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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Fotografia de Mendoza, Lisboa, 1950. Colecção Museu Nacional do Teatro


Paris, 1954. Colecção Museu Nacional do Teatro


O Século Ilustrado, nº 1209, 04 de Março de 1961. Colecção Museu Nacional do Teatro


Maluda, “Amália Rodrigues”, 1964. Óleo sobre tela, 94 x 67 cm. Colecção Fundação Amália Rodrigues, Lisboa


Leonel Moura, “Sem título” (série de 3 fotografias), 1987. Fotografia, acrílico e ferro, 198 x 126 x 5 cm. Colecções particulares


Joana Vasconcelos, “Coração independente dourado”, 2004. Talheres de plástico amarelo translúcido, ferro pintado, corrente metálica, motor, sistema de som e CD; 385 x 225 x 50 cm. Colecção particular


Ana Rito, “Encore”, 2009. HD Video – cor, 4:3, silêncio – hard-drive, 3 vídeo-projectores, 2 ecrãs em MDF de 400 x 300 cm, 1 ecrã em MDF de 400 x 640 cm; duração: 10’15’’ cada vídeo [loop]; edição: 3

Outras exposições actuais:

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A AUDIÇÃO VIBRATÓRIA


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OLGA DE AMARAL


Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris
CLÁUDIA HANDEM

ARQUIVO:


COLECTIVA

Amália, Coração Independente




MUSEU COLEÇÃO BERARDO
Praça do Império
1499-003 Lisboa

05 OUT - 31 JAN 2010

Em volta de “Amália, Coração Independente”: alguns passos

E fiz, do teu perfil, as formas de arte.

António Variações, Todos temos Amália na voz



O mito é uma fala. (…) É um sistema de comunicação, uma mensagem. (…) É um modo de significação, uma forma. (…) É porque todos os materiais do mito, quer sejam representativos ou gráficos, pressupõem uma consciência significante, que se pode raciocinar sobre eles independentemente da sua matéria.

Roland Barthes, Mitologias(1)



Amália Rodrigues morreu há dez anos, pretexto que leva agora o Museu Colecção Berardo (em parceria com o Museu da Electricidade, o outro núcleo da exposição) a revisitar essa metonímica figura que, segundo João Lisboa, é indispensável para se atingir uma completa noção do que foi o espírito da música e do século e sem a qual qualquer balanço ficará irremediavelmente amputado (2). Na realidade, qualquer coisa a mais emana tanto da voz como da imagem de Amália, ambas investidas de um uso social que ainda hoje lhes acrescenta força mítica. Discutir a relação que dentro do espaço expositivo tal narrativa mantém com o seu modo de apresentação visual parece-me desde já um ponto de análise importante.


A cargo de Alexandre Perigot, a cenografia e design de “Amália, Coração Independente”, teatral e afectivamente orientada (teria pois de falar das cores, da omnipresença de frases e imagens, da carga, porventura até excessiva, do ambiente sonoro), acaba propondo particulares situações de encontro entre os visitantes e o vasto material exposto, encenado de maneiras distintas, ao longo de serpentinos percursos. Intercalando numa primeira secção fotografias, vestidos da fadista, cartazes promocionais e capas de discos, trechos de espectáculos e filmes que protagonizou, o famoso busto da autoria de Joaquim Valente (1954) ou os retratos pintados por Eduardo Malta (1949) e Maluda (1964) deixa-se o espectador frente a um modelo de instalação desses mesmos objectos e obras apto a traduzir em termos perceptivos, pelas múltiplas coisas associáveis a que conduz o dinamismo desta parte da accrochage, uma visão contextualizadora, fortemente documental, mas também mitificante, expressiva da seguinte premissa de Roland Barthes – as matérias da fala mítica (língua propriamente dita, fotografia, pintura, cartaz, rito, objecto, etc.), por diferentes que sejam como ponto de partida, desde que sejam apreendidas pelo mito reduzem-se a uma pura função significante: o mito vê nelas apenas uma mesma matéria-prima; a sua unidade reside em que são todas reduzidas ao simples estatuto de linguagem (3).


No fim do corredor inicial, a warholiana Amália de Leonel Moura (1987) vai entretanto prenunciar a possibilidade de uma leitura menos apoiada do ícone, passando inclusive a exigir do público uma postura não tão passiva e directa quanto contemplativa, isto apesar de a extraordinária sala que Emília Tavares concebeu, muito à volta da (des)construção semiótica, sociológica da imagem da voz, analítica e profusamente documentada, e sob uma quase neutra atmosfera cenográfica, aparecer logo depois. Todavia, além dos aspectos relacionados com a própria configuração do design expositivo (interessará lembrar a feliz ideia de Perigot e Jean-François Chougnet em desenhar uma intimista sala de escuta para os fados da diva, pese embora a proximidade à peça encomendada a Ana Rito (4) no âmbito da exposição interfira nalguns dos seus propósitos), há naturalmente que falar das obras que procuram estabelecer uma deslocação material e semântica sobre imagens ou sons “originais” da cantora (5), integração aliás assumida enquanto mais-valia de “Amália, Coração Independente”. Mal resolvida no plano da montagem, a zona dedicada aos trabalhos de artistas como Gabriel Abrantes, Adriana Molder, Bruno Pacheco ou João Onofre, destinados a ser capa de futuros vinis da fadista, sai a perder em matéria de fruição plena das peças que, debaixo de uma certa obscuridade temática, nem sempre conseguem abrir para o exterior apropriações conceptualmente eficazes do universo de Amália. Em contrapartida, são por exemplo merecedoras de especial destaque a beleza poética dos três corações (vermelho, dourado e preto) de Joana Vasconcelos e o cinemático altar que compõe “Encore”, de Ana Rito. Se a voz de Amália literalmente nos chama para aqueles, é pela sua ausência que o tríptico de Ana Rito fascina.


No caso dos primeiros, feitos de talheres de plástico, girando, toca-nos sobretudo a rápida conotação sentimental, popular, agregadora de uma infinidade de sentidos. A fechar a exposição, “Encore” também carrega a activação deambulatória do público, só que extravasa a dimensão do símbolo. Ouvido no velório de Amália, escrito por ela, o fado Grito começa assim: silêncio/do silêncio faço um grito. Projectados nas paredes laterais, os gestos de duas bailarinas profissionais (Rita Lucas Coelho e Sophie Leso) provêm daí, de uma voz interior, sentida, que abre, que dói. Ao centro, dezassete bocas sobrepõem-se num efeito hipnótico, orgânico, sexual, e pedem Amália no palco. Os nossos olhos, de espectadores, percorrem cativados tudo isso, a evocação, a procura da pose, a mão na cintura, o domínio dos corpos ora inteiros ora fragmentados, o canto simulado, a experiência mais sensitiva ou metódica de quem, performativamente, corporiza o que ouve. É preciso encher o audível de emoção, ir às vísceras. De outra forma o disse Amália, o fado não se canta, acontece.



NOTAS

(1) Roland Barthes, “O MITO, HOJE”, in Mitologias, Lisboa, Círculo de Leitores, 1987, pp. 209-210.
(2) João Lisboa, “Música Popular/Pop Rock”, in Pernes, Fernando (coord.), Panorama da Cultura Portuguesa no século XX (2 – Arte(s) e Letras I) , Porto, Edições Afrontamento / Fundação de Serralves, 2002, p. 99.
(3) Roland Barthes, op. cit. , pp. 214-215.
(4) A outra obra de arte contemporânea encomendada pelo Museu Colecção Berardo tem a autoria do cineasta Bruno de Almeida.
(5) João Pinharanda, “À procura de um rosto”, in catálogo da exposição, p. 307.




Emanuel Cameira