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ÂNGELA FERREIRAMaison TropicalePAVILHÃO DE PORTUGAL | BIENAL DE VENEZA 10 JUN - 21 NOV 2007 Portugal em Veneza e a Maison Tropicale em trânsitoPude ver, no final de Maio, uma das três casas de Jean Prouvé em Nova Iorque, montada debaixo da ponte de Queensborough, sobre o Hudson, com vista para o skyline de mid-Manhattan, no momento em que era leiloada pela Christie’s, e apercebi-me da condição itinerante deste protótipo. A casa foi vendida por cinco milhões de dólares. O projecto modernista de casas pré-fabricadas, para um clima tropical, tinha como objectivo a melhoria da qualidade de vida a uma escala utópica de repetição industrial, nas colónias francesas africanas. Porém, só foram fabricadas três e instaladas duas em Brazzaville, e uma em Niamey, no Níger – vi uma das casas, perfeitamente recuperada, em Nova Iorque. As casas foram retiradas de África em 2001, por um francês que as comprou e enviou para a Europa. Se ouvimos que a casa é um hino ao colonialismo, também sentimos o prazer do local, da circulação interior e exterior, e podemos desfrutar o design inteligente num dia de sol nova-iorquino, com calor abafado… Ângela Ferreira apaixonou-se, segundo me disse na inauguração, em Veneza, pela casa que viu em Paris um ano antes, e daí desenvolveu o projecto para o Pavilhão de Portugal, nesta edição da Bienal onde é a única representante portuguesa (as outras duas participações estão em exposições paralelas à Bienal, como é o caso de Jorge Molder e Joana Vasconcelos). A exposição é comissariada por Jürgen Bock. Ângela Ferreira nasceu em Maputo, vive em Portugal e na África do Sul, e o seu trabalho inspira-se no contexto político pós-colonial e pós-moderno e na reinterpretação de factos históricos. O que é ser pós ou neo-colonial, na pós-modernidade africana? A casa deixou um vazio nos locais onde foi instalada pela primeira vez, o que indica o seu carácter original e funcional, por oposição a uma espécie de fetichismo ocidental na visão do mundo colonial. A casa está em perpétua viagem, sem adequação possível, como resíduo histórico de um outro contexto. Os locais originais são documentados por Ângela Ferreira e apresentados em impressões fotográficas de grande formato. A casa em permanente viagem, desmontada e em contentores, é aquilo que podemos considerar a realidade actual da casa e o que suscita inquietação. A peça escultórica de Ângela Ferreira é um túnel ou passagem – uma estrutura de alumínio – onde se suspendem alguns dos módulos mais importantes da casa, reproduzidos em madeira. Passa-se pela peça, pelo túnel e por entre os módulos e talvez se tenha a mesma revelação que eu tive na casa de Queens, a de que ela está ali, mas viaja ou flutua. Entre colonizadores e colonizados, coleccionadores de design e possíveis habitantes. A artista, no espaço da exposição, nunca mostra a casa, mas apenas a sua ausência: lugares vazios e a abstracção de um contentor. A própria artista transita entre culturas e articula numa instalação silenciosa, minimal e de referência modernista uma visão ambígua, e deixa ao público a responsabilidade da divagação. É esse o ponto de empatia, ou não, com o seu trabalho. Enquanto intelectualmente as referências e relações políticas são estimulantes, no momento da experiência da obra há uma questão que é estilística – no ponto de contacto do formal há uma quebra, criada pela própria expectativa conceptual. Essa quebra provoca um desconforto que, apesar de intencional, é o resultado da segurança investida na beleza austera da peça e no fascínio das relações abstractas pré-definidas: a artista pretende que a sua instalação seja um interface para uma análise do mundo colonial, pós e neo-colonial. A peça escultórica é sem dúvida eficaz na sensação espacial que provoca e sobretudo na sua relação com as fotografias da realidade africana, onde a casa modernista não parece indispensável e que, face ao vazio formalista da escultura, constituem a riqueza da exposição. A instalação é particularmente interessante no panorama português onde, estranhamente, o passado colonial e o pós-colonialismo nunca foram socialmente analisados e confrontados – no país do último grande império colonial europeu. Mas levanta-se a questão do seu sentido enquanto proposição politicamente correcta.
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