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JOÃO MARIA GUSMÃO + PEDRO PAIVAExperiments and Observations on Different Kinds of AirPAVILHÃO PORTUGUÊS Fondaco dell’Arte - Calle del Traghetto o Ca’ Garzoni San Marco - 3415 Venezia 07 JUN - 22 NOV 2009 “Cada um de nós deve ter uma metafísica própria” (1)Se o trabalho de laboratório pareceu sedutor a Joseph Priestley (2) que dele se serviu na tarefa de isolar ares diversos, dos ácidos aos alcalinos, dotando de materialidade substâncias invisíveis e indiscerníveis, o mesmo fascínio por aquilo que não se vê (mas apenas se induz e depreende) parece continuar a mover a dupla de artistas João Maria Gusmão (n. 1979) e Pedro Paiva (n. 1977). Aqui a ideia de laboratório é alargada a vários espaços e localizações, dessacralizada e posta ao serviço da criação de transcendências, simulacros, ficções, metafísicas e outras poéticas de uma quase ciência que explora os seus próprios limites e fronteiras. Através de uma metodologia de trabalho aparentemente para-científica, JMG e PP desafiam postulados científicos fazendo do cepticismo romântico o seu principal aliado. Nesse sentido, pode-se estabelecer um paralelo entre os trabalhos de João Maria Gusmão e Pedro Paiva e o estudo do “éter”, a substância hipotética que até ao início do século XX explicava a inexistência do vácuo na natureza e que permitia conceber, em certa medida, os meios de transmissão pelo ar. A “matéria” de que é constituída essa “substância” condutora de movimento, luz ou som, pode ser um tipo de ar: etéreo e invisível e, contudo, por vezes inteligível e explicável (Fresnel, 1788-1827; Cauchy, 1789-1857) ou apenas rotundamente ignorado (como por Maxwell, 1831-1879 e a Eureka! de Newton, 1643-1727). Mais recentemente, a sua existência voltou a ser posta em causa por Einstein com o seu conceito de deformação do espaço-tempo. Ainda assim as “substâncias etéreas” continuam a gerar fascínio e a magnetizar proficuamente o trabalho de João Maria Gusmão e Pedro Paiva. É assim em “Experiments and Observations on Different Kinds of Air”, exposição com a curadoria de Natxo Checa, que representa Portugal na 53ª edição da Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia, que transmutou quase irreconhecivelmente o Fondaco dell’Arte para a acolher com a criação de seis zonas de projecção onde os dezasseis filmes presentes se vão secundando. Esta reformulação do espaço potencia a leitura do trabalho de JMG e PP criando, dentro de si própria, um núcleo central que funciona também como ponto aglutinador, e que contribui espacialmente para a reificação da ideia de vortex. “Experiments and Observations on Different Kinds of Air” junta trabalhos anteriores da dupla de artistas como “Pedras Rolantes” (2007) ou “Acerca do Espírito da Gravidade” (2007), ambos presentes em “Para uma Ciência Transitória do Indiscernível: a Abissologia” (Cordoaria Nacional, 2008), mas apresenta também um novo conjunto de obras com suporte fílmico que contribuem para “tornar visível o sujeito aparentemente obscuro, desvendar “a coisa”, identificar a sombra, mostrar a proposição positiva pela sua inversão negativa, desmaterializar o espaço, dobrar o tempo (…)” (3). Vemos em “Experiência Efluviana” (2009) o efeito causado por uma pedra quando entra em contacto com a água, a desaceleração do movimento que parece perpetuar eternamente o impacto do corpo sólido sobre o corpo líquido, o resultado microscópico e físico de uma colisão anunciada. Já em “Descascando a Batata” (2009) voltamos ao terreno da ilusão, desta feita não como simulacro, mas como mecanismo exploratório da ambiguidade das sombras, das formas e das superfícies, onde a casca de uma batata pode bem ser a cobra de “Acerca do Espírito da Gravidade” (2007) ou de “Oroboro” (2007). Contudo, a ideia de uma metafísica própria de cada indivíduo, tal como é formulada por Álvaro de Campos no título deste texto, parece-nos trespassar toda a exposição. Aqui, a metafísica não seria domínio exclusivo dos indivíduos mas sim de todas as coisas do universo como se pode entrever em “Ventriloquismo” (2009), “Ovo Estrelado” (2008), “3 Sóis” (2009) ou “Acerca da Gravidade” (2009), onde nos detemos nas particularidades que dizem respeito à enteléquia de cada um dos objectos, seres e entidades filmados que estão em contínuo processo de transição, de movimento e na iminência de se tornarem outros. Entre os dezasseis trabalhos presentes só “A Sopa” (2009) nos parece destoar do enunciado teórico de Gusmão e Paiva, onde a colagem a uma etologia aparentemente ingénua se poderá aproximar a um registo “national geographic” na observação passiva do comportamento animal. Paralelamente, “Experiments and Observations on Different Kinds of Air” é uma exposição que tenta romper com o ritmo alucinante de uma Bienal como a de Veneza, onde a oferta é vertiginosa e a velocidade se alia à voracidade no “consumo de arte”. O trabalho apresentado por Gusmão e Paiva em Veneza exige um tempo próprio, aquele que é determinado não só pela duração dos seus filmes mas também pela sua cadência sequencial, onde o suporte analógico marca também ele uma posição face aos mecanismos expositivos neste tipo de eventos. NOTAS (1) Álvaro de Campos citado em “O que é uma Coisa (ou o que é uma pedra)?” de João Maria Gusmão e Pedro Paiva, 2007. (2) Teólogo, Filósofo e Cientista britânico que publicou a obra Experiments and Observations on Different Kinds of Air (1774-86) que dá o nome a esta exposição de João Maria Gusmão e Pedro Paiva. (3) Natxo Checa (2009) “Do Flogístico como Enteléquia à presença do Transitório para uma Teoria das Excepções” in Experiments and Observations on Different Kinds of Air, Catálogo para a 53ª Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia, p. xiii.
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