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COLECTIVAHYBRIDIZE OR DISAPPEAR![]() MNAC - MUSEU DO CHIADO Rua Serpa Pinto, 4 1200-444 Lisboa 09 ABR - 24 MAI 2015 ![]() ![]() Uma filmagem em alta definição e slow motion mostra-nos um corpo de homem debaixo de uma corrente de água de fonte desconhecida. Os planos muito aproximados dão-nos a ver as gotas redondas definidas, as escorrências que criam nervuras na pele, os movimentos ocasionais arrastados. Nunca conseguimos ter uma percepção do corpo na sua totalidade nem das características fisionómicas do homem. É um corpo e é a água. Água e pele, líquido e sólido, numa tensão superficial, nesse espaço de fronteira. Há uma referência directa à ideia de escultura, de estátua na sua imobilidade material. Os planos fílmicos fragmentados tornam a matéria corpo ainda mais matéria, mais pesada, densa, opaca. O corpo está nu, mas não há qualquer conexão erótica, é um voyerismo planeado e montado em loop. “Highly Liquid” (2013), da artista holandesa Magali Reus, é o vídeo que ocupa a totalidade da parede de projecção da Sala Sonae do Museu do Chiado. É talvez a última peça da exposição “Hybridize or Disappear”, se estabelecêssemos um percurso do hall do museu até à sala interior. A exposição, com curadoria de João Laia, pretende analisar a forma como a cultura visual contemporânea se tem transformado de modo a conciliar dimensões aparentemente opostas. Neste caso, escultura e imagem digital emergem e ligam o vídeo de Magali Reus às obras de Diogo Evalgelista, também presentes na mesma sala. “Sem título (Lua Cheia)” (2015), “Sem título (Hand #1)” (2015) e “Sem título (Hand #2)” convocam essa sobreposição de artificial e orgânico, digital e material. Luvas moldadas numa resina dão um foco de luz na penumbra do espaço, em cima de um suporte metálico ou no chão, segurando um pássaro negro, numa encenação de imobilidade artificial do referente natural. Assim como a imagem da lua, no seu detalhe ampliado, é já também uma imagem em segunda mão. Na mesma sala encontramos ainda as obras de Neil Beloufa, Laure Prouvost e Shana Moulton. A colagem de Shana Moulton e a instalação de Neil Beloufa ligam-se directamente aos seus vídeos que estão no hall de entrada do museu. Neil Beloufa investiga as questões das causas e dos efeitos dos acontecimentos e como estes são por vezes um imbricado difícil de discernir a partir da informação disponível. No vídeo de Beloufa “Data for Desire” (2015), um grupo de jovens franceses analisa matematicamente, através do tratamento de vários dados (pouco “contabilizáveis”, como compatibilidade de interesses, rivalidades, quantidade de álcool, níveis de testosterona, etc.) a probabilidade de se formarem casais numa típica festa doméstica de jovens americanos, que eles observam em vídeo. Um mundo “real” bate-se aqui com um mundo predito. O vídeo finaliza com uma espécie de comemoração do “grupo de investigadores” que se assemelha muito à festa dos jovens, “grupo de observados”. O vídeo assenta sobre perspectivas e duma terceira perspectiva, a que enquadra o ecrã onde vemos o vídeo num cenário de linhas metálicas que reproduz um espaço doméstico, estas duas situações ganham outra dimensão ainda. Já o vídeo da francesa Laure Prouvost, que merecia um espaço próprio de apresentação para potenciar o efeito de interacção directa e quase abusiva com o espectador, é uma montagem frenética de imagens díspares mas que milimetricamente se ajustam ao conteúdo textual e auditivo que percorre os 6 minutos de vídeo. Este começa com uma advertência ao espectador, estabelecendo as condições de visionamento: “This 6 minute film requires all your attention, each detail of Part 1 will be essential to Part 2. / The characters in the film are glad you are here to join them, they would do anything to get your attention. They are desperate for you to engage: they need you to exist. / If you do not collaborate they will ask you to leave the room on the 6th minute”. As personagens fílmicas são in-visíveis, texto e voz off tentam engajar-se de facto com o espectador e qualquer que seja a reacção deste, as imagens irão expulsá-lo inevitavelmente no final do vídeo e o negro surge. Mas como o espectador, como bom espectador passivo, não se vai embora, a voz regressa para um último aviso. O vídeo “Versions”, de Olivier Laric, também fala directamente ao espectador, mas agora de um ponto de vista mais investigativo, tentando comprovar através de uma montagem paralela de imagens que “há mais interpretações sobre interpretações do que coisas, há mais livros sobre livros do que livros sobre outras coisas” e que “ a reprodução de um ícone não diminui o seu poder, multiplica-o”. “Versions” reflecte sobre a capacidade humana de se apropriar, de reunir e reorganizar materiais, questionando assim a ideia de originalidade, ou mais especificamente a possibilidade de uma imagem original, facto evidenciado ainda mais com o surgimento dos meios de produção digitais. Ao lado de Olivier Laric, e fazendo uso de várias técnicas de edição digital, encontra-se o vídeo de Shana Moulton, “Swisspering” (2013), onde num mundo cromaticamente irreal uma mulher se maquilha, passeia numa loja de cerâmicas para hobbies, pintando um vaso/jarra, e se desmaquilha, apagando com isso a cara e revelando o barro que está por baixo, digamos assim, transformando-se ela própria num objecto tipo vaso/jarra. O aspecto artificial, a decoração esotérica do cenário, um certo simbolismo kitsch, a conjugação entre o superficial (a maquilhagem, as cores, a pele) e o interior (o barro, a pedra, a forma primitiva), mostram como através do digital se podem efectivamente materializar ideias de espiritualidade e debater conceitos primordiais como “matéria”, “forma” ou “conteúdo”. Em “Empathic Paul”, de Antoine Catala, são as emoções a matéria de trabalho do autor. Um jovem rapaz expressa estados de espírito de uma maneira completamente distanciada, sem emoção associada, enquanto no ecrã rodopia um monograma com dois “E” (um logo criado pelo artista para traduzir a ideia de “distant feel” – o sentimento de empatia que temos pelos outros), mudando ritmicamente de formato de letra e de tipo de movimento. É quase uma crítica à forma como actualmente delegamos na tecnologia a expressão das nossas emoções, mais do que a nossa pessoa física. “Hybridize or Disappear” propõe então um repensar de vários conceitos que emergem da aparição do digital, dos seus novos meios de produção, das suas potencialidades. O fluxo ininterrupto de informação gerada actualmente chega-nos em vários suportes, em novos “corpos” e novos materiais – novas materialidades e novas performatividades. Nestes trabalhos aqui apresentados, os novos termos arrastam consigo outros conceitos anteriores e que só agora, com o surgimento dos seus opostos, se começaram verdadeiramente a investigar: material e virtual, digital e analógico, texto e objecto, imagem e corpo.
Hybridize or Disappear
Esta exposição segue para o Porto, onde estará patente de 9 de Julho a 18 de Setembro no edifício dos Paços do Concelho da Câmara Municipal do Porto. No dia 11 de Julho, será lançada uma publicação associada à exposição e os artistas Diogo Evangelista e Cécile B Evans conversarão com o público, que terá a oportunidade também de ver a projecção de outros vídeos dos artistas que integram a exposição.
[a autora escreve de acordo com a antiga ortografia] ![]()
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