou simbólica, pois o seu trabalho opera numa dimensão mais vasta, onde se cruzam, de modo subtil, ilusão e realidade, experiência simultaneamente visual e reflexiva, marcas essenciais de uma certa especificidade da criatividade artística. Recorrendo a excepcionais condições técnicas, partindo sobretudo das possibilidades oferecidas pelo processamento fotográfico electrónico, Gursky recusa o conceito mais comum de instantâneo e remete a sua atenção para uma zona sensível de permanência visual que exige, ao mesmo tempo, uma redobrada atenção por parte do receptor da obra de arte. Desde 1992 que Gursky recorre à manipulação digital, “de modo a realçar os elementos formais que irão valorizar a imagem ou, por exemplo, a aplicar um conceito de imagem que, em termos de perspectiva real, seria impossível realizar” adianta o autor. “Quando trabalho desta maneira, conservo na minha mente a imagem e aproximo-me passo a passo do resultado final, sem me deixar influenciar por surtos de inspiração momentânea”(4). De facto, na sua escala magnificente, estas fotografias assumem um rigor de composição que desde logo exerce sobre o espectador um “efeito de pintura”, solicitando demorada contemplação, elevando-as assim ao estatuto de grande obra de arte.

Cauteloso no modo como elabora as suas realidades fotográficas – que de imediato nos lembram as pinturas de um Albrecht Altdorfer ou de um Pieter Bruegel, ou, no tema da paisagem, esse sublime da natureza romantizado por Caspar David Friedrich – o artista encara o mundo contemporâneo como um estranho que observa de fora, uma personagem proustiana que assume o livre curso do tempo, sem compromissos moralistas ou meditações programáticas. Como o pintor em distanciado silêncio, o seu olhar vagueia pela contemporaneidade, solene e grandiloquente, evocando os géneros mais tradicionais da pintura europeia, da paisagem à cena de interiores, da arquitectura ou à abstracção visual. Do realismo mais clássico ao formalismo minimalista norte-americano, as referências estilísticas resultam num processo que em nada subverte a originalidade estética do seu discurso. Em Andreas Gursky, o propósito documental exigido pelos Becher resulta numa reconfiguração da dignidade pictórica onde a cor é finalmente assumida na sua plenitude, enquanto factor estrutural determinante. A fotografia pode assim funcionar num duplo sentido, entre o registo e a contemplação privilegiada sobre a essência de uma modernidade pós-industrial que ilumina ainda as sociedades finisseculares. As cenas da vida urbana, a sedução visual do mundo do consumo, ou a natureza mais recôndita manifestam-se sempre num jogo de equilíbrio onde o conceito de belo volta a fazer sentido, mas agora minado ou, de outra forma, ampliado pela manipulação e pelo retoque tecnologizado. Há que refazer a imagem do nosso mundo, mesmo que numa imperceptível angústia, dar-lhe uma cosmética sensível e vibrante, sem nunca cair em excessos e gratuitidades. O formalismo deste fotógrafo – que, como o próprio admite, obedece a “uma progressão lógica das paisagens aparentemente ‘naïves’ dos anos oitenta para as imagens actuais mais secas e abstractas”(5) – remete o seu trabalho para um universo onde a linguagem estética parece calculada ao milímetro, no rigor conflitual do pormenor, forçando uma espécie de instabilidade causada pela paradoxal inverosimilhança do seu resultado visual. Aqui fixa-se uma realidade objectiva mas de difícil compreensão, pelo menos na sua expressão panorâmica, resvalando para o prazer estético e falhando propositadamente a estrita tarefa documental ou memorialista. São imagens simultaneamente certas e erradas, testemunhais e irrealistas, mas sobretudo magníficas no modo como marcam a uma grave presença.

O relevante conjunto de fotografias de grande escala, realizadas desde o final dos anos 80 e exibidas pelas mais prestigiadas instituições de todo o mundo, confirma Andreas Gursky como um dos artistas que melhor trabalham a imagem fotográfica como herdeira privilegiada da vasta tradição da arte; o próprio Gursky confessa que “a história da arte perece possuir um vocabulário formal que é válido em geral e que usamos sem cessar”(6). Na verdade, todos aqueles que de algum modo se relacionam profissionalmente com a produção artística contemporânea acabam quase sempre por usar ou considerar pelo menos o arquivo formal, estilístico e imagético da história da arte. Também nesta perspectiva, o trabalho de Gursky investe seriamente num diálogo de realização figural que estabelece a sua própria interpretação da “imagem-quadro”, pictorializando por assim dizer o valor intrínseco da imagem fotografada. Talvez por isso, escolher uma boa fotografia não passe apenas, pelo menos em Andreas Gursky, pela opção de um olhar sobre o real. Tal como o próprio afirma: “Não é fácil citar critérios gerais para uma boa imagem. É claro que as decisões a nível da composição são sempre importantes quando estruturamos a imagem, mas nãos as acho particularmente interessantes, visto que são óbvias. A experiência visual imediata deve ser sempre o catalisador da decisão pictórica. As questões socialmente relevantes ou de contexto estratégico só deverão, em minha opinião, ser consideradas numa segunda fase. Em primeiro lugar, o que me preocupa é autonomia da fotografia e a confiança na força da imagem”(7). Esta convergência entre o “índice” (fotografia) e o “código” (pintura) da imagem captada, mas igualmente trabalhada até produzir o efeito visual pretendido, conduz o artista a um labor que acentua a ambiguidade do seu estatuto, entre o documental e uma espécie de neutralidade puramente pictórica ou formal. Por exemplo, sobre a imagem fotográfica do “Bundstag”, Gursky dirá: “Só a possibilidade de olhar através de uma ‘segunda pele’ (o edifício do parlamento visto do exterior) transforma a forma circular arcaica da sala da assembleia numa figura misteriosa que faz parecer estranho o conjunto dos membros da assembleia.

A estrutura complexa da arquitectura é sublinhada, a partir desta perspectiva, pelas muitas linhas horizontais e verticais, que parecem intrusivas”(8). Padrão pictórico que Andreas Gursky utilizou noutras fotografias igualmente sedutoras no seu formalismo autónomo como “Montparnasse” ou “Hong Kong, Shangai Bank”. Como atentamente observa Sérgio Mah, “As imagens de Gursky proporcionam a oportunidade de observar espaços que são normalmente vistos em movimento, nos transportes, na televisão e no cinema, e, com uma técnica precisa e estável, produzem uma completa fixação do representado, permitindo vislumbrar e descobrir a sua organização geral e os seus fragmentos metonímicos. A precisão e a estabilidade numa entidade fixa tornam-se nos agentes da beleza da imagem. Transformam os espaços, os corpos, as situações em formas artísticas”(9).

Por outro lado, podemos identificar nesses conjuntos uma espécie de “investigação sociológica des-romantizada”(10) de grande efeito visual ao nível da composição dos elementos que harmonizam o conjunto, mas que foge a qualquer intencionalidade estritamente científica. Há aí um distanciamento marcado pela des-subejctivação de quem capta e transforma a aparência da imagem. Estas imagens reduzem ainda a humanidade à sua expressão maquínica e arquitectural (“Hong Kong. Island” ou “Opel. Bochum”, imagens datadas de 1994), como resultado de uma economia global avassaladora em que invariavelmente se inserem os indivíduos, tanto na sua expressão laboral como no lazer, conduzindo-os assim a uma presença diminuta, quase microscópica, como se o objectivo fosse “des-individualizá-los”(11). Porque, nas fotografias de Andreas Gursky não deixam de existir “figuras na paisagem, mas são figuras anónimas, captadas a uma distância suficiente que limite os seus traços individuais. Em anonimato, petrificada, de reduzida dimensão e em segundo e terceiro plano, a presença humana é relativizada na totalidade da paisagem”(12). Isso é particularmente evidente em “Engadin” (1995), “Düsseldorf. Flughafen II” (1994) ou “Hong Kong. Grand Hyatt Park” (1994), onde o registo figural humano se presta a uma espécie quase insignificante de miniaturização, a fazer lembrar o rigor de maquetas produzidas à escala. Confunde-se assim, o real e o imaginário, como se o detalhe produzisse um efeito mágico ao nível da percepção do espectador, constantemente reenviado ao exercício de aproximação e distanciação visual exigido pela imagem de grande escala.

Mas nem todas as imagens de Gursky recorrem à presença da figural humana. Algumas, como “Shiphol” (1994), “Ayamonte” (1997) ou “Rhein” (1996), assumem o vazio humano como forma de silenciar ainda mais a imagem e o seu conteúdo, mesmo que para isso o artista recorra a uma subtil interferência técnica ao nível do tratamento da imagem. Na abstractizante vista do Reno, Gursky admite que “foi necessária uma construção fictícia para dar a imagem correcta de um rio moderno”, isto é, assume o voluntarismo da manipulação digital da imagem como função determinante na obtenção do resultado formal pretendido. O mesmo objectivo e necessidade processual pode ser identificado nas séries de fotografias sobre empresas industriais que o artista realizou durante a década de 90. “A seguir a esta experiência [confessa] compreendi que a fotografia deixou de ser credível e, assim, foi muito mais fácil legitimar o processamento de imagens digitais”(13. Estratégia afinal que tornaria famoso o trabalho de Andreas Gursky, sobretudo a partir do êxito dessas estranhas imagens de átrios de hotel, como em “Atlanta” (1996), “Times Square” (1997) ou “Singapore II” (1997). Contudo, adverte-nos ainda: “Nunca se encontraram pormenores arbitrários na minha obra. A um nível formal, há inúmeras micro e macro estruturas que formam uma teia, determinada por um princípio geral de organização. Um microcosmo fechado que, graças à minha atitude de distanciação em relação ao tema, permite ao espectador reconhecer as charneiras que ligam todo o sistema”(14).

Acerca de “o. T. V.” (1997) – imagem onde se surgem alinhadas em rigorosa exposição várias séries de sapatos, e que acaba por ser uma das obras mais emblemáticas sobre a atenção formal que Andreas Gursky confere à ideia de sublime desta sociedade de consumo que nos domina – o artista esclarece-nos sobre a pictorialidade exigida a priori.: “Existem nesta imagem vários níveis de realidade. Experimentei originariamente uma situação semelhante, mas só o material do documentário não teria sido suficiente para uma fotografia convincente. A verdade é que a exposição dos sapatos tinha uma apresentação inofensiva e era pictoricamente ineficaz. Senti por isso que seria tanto mais interessante realçar a dimensão simbólica deste fenómeno – o fetichismo do nosso mundo material. Depois de pensar no assunto durante semanas, decidi voltar a Nova Iorque para fotografar os sapatos numa sala artificial, construída especialmente, e em que eu depois os alinhava por filas e elaborava cuidadosamente um todo, utilizando técnicas de processamento digital”(15). Reconstruindo ou encenando o próprio real, Andreas Gursky parece reencarnar o espírito do “pictorialista” do século XIX, pois ao retocar e corrigir em termos de cor e intensidade lumínica a imagem fotografada, estará em parte, ainda que de um modo conceptual e tecnicamente bastante diferente, a reavivar esse objectivo pioneiro de abrilhantar ou sublimar a imagem nua produzida pela câmara fotográfica. Convém no entanto esclarecer que a analogia feita aqui entre Gursky e o “Pictorialismo” pretende apenas confirmar o verdadeiro estatuto de arte maior que as imagens do artista alemão, por contraste, apresentam. Se Gisèle Freund identificou que o “efeito principal [do ‘Pictorialismo’] consistia em substituir a nitidez da objectiva pela suavidade dos contrastes”(16) , pois “os fotógrafos julgavam conferir uma nota artística aos seus trabalhos se apagassem o que é justamente característico da imagem fotográfica: a sua nitidez”(17), procurando então aproximar-se de valores formais e cromáticos inspirados na pintura impressionista, já Andreas Gursky procede ao engrandecimento pictórico das suas fotografias assumindo precisamente uma espécie de paroxismo da nitidez. Nesta medida, o trabalho de Gursky estaria nos antípodas do “Pictorialismo”, contudo, liga-o a esse movimento oitocentista uma certa ideia de ascensão estética que o mantém interessado na valorização pictórica da imagem fotográfica.

Quanto à ideia de ordem contida nas séries ornamentais, patente não só em “o. T. V.”, como em “Prada I” (1996) e “II” (1997), exerce um fascínio sobre a organização da imagem digitalizada, acentuando a tendência para a elevação de uma visualidade requintada pelo design global das sociedades pós-modernas, como última expressão dessa “Das Ornament der Masse” (“Decoração das Massas”) que já Siegfried Kracauer havia perspectivado enquanto fenómeno emanado da indústria cultural capitalista(18) e que mais recentemente foi alvo de reflexão crítica por parte do teórico de arte norte-americano Hal Foster(19).

Outro modo privilegiado de Andreas Gursky encontrar a figura humana no frenesi da dependência económica, resulta da atenção sobre a azáfama de alguns bancos (“Hong Kong. Shangai Bank”) e bolsas de valores do mundo contemporâneo, como em “Chicago. Mercantile Exchange” e “Chicago. Board of Trade”, ambos datados de 1997. Aos gestos apressados pela urgência do lucro, Gursky alia um colorido forte, sublinhado nos casacos de cor forte que distinguem as “castas” dos corretores da bolsa, esses mimos-agentes financeiros que determinam o novo fluxo da energia mundial. As panorâmicas dessa forma observadas remetem para um ruído distante e uma magnitude de conflito que lembram as batalhas entre exércitos pintadas por Paolo Ucello, Altdorfer ou Albrecht Dürer. Cada uma destas imagens congrega esse “efeito de pintura” que lhes empresta uma dignidade maior, pouco vista na fotografia de formato standard, amadora ou profissional. De outra forma, ao abdicar do carácter efémero ainda hoje associado ao conceito de instantâneo massificado pela cultura mediática, e ao promover a minúcia da intervenção digital em imagens panorâmicas de grande formato, Andreas Gursky opera uma transformação de cariz compósito, ut pictura (como uma pintura), que eleva as suas fotografias ao universo das grandes obras de arte, não só pela sua dimensão física e hierática, mas sobretudo pelo desejo contemplativo que ao espectador invariavelmente se impõe.

David Santos
Professor universitário e curador


NOTAS
(1) Texto originalmente publicado em Arq./a – revista de arquitectura e arte, nº 34, Novembro/Dezembro de 2005.
(2) O “Pictorialismo” insurge-se desde 1880, pela voz de Peter Henry Emerson, “contra a fotografia que reproduz com igual precisão tudo aquilo que aparece no campo da sua objectiva” (citado por Jean A. Klein, na sua Histoire de la photographie). Segundo Gisèle Freund, o “Pictorialismo” “tenta tornar a fotografia cada vez mais parecida com a pintura a óleo, com o desenho, com a água-forte, litografias e outras técnicas do domínio da pintura. O seu efeito principal consiste em substituir a nitidez da objectiva pela suavidade dos contrastes. Os fotógrafos julgavam conferir uma nota artística aos seus trabalhos se apagassem o que é justamente característico da imagem fotográfica: a sua nitidez” (in Photographie et Société). Robert Demachy, Constant Puyo, Heinrich Kühn, Frank Meadow Sucliffe ou Liddell Sawyer, estão entre os maiores defensores da prática pictorialista no final do século XIX.
(3) Sobre o conceito de “imagem-quadro” associado à disciplina da fotografia ver de Sérgio Mah, A Fotografia e o Privilégio de um Olhar Moderno, Lisboa, Edições Colibri, 2002, pp. 97-103.
(4) Andreas Gursky em entrevista a Veit Görner (1998), “…geralmente deixo que as coisas se desenvolvam devagar”, in Andreas Gursky Fotografien. 1994-1998, Wolfsburg, Kunstmuseum Wolfsburg e CCB (entre outras instituições), 1998, p. 4.
(5) Ibid., p. 5.
(6) Ibid., p. 7.
(7) Ibid., p. 6.
(8) Idem.
(9) Sérgio Mah, op. cit., p. 104.
(10) Veit Görner na entrevista citada, p. 6.
(11) Andreas Gursky, op. cit., p. 5
(12) Sérgio Mah, op. cit., p. 105.
(13) Andreas Gursky, op. cit., p. 5.
(14) Idem.
(15) Ibid., p. 4.
(16) Ver nota 1.
(17) Idem.
(18) Sobre esta questão ver Hal Foster, Rosalind Krauss, Yves-Alain Bois e Benjamin H. D: Buchloh, Art Since 1900. Modernism. Antimodernism. Postmodernism, London, Thames & Hudson, 2004, pp. 661-663.
(19) Cf. Hal Foster, Design and Crime (and other diatribes), London/New Yorq, Verso, 2002.