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ENTREVISTA COM BRUCE NAUMAN (2001)



MICHAEL AUPING

2007-11-07




Nesta entrevista, publicada no livro Please pay attention please: Bruce Nauman’s Words: writings and interviews (edited by Janet Kraynak), MIT Press, 2003, Bruce Nauman explica a génese e o processo de construção da peça em vídeo Mapping the Studio I (Fat Chance John Cage), um trabalho de 2001, marcante e surpreendente, à imagem de muitas das peças do artista, que foi apresentado no DIA, em Nova Iorque, e na Tate Modern, entre outros locais. A exemplo de outras entrevistas ou textos do artista, é um documento precioso; um testemunho conciso e directo, que faz a economia de um certo palavreado supostamente inteligente e autolegitimador que com frequência acompanha o discurso dos artistas.
Actualmente, podemos ver trabalhos de Bruce Nauman na exposição Centre Pompidou Novos Media 1965-2003, em apresentação no Museu do Chiado.


Entrevista com Bruce Nauman, 2001

Nesta entrevista, o curador Michael Auping refere-se essencialmente à nova vídeo instalação, Mapping the Studio I (Fat Chance Jonh Cage), exposta no Dia Art Center em Nova York entre 9 de Janeiro a 16 de Junho de 2002. As duas outras partes deste trabalho intitulam-se Mapping the Studio II with color shift, flip, flop, & flip/flop (Fat Chance John Cage ) All Action Edit(2001); e Office Edit II with color shift, flip, flop, & flip/flop (Fat Chance John Cage ) Mapping the Studio (2001)- foram apresentadas numa segunda exposição na Sperone Westwater Gallery (Junho 6-Julho 27, 2002). Ambas consistem numa série de DVDs, filmados com câmaras especiais de infravermelhos, projectadas em grande formato nas paredes da sala. Na primeira versão, Mapping the Studio I, a projecção é feita num dormente tempo real (no total tem cerca de seis horas de duração), de tal forma que quando o público entra poderá ou não ver algum movimento ou incidente: o aparecimento do gato ou do rato – ou uma ocasional traça fazem com que passe a ser uma questão do acaso. Em contraste, a segunda versão, Mapping the Studio II, consiste numa edição de toda a acção em que as cinco horas e quarenta e cinco minutos de gravação foram reduzidas a cerca de quase uma hora. Juntos, os trabalhos exploram os efeitos e a experiência do tempo - uma questão que tem sido continuamente presente na obra de Bruce Nauman.

Michael Auping: O que é espoletou a realização desta peça, e quanto tempo pensou nela antes de a realizar?

Bruce Nauman: Bem, eu estava a trabalhar na peça Staircase para os coleccionadores Steve e Nancy Oliver, tinha terminado recentemente o Stadium e Washington, portanto andava a pensar no que é que iria ser o meu próximo projecto. Tendo como ponto de partida os mais recentes trabalhos, estava a tentar perceber até onde essas ideias me podiam levar, e para falar verdade não estava a ir a lado nenhum. Porque essas peças funcionaram como o fim de uma linha de raciocínio e não tinha sentido tentar prolongar. Há cerca de um ano atrás dei comigo a caminho do atelier, frustrado com a falta de ideias para desenvolver. O que accionou esta peça foram os ratos. Tivemos uma invasão de ratos do campo nesse verão e estava a ser impossível livrarmo-nos deles, eram tantos que até o gato não lhes ligava. À noite sentava-me no atelier a ler e o gato ficava ao meu lado a observar os ratos a correr por todo o lado. Ele conseguia apanhar alguns porque na manhã seguinte encontrava vestígios espalhados pelo chão.
Decidi que ia trabalhar com o que tinha, que era o gato, os ratos e uma câmara com infravermelhos que tinha no estúdio. Preparei as coisas, e à noite experimentei deixar a gravar o que acontecia durante a minha ausência. Na altura lembrei-me da peça de Daniel Spoerri feita para um livro, penso que se chama Anecdotal Photography of Chance [An anedocted Topography of Chance, 1966]. Ele fotografava ou colava tudo o que sobrava das refeições, o que tinha eram apenas os restos. O livro tinha uma introdução escrita por um amigo no qual falava acerca dos restos que ficavam na mesa depois de Spoerri os preservar. Descreveu cada beata de cigarro, folha de papel, utensílios de cozinha, o vinho, tudo, e qual era a sua origem. Fez-me pensar que eu também tinha muita coisa espalhada pelo estúdio, restos de projectos, alguns inacabados e muitas notas. E porque não fazer um mapa do atelier e dos seus restos?. A melhor maneira de o fazer seria permitir que o gato e o rato de alguma forma definissem esse espaço. Então instalei a câmara em diferentes localizações do atelier, para ver como é que os animais interagiam com os restos de trabalhos. Essa foi a génese. A medida que me fui envolvendo no trabalho percebi que precisava de sete localizações para ter a noção do mapa. A câmara foi então instalada numa sequência que penso mapear muito bem o espaço.

MA: Então a peça final tem uma duração de seis horas? Como é que definiu ser essa a duração em vez de oito ou duas horas?

BN: Bem era necessário mais do que uma ou duas horas, decidi que se tinha de ser longo, então deveria…bem, dava a sensação que tinha de ser longo para que não fosse preciso sentar e ver o todo, mas que desse para ir e vir, como nos filmes do Warhol. Queria que desse a sensação de estar lá, como uma objecto apenas existindo. Queria que a peça tivesse uma qualidade de tempo real em vez de ficção. Agrada-me a ideia de saber que acontece quer esteja lá ou não.

MA: Parece-me que de alguma forma relaciona-se com a peça Pacing the Studio (Pacing Upside Down, 1969). O que lhe parece?

BN: De certa maneira, geralmente voltamos à ideia de que quando não sabemos o que fazer, o que quer que aconteça na altura torna-se um trabalho.

MA: Sendo assim, também se relaciona com o seu último vídeo Setting a Good Corner.

BN: Sim.

MA: O facto de ter feito dois de seguida poderá dizer que já não tem ideias.

BN: (gargalhadas) Não me resta mais nada.

MA: Fale-me acerca do subtítulo, penso que a referência a [John) Cage é bastante clara no sentido em que a peça tem o fim em aberto, mas porquê as palavras “Fat Chance�

BN: Quando escolhi as sete localizações, foi devido a saber que aí haveria actividade dos ratos, assumindo que o gato iria ocasionalmente também ser filmado. Assim de manhã é que conseguia ver o que se tinha passado e fazia um apanhado do que sucedera em cada noite.

MA: Mas algumas das cenas foram manipuladas.

BN: Certo. Existem duas versões da peça, na primeira não houve qualquer tipo de manipulação. Na segunda versão existem mudanças de cor e “flips and reversesâ€. Existe ainda uma terceira, mostrei-a à Susan Rothenberg, ela ficou aborrecida e disse - “Porquê é que não cortas as cenas em que nada acontece?†Eu disse-lhe que era isso que fazia a peça. E ela - “ bem, obviamente é isso que tens de fazer então,†precisamente porque é o contrário da peça. Então acabei por fazer uma edição em que só tem acção, de seis horas passou a quarenta minutos, uma hora.

MA: Quais os critérios para a manipulação da imagem? Foi uma questão de composição ou de valorização de certas cenas?

BN: Ambas. Em termos de cor, eu quis utilizar as cores do arco-íris, mas acabou por ter uma cor com sensação de calma. Do vermelho para o verde e o azul, depois de vinte ou quinze minutos volta ao vermelho. Isto tudo muito devagar, não se consegue mesmo ver a cor a mudar. Cada uma das sete imagens muda num tempo diferente, fazendo com que a dada altura estejam todas com cores diferentes, numa espécie de arco-íris sereno. A imagem roda de quinze em quinze minutos de uma forma arbitrária. É uma forma de manter o olho ocupado e dá ao conjunto uma espécie de textura.

MA: Fazendo uma leitura simbólica, o que acha do gato como o artista e perseguir a sua musa (os ratos)?

BN: Não propriamente, eu estava interessado na relação entre eles mas mais num sentido psicológico. A relação existe como uma espécie de paradoxo entre a realidade e a piada. Afinal são personagens de desenhos animados há tanto tempo, que achamos que têm uma certa amizade, mas obviamente existe uma tensão de predador-presa entre eles. Quis criar uma situação de incerteza em relação à reacção do observador. Há partes que têm humor e outras não, mas isto são pequenas situações que se podem ou não perceber. O efeito em geral é ambíguo, e talvez um pouco ansioso. Consegue-se ouvir de vez em quando cães a ladrar e coiotes a uivar. Existe, então também um elemento exterior para além do que vemos no interior do estúdio, o que me agrada. Existem também duas localizações gravadas das diferentes portas do estúdio. Uma delas vai dar ao escritório e as outras duas dão para o exterior, a maior parte do tempo gravado foi possível manter as portas abertas porque ainda estava calor. Por vezes consegue-se ver os olhos do gato reflectidos do lado de fora, os ratos também andam por dentro e fora, porque há um buraco que lhes permite passar. Na peça existe um diálogo entre o dentro e o fora que lembra o facto de estar no estúdio com toda uma série de coisas a acontecer lá fora, ou seja ter noção da grandeza do que acontece fora do espaço do estúdio.

MA: Que tipo de emoção associa a esta peça? Se tivesse de designar uma emoção, qual seria?

BN: Não sei o que dizer acerca disso, o que senti ao ver a peça foi quase uma espécie de meditação. Porque a imagem projectada é maior, se tentarmos focar a nossa atenção numa parte da imagem, perde-se algo. Portanto temos de não prestar atenção e não nos concentrarmos para permitir que a visão periférica seja activada. Temos tendência em apreender mais se apenas olharmos sem andarmos à procura. Temos de nos tornar passivos, penso.

MA: Existe uma espécie de beleza aparentemente solitária nesta peça quase um pathos. Isto pode parecer… bem, acabou de fazer sessenta, agora anda a fazer o que os curadores e historiadores de arte chamam “late workâ€. Há aqui algum pensamento ligado a uma auto-reflexão?

BN: (risos) Penso que sim, espero é que não seja tarde demais. Talvez no sentido que tenho no estúdio coisas com dez anos e estou a usar os restos, mas também sempre fiz isso. Peças que não funcionam em geral, são transformadas noutra coisa. Isto é só mais um desses casos.

MA: Estava também a referir-me ao facto de a câmara ser uma extensão do olho. Numa primeira instância, o Bruce é o observador. Nós seguimos o seu olhar para si mesmo.

BN: É verdade, há momentos em que me vejo, como disse, e outros em que não. Por vezes só vejo o espaço, e o espaço do gato e do rato, não necessariamente o meu. Por outro lado, tive de rever tudo isto antes de ser posto em DVD, e como não filmava todas as noites , tinha-me esquecido de a câmara move-se um bocadinho por hora, independentemente de alguma acção. Passando o dia trabalhar no estúdio, sem perceber mudava as coisas de lugar. As zonas que filmava ficavam tendencialmente mais vazias. Achei isso interessante, não me apercebi que estava a fazê-lo e por isso fui ao site Santa Fe e vi o Filme de Ed Ruscha ,“Miracleâ€. Passado numa garagem, com o evoluir da sua precisão o espaço vai ficando cada vez mais vazio com o passar do tempo, fez-me ver que inconscientemente eu fiz o mesmo.

MA: Como não vi o fim estou curioso em saber como é que acaba a sua peça?

BN: Basicamente começa como acaba, com o título e os créditos, sem crescendo, sem desvanecimento, apenas acaba, como um longo espaço de tempo no estúdio.


Tradução: Patrícia Craveiro Lopes