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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Mesa-Paisagem (1973), de Ana Vieira. Fotografia: Ctrl+N


Da Série Do Provisório ao Permanente (2015), de André Alves. Fotografia: Ctrl+N


Da Série Do Provisório ao Permanente (2015), de André Alves. Fotografia: Ctrl+N


Da Série Do Provisório ao Permanente (2015), de André Alves. Fotografia: Ctrl+N


No Caminho da Arte Preconceitual #2, de Isaque Pinheiro. Fotografia: Ctrl+N


Economia (Pequeno Diário) (2015), de Miguel Leal. Fotografia: Ctrl+N


JLELN-27 (2014), de Raquel Melgue. Fotografia: Ctrl+N


Square (Tangram) (2015), de Rodrigo Oliveira. Fotografia: Ctrl+N


Intervenção Deslocada (Varanda) (2015), de Rodrigo Oliveira. Fotografia: Ctrl+N


Seis Pinturas para a capela da Casa-Museu Abel Salazar (2015), de Victor Israel. Fotografia: Ctrl+N

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IDENTIDADES – VARIÁVEIS CONVERGENTES




CASA MUSEU ABEL SALAZAR
Rua Dr. Abel Salazar, s/n 4465-012 S. Mamede de Infesta


07 NOV - 04 MAR 2016


Realizado no âmbito de um doutoramento pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Conceito Itinerante, projecto de Marzia Bruno, pretende a organização e produção de exposições de arte contemporânea em espaços onde a sua presença não está habitualmente prevista. Identidades – Variáveis Convergentes é o título da terceira exposição organizada pela curadora Italiana, agora residente em Portugal. Se a matriz do projecto parece integrar uma tendência que evita os circuitos institucionais contemporâneos - colonizando espaços alternativos - ela produz o efeito contrário. Promove desta forma uma aproximação das instituições e dos meios de produção artística actuais, alargando esta relação a espaços que não estão contemplados na rede habitual. A exposição ocupa a Casa-Museu Abel Salazar, em São Mamede de Infesta, um museu pertencente à Universidade do Porto, que se debate como tantos outros em torno de soluções para a rentabilidade do espaço.

O projecto apresenta assim também uma inteligente estratégia para a promoção e captação de interesse, dilatando o conteúdo que se oferece, sem risco de minorar a sua qualidade. A própria aproximação à Universidade e a possibilidade de transformação deste espaço museológico num laboratório para os seus estudantes representa uma mais valia na oferta da Casa-Museu.

As obras de André Alves, Rodrigo Oliveira, Vítor Israel, Miguel Leal, Ana Vieira, Raquel Melgue e Isaque Pinheiro dialogam com o espólio de Abel Salazar – também ele sujeito às opções dos artistas e da curadora, procurando funcionar como uma peça global.

Estão previstas alterações regulares, em intervalos de tempo indeterminados, tanto nas peças dos artistas, como no material do espólio. A ideia é a de um museu em permanente transformação, contrário à rotina bafienta e ao pó que muitas vezes se instala também nos agentes responsáveis pela gestão dos espaços. A capacidade de aceitação e resposta deste museu deve assim ser assinalada como factor positivo e determinante para a realização do projecto.

André Alves foi o primeiro artista a montar a sua obra, sendo esta também a primeira intervenção visível, ocupando os guarda-corpos das janelas do edifício. A fita reflectora ficará para nós, nos bastidores, como prenúncio para todo o processo que se seguiu. Primeiro sinal de uma transmutação violenta de um espaço, de uma Casa, de um museu. Espaço aqui, não apenas enquanto intervalo circunscrito por um obstáculo físico, mas enquanto estrutura de sentido – onde nos lança irremediavelmente a memória de Abel Salazar.

A fita reflectora, símbolo de uma barreira intransponível, de um desvio obrigatório – que nos impele a contornar a sua área central, protegida –, enquanto elemento permeável, mediando o interior e o exterior do edifício, o espaço livre e o espaço protegido, o espaço público e o espaço privado.

Mas o que protege afinal a fita, que não se impõe no nosso caminho - tanto como o faz no nosso campo visual, onde rapidamente afirma a sua presença...? Símbolo também de um tempo provisório, de um “work in progress”, de um período que não se demora - não permanece.

É neste percurso que André Alves nos situa, antes de mais, com o título da obra: Do provisório ao permanente. A separar as definições antagónicas: um tempo e um processo de valoração. Afinal o mesmíssimo sistema que faz de um museu, um museu.

As primeiras peças que encontramos no interior do museu são da autoria de Rodrigo Oliveira. Das obras expostas são as que mais desafiam a aceitação do espectador vulgar, arrastando- o para o lugar-comum em todas as exposições de arte contemporânea – Mas isto é arte?

Longe de se limitar apenas aos mais incautos a intervenção parece ter em foco as condições essenciais do objecto artístico. Por outras palavras: quais serão as qualidades fundamentais, para que algo possa funcionar enquanto obra de arte?

A primeira peça de Rodrigo Oliveira – Square (Tangram) – trata-se de uma mesa com seis puzzles Tangram amplamente coloridos. A segunda obra divide-se entre duas salas, a mesma sala ocupada pela primeira peça e a sala contígua: a capela. Para a construção deste trabalho, o artista utilizou o deck de madeira que se encontrava na varanda da casa, colocando-o entre ambas as salas e sobre um buraco no chão, onde colocou luz eléctrica. Na parede da capela foi também colocada uma planta arquitectónica do museu, pertencente ao espólio. Esta referência gráfica à estrutura do edifício aliada ao título da obra poderá indicar um primeiro plano de leitura.

O título Intervenção Deslocada (Varanda), faz alusão ao próprio processo de construção da obra e este, ao fazer-se presente na experiência de apreciação, produz um determinado sentido. A obra terá obrigatoriamente um curto tempo de vida, após o qual o deck voltará para o espaço para o qual foi designado. A arte funciona desta forma enquanto regime de excepção, determinada por um lado pelo contexto e por outro por uma intencionalidade.

Ao invés de uma existência física poder-se-ia propor uma existência em potência, mais dependente de relações externas que de condições relativas a características materiais e formais. Tal como um jogo – como o Tangram – a sua definição ultrapassa a aparência das peças que o constituem e depende sobretudo de uma dinâmica de relações conceptuais externas.

Há no entanto preocupações na concepção das obras que nos garantem uma apreciação visual das mesmas, que não se esvaziam no plano das ideias.

Pousadas sobre a prateleira de pedra na parede da capela - onde em tempos o olhar dos crentes se demorou - encontramos seis pinturas sobre madeira de Vítor Israel. Nestas adivinha-se um mesmo motivo, que permanece identificável apesar das variações cromáticas e formais a que é sujeito. As pinturas ocupam o lugar de maior destaque visual de um espaço historicamente vocacionado para a prática contemplativa.

Poderiam afinal tratar-se de representações icónicas, símbolos ou alegorias com o peso contundente de uma orientação, de uma responsabilidade pedagógica ou moral. Neste aspecto a sua aproximação formal ao Construtivismo Russo, ou às práticas abstraccionistas austeras, ganha o sentido de uma arte que encontra a sua intensidade num ritual rigoroso, ou num engajamento ideológico.

As formas, recortadas do fundo, lembram as camisolas que se faziam com a parte superior dos maços de tabaco, e este desenho serve enfim de estrutura para a composição.

Estará então este símbolo, este desenho, subjugado a um conceito? Terá uma função ilustrativa? Poderá referir-se às diversas competências de Abel Salazar? Haverá alguma relação com a ideia de sagrado?

O título “Seis Pinturas para a Capela da Casa-Museu Abel Salazar” segue quase os preceitos de uma arte explicadista (como a proposta por Pedro Proença e Pedro Portugal) e ao inscrever-se nesta elipse auto-definidora, ao explicar-se a si própria de forma tão simples, adivinhando apenas algum humor, deixa-nos na mais pungente indefinição.

Miguel Leal, num registo um pouco diferente do que geralmente apresenta, ocupa o antigo atelier de Abel Salazar, no primeiro andar da casa. Um funâmbulo de andar trôpego, onde a queda se adivinha já iminente; uma sapatilha; manchas que se assemelham a colunas de fumo; outra a um ânus; um avião; objectos que poderíamos designar como corriqueiros; uma paisagem na qual se ergue uma árvore enviesada; uma imagem do letreiro do banco de investimentos norte-americano “Lehman Brothers”, no interior da Christie\\\'s. Estas imagens, de um conjunto de onze desenhos, partilham o espaço com quatro antigos cadernos de registo “Deve|Haver”. Divididos por duas vitrines que atravessam longitudinalmente a sala, os cadernos livres ainda de qualquer tipo de anotação, estão abertos revelando o mesmo suporte utilizado nos desenhos.

Dispersos sobre uma parede, ocupam as velhas molduras da Casa-Museu dos anos 60/70 – já plenamente reformadas – onde figuravam as obras de Abel Salazar. Representando este último um pormenor pouco evidente para quem ignora os meandros do museu – com toda a rede de histórias e peças ocultas ou arquivadas –, não será contudo indiferente o seu reconhecimento na avaliação global da proposta.

“Economia (Pequeno Diário)” poderá ser compreendida através da sua aparente diversidade nas imagens e na utilização de materiais obsoletos – que perderam o seu sentido primeiro de utilidade. Tal como o sinal metálico do banco – que deixando a sua função informativa adquiriu valor de mercado – a distância que separa a indiferença do uso comum de uma valorização cultural ou económica está exclusivamente dependente de relações simbólicas.

Ergue-se assim o mercado económico, ávido nas suas mãos suadas pela circulação da moeda, enquanto factor determinante na tradução de um valor. Proclamando-se representação de uma vontade geral, centralizando os seus critérios flutuantes e a sua vontade caprichosa, formou-se mecanismo vivo de difícil previsão, procurando fazer depender da sua especulação e das relações duais de procura/oferta todo o exercício de valorização.

Talvez hoje a grande dificuldade resida na separação dos termos, na indefinição das fronteiras. Esta distinção semântica foi afinal o que permitiu a Oscar Wilde formular o famoso aforismo: “as pessoas hoje conhecem o preço de tudo e o valor de nada”.

A obra de Ana Vieira, surge-nos frequentemente como indício de uma história, uma narrativa em aberto, abandonada pelos seus personagens e por uma singular noção de tempo e acção. Esta particularidade comum, que os nossos sentidos facilmente tomariam como ausência, lança-nos numa atmosfera muito mais ténue e indiscernível. A Ausência é já uma definição fixa, um lugar que sendo sofrível, é sinónimo de um processamento emocional e intelectual. A obra de Ana Vieira, pelo contrário, apresenta-se como um instante de suspensão, um hiato entre termos que torna possível uma coexistência de conceitos antagónicos. Visível/Invisível; Interior/Exterior; Presente/Ausente; Público/Privado, partilham uma existência conjunta na obra, que permanece instável e alheia a qualquer processo de objectificação.

De todas as peças presentes na exposição, são talvez as que dialogam mais pacificamente com o espólio e o espaço do museu.

A primeira peça do percurso – Mesa-Paisagem, de 1973 – trata-se de uma mesa de jantar, com lugar para uma pessoa: prato, copo, talheres e guardanapo enrolado com uma argola. Sobre a toalha ocre da mesa, um comboio atravessa um túnel ladeado por palmeiras. Os carris dividem a superfície da mesa sensivelmente a meio, numa curva em ésse. Dentro do prato – um côco.

A obra ocupa o centro da sala reservada aos retratos masculinos de Abel Salazar. Estas pinturas retratam amigos, colegas ou personagens masculinos admirados por Salazar. Longe da pintura das mulheres de rostos cobertos e representação sintética, estes homens apresentam rostos detalhados e claramente identificáveis.

É assim cercada por figuras eminentes de médicos, diplomatas e artistas que encontramos esta peça, cujas leituras reverberam no espaço da sala. As suas fronteiras deléveis são espaço permutável de sentido, contaminando e contaminado pelo contexto.

No espaço atribuído ao quarto de Abel Salazar, que o foi indubitavelmente de Zélia Salazar – que aí permaneceu após a morte do marido – encontramos a segunda obra: “Santa Paz Doméstica, Domesticada?”.

Uma cadeira com uma almofada; uma mesa de apoio com uma toalha cor-de-rosa sobre a qual se encontra um espelho, uma fotografia do Elvis Presley, batons, revistas, rolos de cabelo e outros objectos de uso doméstico; entre a cadeira e a mesa encontra-se um par de chinelos com pêlo cor-de-rosa; junto a estes um saco de rede onde podemos ver embalagens de detergentes de roupa e produtos de limpeza; ao lado um cesto com caixas de lata e material de costura. A peça pressupõe ainda a existência de um argumento afixado na parede e o título da peça.

Esta obra, de 1977, trata o papel doméstico da mulher de uma forma mais evidente que a peça anterior. Muito mais que uma ocupação, o papel doméstico surge nesta peça enquanto processo de construção subjectiva e os objectos são assim o alvo evidente de um investimento de interesse e de desejo. Tal como na “Mesa-Paisagem”, esta instalação colonizou o espaço de sentido, evidenciando também toda a dimensão cénica do quarto.

Em entrevista a artista diz preferir a palavra Vivência a Memória. Tal como em Duchamp, um trabalho que não permite uma inscrição categórica – nem cerebral, nem visual, mas concretamente ligado à vida.

No espaço do corredor, entre o antigo atelier de Abel Salazar e a sala de jantar, encontramos a primeira peça de Raquel Melgue na exposição: “JLELN-27”. De costas voltadas para as escadas que dão acesso ao piso superior, sobre o assento comprido em éle, sentada nas almofadas de pele, pesa uma figura feminina em escala natural. A figura veste apenas uma bata cinzenta, com riscas e botões de madeira, muito encardida. Sabemos que esta é a mesma bata de trabalho que Abel Salazar utilizava, através das muitas fotografias que nos chegaram e que é ela própria pretexto de histórias e construções. A cabeça encontra-se coberta por um capacete branco, e no topo deste um anel de lâmpadas transforma o espaço através de uma projecção de luz, alternando de cor e tom.

Um pouco mais à frente, na divisão contígua à sala de jantar está instalado o segundo trabalho da artista: ME#13231112121. Este é em muitos aspectos semelhante à obra anterior, sobretudo na forma como contamina o ambiente, que sobre as luzes coloridas e as superfícies planas e limpas das peças nos surge como um cenário que evoca o género da ficção científica. Dois assentos de plástico resistente, forrados com espuma em toda a zona interior e com um cinto de protecção. Ainda que o seu aspecto seja similar aos assentos de fabrico industrial que habitualmente encontramos nos transportes públicos, a sua disposição parece seguir um critério oposto. De frente um para o outro forçariam os seus utilizadores a encarar-se, promovendo assim um encontro. Pousados ao lado dos assentos estão dois capacetes amarelos de madeira, com forma próxima a uma pirâmide truncada, com a viseira na face com menor dimensão. Estes capacetes marcam presença assídua na obra da artista, sobretudo na fotografia, onde não é raro encontrar figuras que o envergam. Todo o cenário parece um convite a uma experiência pessoal e se à primeira vista nos parece propício ao diálogo, rapidamente nos apercebemos que a utilização do capacete representa um obstáculo – um bloqueio dos sentidos, que não poderá senão favorecer um movimento de introspecção, um ensimesmamento progressivo. Este possível alheamento é produto directo de uma obstrução física, de uma barreira última onde os sentidos não constatam senão o seu desencontro – com o mundo, com o Outro.

A última peça, “MAGNIVISION”, surge assim como confirmação desta característica comum: um conjunto de 5 pares de óculos de lentes coloridas com cores berrantes e planas: amarelo, azul, verde, rosa e cinza. Estas cores opacas não permitem que a visão atravesse as lentes, impedindo o olhar de ver e ser visto. Os óculos estão expostos juntamente com dois pares pertencentes ao espólio do museu – estes servindo perfeitamente a função para a qual foram designados originalmente.

A proposta de Raquel Melgue lembra desta forma os personagens de Mário de Sá-Carneiro, que sofrendo perante as insuficiências da linguagem perecem na impossibilidade de uma comunicação absoluta. Um problema que não é estritamente da comunicação, partilhando fronteiras com a construção de identidade.

No Caminho da Arte Preconceitual #2” de Isaque Pinheiro surge assim que começamos a subir as escadas de acesso ao último piso. Em contraluz e recortada da parede clara, uma tábua de madeira que atravessa o espaço aberto. O tempo e as perspectivas da subida revelam um dos suportes que sustenta a peça: uma pilha vertical de livros de dimensão variável. Na face superior – descoberta ao ultrapassar o último lance de escadas – vemos uma casca de banana esculpida. Esta foi virtuosamente arrancada do mesmo bloco de madeira e encontra-se sensivelmente mais próxima de um dos extremos da tábua. Além deste evidente obstáculo – metafórico, ou não – a tábua culmina na parede, encontrando aqui mais um limite à sua travessia. O caminho proposto não tem desta forma uma saída, forçando-nos a uma mudança de direcção ou a um regresso à origem. A perspectiva metafórica é ela mesma um exercício sem resolução: se por um lado o encontro com o título nos permite este valor de símbolo, essa potência esgota-se na ideia da sua própria impossibilidade. Resta-nos o desvio, ou o eterno retorno ao ponto de partida, ao pre-conceito.

Formalmente a peça coloca-se também num plano de indeterminação, oscilando entre um objecto “ready-made” subjugado a uma ideia precedente, correspondendo simplesmente a um plano fenomenológico da mesma – a apresentação mais típica do modelo conceptual – e um rigor técnico e saber oficinal, quase no território da escultura clássica, que um olhar atento da peça nos confirma. O inteligente manuseamento dos diferentes modelos e o recurso a termos contraditórios, que coexistem como um oxímoro, renovam o interesse na obra, que permanece irredutível a uma categorização. O próprio tempo parece partido na construção do título, se “No caminho da” nos sugere um período porvir, o prefixo “pre” volta a lançar-nos irremediavelmente no que é anterior, passado (ou ultrapassado).

No percurso escorregadio para a compreensão da obra de Isaque Pinheiro, talvez o avanço se conquiste apenas às arrecuas, conscientes afinal de que o que vemos com maior clareza são os nossos próprios passos.



JOÃO SOUSA PINTO