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MIGUEL SOARESVídeos e Animações 3D 1999-2005CULTURGEST Edifício Sede da Caixa Geral de Depósitos, Rua Arco do Cego 1000-300 Lisboa 18 OUT - 04 JAN 2009 “Vídeos e Animações 3D” é o título da nova exposição individual de Miguel Soares (Braga, 1970), mas também a primeira exposição alargada que uma instituição nacional dedica ao seu trabalho. Sob a curadoria de Miguel Wandschneider, a Culturgest apresenta até 4 de Janeiro uma selecção de oito obras do artista, correspondente ao período 1999-2005, e que incluí dois vídeos e seis animações 3D. Atento aos efeitos sociais de um mundo que se globaliza vertiginosamente, bem como às alterações profundas que se fazem sentir no campo tecnológico e da informação com a introdução do digital, Miguel Soares procurou, desde os seus primeiros trabalhos, reactivar uma perspectiva crítica que respondesse à nova configuração do poder global e às suas tentativas de regular a vida quotidiana. E, se durante a década de 1990, a sua produção ficou marcada pelo uso da fotografia, escultura e instalação, foi na transição para o novo século, que o artista abriu o seu trabalho às possibilidades dos novos media, nomeadamente o vídeo e o computador que, para além de expandirem certas operações introduzidas pelos media analógicos, como o copiar-colar, o adicionar ou o multiplicar de signos, potenciam diferentes modos de percepção humana. Ora é em torno desta segunda fase do trabalho de Miguel Soares, que a referida exposição se organiza incidindo principalmente nas animações 3D, que, aliás, correspondem à singularidade máxima da sua obra. No entanto, dois vídeos antecipam as animações, “Untitled (Two)” (1999) e “Expecting to Fly” (1999-2001). Ambos registam situações insólitas ocorridas durante a madrugada e, enquanto um diz respeito a um acidente de automóvel chamando a atenção dos transeuntes e de um senhor que fazia jogging, o outro reporta uma discussão entre pessoas seguida de agressões. A música que o artista lhes junta vai produzindo outras narrativas dentro daquelas a que visualmente assistimos. No entanto, e apesar destas irrupções indexativas do real ganharem vários sentidos com a banda sonora, parecem apenas resultar num contraponto formal, já que não se articulam com as animações digitais, trazendo outro discurso. Dois corredores dão, entretanto, continuidade à exposição, sendo que no primeiro encontramos os trabalhos “Y2K” (1999), “GT” (2001) e “Time Zones” (2003), e no segundo “Place in Time” (2005), “Archinbunk3r Associates” (2000) e “SpaceJunk beta 1.0” (2001). Nesta sequência não cronológica de narrativas ficcionais é então possível identificar um percurso que parte de trabalhos onde a alusão a referências históricas ou culturais é mais recorrente, para chegar a animações onde convergem utopias e hipotéticos futuros de um mundo dominado pela técnica ou a entrar numa fase pós-apocalíptica. Para desenvolver as animações 3D, que aqui se encontram exemplarmente instaladas em salas individuais, o artista recorreu a computadores pessoais, convertendo softwares informáticos de construção de paisagens e de animação de figuras, em ferramentas de trabalho. Neste sentido, estamos perante um processo de produção de imagens que resulta de um sistema relacional numérico combinatório, mas por oposição, e cujo sentido se constitui numa infinita cadeia entre signos. Mas de que modo Miguel Soares, ao usar o digital e uma linguagem de entretenimento ligada ao jogos de computador, consegue gerar diferença sem reiterar os modelos que as formas de poder atribuem a estes media? Esta parece-me ser a reflexão mais interessante que habita algumas das suas animações e que esta exposição igualmente procura levantar, conduzindo-nos a situações completamente inesperadas e que interrompem o decurso temporal de causa-efeito daquelas. Tal é o caso de “Time Zones” que, ao construir uma extraordinária e complexa narrativa visual para “Escape from Noise”, uma música dos Negativland, cruza diferentes problemáticas como a transformação da comunicação em espectáculo, o uso dos computadores como meio de vigilância e controlo político ou o conflito da guerra fria, num ambiente de talk-show televisivo, onde a estabilidade do directo é perturbada pelo ruído de um telefonema do ouvinte-participante. “Place in Time” é outro dos trabalhos que importa a este propósito referir. Trata-se da história de um vale que narra 24 épocas distintas (desde os primórdios da vida no planeta à transformação da paisagem em cubos) organizadas em três longas sequências de imagens, perfazendo um total de 11’30’’ de duração, numa estrutura que se aproxima da linguagem cinematográfica. Contudo, a linearidade temporal é aqui posta em causa, dado que assistimos a uma crescente sobreposição de tempos que retornam e se adensam, à medida que uma barata vai reaparecendo e resistindo a todas as ameaças, sejam elas bélicas ou ambientais, de forma espectral. O insecto ocupa então nesta animação o lugar do outro, do ser-qualquer que, ao escapar continuamente dos diferentes processos de totalização do mundo, vai inscrevendo uma subjectividade. Mas se nestes casos, a convergência de uma multiplicidade de signos visuais e sonoros devolvem a estas ficções animadas um sentido crítico, o mesmo parece não acontecer com “Archinbunk3r Associates”, que se perde apenas numa apresentação de projectos de tecnologia avançada, sem que a música de Sack & Blumm, apesar de conferir uma certa melancolia ao trabalho, consiga inverter a fetichização da técnica que aquele portfolio parece apenas promover. À saída da exposição é possível ainda assistirmos à projecção de um excerto de “Your Mission is a Failure” (1996), o primeiro trabalho de Miguel Soares baseado em jogos de computador. O vídeo consiste numa compilação de diferentes performances de jogos de guerra gravadas em tempo real, mas que desencadeiam uma série de acções estranhas à lógica desses mesmos jogos, desafiando continuamente os limites dos seus objectivos, à medida que trazem novas possibilidades e realidades à experiência. “Vídeos e Animações 3D” devolve-nos assim um olhar atento sobre a obra de Miguel Soares, a qual se inscreve num domínio ainda pouco explorado pela produção artística nacional, o da cultura tecnológica, mas que o artista tem sabido desenvolver de forma continuada e crítica.
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