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JORGE MOLDERPinocchio![]() FIDELIDADE ARTE Largo do Chiado, 8 1249-125 Lisboa 22 MAI - 10 JUL 2009 ![]() ![]() O universo literário de Jorge Molder (Lisboa, 1947) é, desde há muito, intensamente povoado por agentes “peritos no conhecimento profundo das aparências†(J.M. em “Uma conversa entre Jorge Molder e John Coplansâ€, Luxury Bound, AssÃrio & Alvim, 1999, p.188), como sejam o jogador ou o mágico. A aparência e a superfÃcie ou a ilusão e o trompe l´oeil são alguns dos conceitos e mecanismos operativos importados, da literatura ou da filosofia, para a generalidade da obra de Jorge Molder, e que ganham especial relevância na apresentação expositiva da série “Pinocchio†agora proposta para o espaço Chiado 8 sob a curadoria de Bruno Marchand. “Pinocchio†apresenta, ao nÃvel da sua materialização fotográfica, um branco luminoso que se distingue inequivocamente do cinzento suave dos primeiros anos de produção e dos negros violentos das grandes séries temáticas que consagraram a obra de Jorge Molder. A anterior abstracção do plano de fundo, sequência depuradora de um longo perÃodo com evidentes preocupações no detalhe cenográfico, é agora aprofundada em crua ausência de cenário, deliberadamente acentuada através do recorte técnico do motivo rejeitando, por essa via, a possibilidade da sua interferência na leitura clara e unÃvoca do objecto. Mãos e cabeças mutiladas alinham-se em jeito de catálogo de uma exposição arqueológica de escultura clássica, reificando (e aqui reside a fundamental dissidência com relação a obras anteriores) a fotografia como suporte documental e confundindo-lhe, por conseguinte, a sua natureza narrativa habitual. Para além desta sequência de elementos corpóreos fragmentados em elementos genéricos, que não informam sobre uma identidade particular, a série comporta também auto-retratos, género histórico no percurso de Molder, cujo surgimento data de 1981 em torno da série “Autoportraits†(1981-1986) e se intui nas séries “Zerlina – uma narrativa†(1988) e “Cabinet d´amateur†(1988). O auto-retrato evolui posteriormente, na sua obra, para a auto-representação, como pretexto ficcional em que o seu corpo performa uma persona, e assume uma centralidade fundamental em séries como “TV†(1995-1996), “Anatomia e Boxe†(1996-1997), “CD†(1998), “Corredor†(1998) e “Insomnia†(1992) ou em outras como “The Portuguese Dutschman†(1990) cujas ampliações introduzem a mudança de formato e de escala, para um metro quadrado, que “Pinocchio†perpetua. A duplicidade é o sentido mais evidente deste jogo, já patente em séries anteriores como “Waiters†(1986), homens cuja identidade se dissipa na confluência da indumentária, e “Esgrimistas†(1986), em que dois praticantes surgem indistintos sob as suas máscaras negras e fatos brancos. Em ambas as séries, cada personagem duplica a presença inverosÃmil do outro, repete-a e confirma-a como se de um espelho de si se tratasse. Os “replicantes†protagonistas de “Pinocchioâ€, duplos de feições mais ou menos idênticas à s do autor, testemunham a revelação final desta experiência de observação sistemática de si. O registo documental de moldes do seu corpo, iniciado em 2005 e agora autonomizado, induz o autor a uma autoscopia involuntária. Encontra-se consigo, pela primeira vez, extra-corporeamente, reduzido ao seu invólucro vazado. Desencorporadas, estas “máscaras mortuárias†remetem para a mitologia e o teatro gregos e para a iconografia imperial romana. Encerram também um misticismo religioso que a brancura do registo acentua, e ao qual não são alheias as representações de si como Papa, em continuidade com as séries “The Sense of the Sleight-of-hand man†(1993-1994) e “INOX†(1995), cujo tÃtulo é a abreviatura do nome do papa Inocêncio X, a que superintendem Bacon e Velásquez. Da mesma forma, a série “TV†(1995-1996) designa a contracção de troppo vero, expressão enunciada pelo Papa aquando do reconhecimento da sua figura no retrato de Velásquez. Aristóteles conta a história de um viajante que ao cavalgar através de uma neblina muito espessa, numa das suas muitas noites sem dormir, viu também cavalgar, a seu lado, a sua própria imagem. Mimava-lhe todos os movimentos e quando o viajante atravessou o rio, a imagem fez o mesmo. Assim que a neblina se dissipou, o fantasma desapareceu também. É o mesmo problema de reconhecimento identitário, colocado em derradeiro confronto, que encontramos estampado, em déjà vu, no rosto aristotélico do Pinocchio de Jorge Molder. ![]()
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